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1964 quase aconteceu em 1954

Fuentes: Rebelión

O crime que vitimou o major da Aeronáutica Rubem Florentino Vaz, em 5 de agosto de 1954, a princípio um atentado contra o deputado Carlos Lacerda, líder da oposição ao governo Vargas, por pouco não antecipou 1964 em dez anos. Seria a precipitação do Estado Novo udenista. De qualquer forma foi um fato importante ao […]

O crime que vitimou o major da Aeronáutica Rubem Florentino Vaz, em 5 de agosto de 1954, a princípio um atentado contra o deputado Carlos Lacerda, líder da oposição ao governo Vargas, por pouco não antecipou 1964 em dez anos. Seria a precipitação do Estado Novo udenista. De qualquer forma foi um fato importante ao longo no processo golpista. E tanto é assim que, 19 dias depois, culminou no suicídio de Getúlio Vargas.

As dúvidas sobre o Crime da Rua Tonelero, como ficou conhecido, onde Lacerda residia, no bairro Copacabana, no Rio de Janeiro, não são em torno de sua natureza: um atentado. Dois pistoleiros a mando de Gregório Fortunato, chefe da segurança de Vargas, foram ao local para matar Lacerda.

O que não está suficientemente claro é se o tiro no pé que Lacerda levou foi dado ou por Alcino ou por Climério, os pistoleiros, ou pelo próprio Lacerda. Lutero Vargas, filho de Getúlio, à época ponderou que uma bala de calibre 45 faria um tal estrago no pé do deputado udenista que ele não conseguiria andar. Lacerda não só andou, como não houve estrago algum.

O inquérito realizado pela Polícia acabou sem conclusão sobre isso. É que oficiais da Aeronáutica e ligados a Lacerda, em franca postura de rebelião, prenderam os suspeitos, num primeiro momento, levaram-nos para a Base Aérea do Galeão (ficou conhecida como República do Galeão) e de lá todas as versões encerravam um único objetivo: derrubar o governo de Vargas.

Provas decisivas desapareceram e nem eram tantos os instrumentos que as autoridades dispunham para determinar com precisão como foi que aconteceu o fato. O major, por exemplo, foi alvejado por um tiro pela frente e outro por trás. O único a disparar de jeito tal que poderia atingir o militar por trás era Lacerda.

Alcino alega até hoje que agiu em legítima defesa, estaria apenas seguindo Lacerda. Foi atacado pelo major e reagiu. Nem pouco e nem muito provável. Apenas improvável, qualquer das versões, já que o fato foi transformado no ponto culminante do movimento anti-Vargas. Apurar com exatidão era o de menos.

O suicídio do presidente abortou o golpe, fez com que a opinião pública se voltasse contra Lacerda e a UDN e deu fôlego à disposição do então governador de Minas Gerais, Juscelino Kubistchek, de se candidatar à presidência. Venceu Juarez Távora, um dos integrantes da Coluna Prestes, participante da revolução de 1930 (que levou Vargas pela primeira vez ao poder) que, num dado momento, virou à direita. Não que Juscelino fosse de esquerda. Mas não era de direita no conceito clássico que se aplica a tal.

O golpe de 64 começou, a rigor, na derrubada de Vargas em 1945. A UDN (União Democrática Nacional), que surgira como movimento pela redemocratização do País, vira partido e lança candidato a presidente Eduardo Gomes, brigadeiro e criador da Aeronáutica do Brasil, arma da qual é patrono.

Foi duas vezes derrotado. Por Eurico Gaspar Dutra, marechal e ministro da Guerra de Vargas no golpe do Estado Novo e em 1950, pelo próprio Vargas. O partido não se conformou com as regras do jogo democrático. Já no segundo governo de Getúlio, exige a saída de João Goulart do Ministério do Trabalho. O ministro havia aumentado o salário mínimo em 100%.

O manifesto contra Goulart foi assinado por militares, ficou conhecido como Manifesto dos Coronéis. Dentre eles Cordeiro de Farias, Bizarria Mamede e Golbery do Couto e Silva, figuras proeminentes no período da ditadura militar.

O golpe de 1954 começou na primeira derrota de Eduardo Gomes. Passou pela movimento militar contra Jango ministro e pela morte do major Vaz.

Seguiu-se quando Lacerda tentou impedir a posse de JK alegando que não vencera por maioria absoluta de votos, preceito que não constava da Constituição de 1946. Não conseguiu o intento por obra e graça de Henrique Dufles Batista Teixeira Lott, ministro da Guerra (hoje Ministério do Exército) e que exigiu com respaldo militar o cumprimento da lei maior.

E mesmo assim dois movimentos de pequena monta ocorreram no governo de Juscelino. Aragarças e Jacaré-acanga. Militares da Aeronáutica tentaram empolgar as forças armadas de um modo geral, acabaram presos e depois anistiados pelo presidente. Um dele, Haroldo Veloso, à época major, vira brigadeiro e em 64 se transforma num dos homens de ouro do golpe, sobretudo em sua força, a FAB (Força Aérea Brasileira).

A morte de Rubem Florentino Vaz ocorreu há exatos 50 anos.

O golpe de 1964 aconteceu dez anos depois e o presidente deposto foi exatamente João Goulart, antigo ministro do Trabalho de Getúlio. Antes, quando da renúncia de um alcoólatra louco que virou presidente, justo pela UDN, Jânio Quadros, militares de direita tentaram impedir a posse de Jango, era o vice.

Brizola e lideranças populares conseguiram que a Constituição fosse obedecida.

Mas não evitaram o golpe. Outros contornos emolduravam a conjuntura e a participação dos Estados Unidos foi decisiva.

Lacerda esteve presente em cada um desses episódios. E nem assim virou presidente da República como sonhava e desejava. Governador do antigo Estado da Guanabara, acabou com os direitos políticos suspensos. A ditadura baniu todas as lideranças que eventualmente poderiam se contrapor aos propósitos continuístas dos militares.

FHC, eleito presidente e num dos primeiros momentos de seu primeiro mandato, proclamou que a Era Vargas estava encerrada. Referia-se às mudanças na estrutura do Estado. Ao processo de privatização do País, comandado segundo interesses do mercado, por sua vez, controlado pelos Estados Unidos e o que representa.

Agosto tem um registro trágico na história do Brasil. O suicídio de Vargas e a renúncia de Jânio marcaram o mês.

Como as bombas que Truman mandou despejar sobre Hiroshima e Nagazaki. Falo do mês, falo de agosto.

A história é impiedosa com ditadores e golpistas. Lacerda é hoje uma pálida lembrança. Nem o mea culpa feito após perder os direitos políticos foi suficiente para apagar a lembrança de sua conduta política passional, irresponsável e golpista.

A UDN virou sinônimo de moralismo burguês. Tinha grandes figuras, como Afonso Arinos, Milton Campos, Adauto Lúcio Cardoso, Bilac Pinto, Juraci Magalhães e outros. Nenhum deles, no entanto, talvez Milton Campos e Adauto Lúcio Cardoso sejam as exceções, escapou da ação escorada no falso moralismo e na hipocrisia.

Vargas é uma figura controvertida até nossos dias.

A quase unanimidade é que 1964 foi um pesadelo na história do Brasil. Um momento de brutalidade, violência e barbárie.

O primeiro presidente eleito, ainda pelo voto indireto, no processo que se seguiu ao golpe, foi Tancredo Neves. Um dos herdeiros de Getúlio. Tancredo era o ministro da Justiça em 1954. Não chegou a tomar posse, morreu de forma dramática.

O Brasil e a América Latina continuam vivendo na corda bamba de uma democracia com cheiro de farsa. É só olhar os dias de hoje. O golpe que se tenta contra Chávez, a ação contra a revolução cubana. A recolonização a Colômbia. A constante tentativa dos norte-americanos de manter essa parte do mundo como seu quintal.

FHC terá sido a versão contemporânea de Carlos Lacerda, guardadas as dimensões de tempo. Suavizado no estilo. Solerte. Mas golpista desde o primeiro momento, na trama da reeleição e da privatização do Estado brasileiro.

Lula não é Goulart, certamente. Optou por não ser ninguém. Só alguém que segue as regras e faz de conta que está transformando o Brasil. Mudando.

Não saímos ainda de uma grande questão posta em 1954 por Getúlio: o monopólio estatal do petróleo. Foi ali que se criou a PETROBRAS. É aqui que querem privatizá-la.

E vem aí a sexta licitação de bacias sedimentares.

O modelo lulista não difere muito do modelo proposto pela UDN. As principais lideranças do partido costumavam dizer que éramos, na década de 50, os Estados Unidos da segunda metade do século XIX.

A Constituição de 1946 trazia o pomposo nome do País: Estados Unidos do Brasil.

Lula sonha e imagina um País forte a partir do mercado. Ou seja: somos hoje a República Federativa do Brasil, mas estamos tentando ser como os norte-americanos.

Estamos presos ao passado e que nem começou em 1954. Mas teve ali um fato de suma importância.