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Parcerias público-privadas e o Brasil de seus sócios

Fuentes: Rebelión

Bloqueados os mecanismos estatais de indução do desenvolvimento por força dos sucessivos acordos com o FMI e demais instituições multilaterais, o planejamento da economia brasileira torna-se prerrogativa dos investidores interessados. Descarnado o Estado ao longo de mais de uma década de privatizações e desregulamentações, o esqueleto encontra serventia. Serve de arcabouço para um novo state […]

Bloqueados os mecanismos estatais de indução do desenvolvimento por força dos sucessivos acordos com o FMI e demais instituições multilaterais, o planejamento da economia brasileira torna-se prerrogativa dos investidores interessados. Descarnado o Estado ao longo de mais de uma década de privatizações e desregulamentações, o esqueleto encontra serventia. Serve de arcabouço para um novo state building baseado no recorte de marcos regulatórios, na criação de agências regulatórias «autônomas» e de tribunais de arbitragem que oficializem os variáveis consensos privados.

O Ministro do Planejamento, Guido Mantega, percebeu ao longo de 2003 que a única forma de «empoderar» sua pasta era torná-la um espaço de articulação para os investidores externos. Enquanto Palocci representa os olhos, ouvidos e a voz do sistema financeiro no interior do Governo, Mantega representa os braços e pernas operacionais deste, as vorazes redes monopolistas à procura de diversificação e ampliação de seus negócios. Enquanto o primeiro dita uma macroeconomia contracionista que vulnerabiliza intencionalmente a economia nacional, o segundo oferece o único tônico revigorante possível, os investimentos privados associados. Um administra o problema, o outro vende copiosamente a solução. Os fundamentos exigidos pelos credores são garantias para os investidores; os aportes destes lastreiam os títulos daqueles. Essa é a gênese do projeto das Parcerias Público-Privadas. Autoria do próprio Ministério do Planejamento. Auto-mutilação como prova de quanto o Brasil pode se descaracterizar para encontrar compradores.

As PPPs procuram consolidar um novo perfil de desenvolvimento para os países da periferia, no qual não há mais subalternidade do capital nacional já que pode ser subalterno algo que não existe. O Estado deixa de negociar com o capital a partir de vetores econômicos equivalentes e se reduz, ele próprio, a um canal privado de negociação. O «novo ciclo de desenvolvimento» prometido pelo Ministro Mantega será um espetáculo do fatiamento do que sobra da economia nacional pelas transnacionais, com chancela e patrocínio de um Governo «popular». Não se trata de um inocente desenvolvimento do subdesenvolvimento, mas da anulação das possibilidades de se construir dinamismo, autonomia e compartilhamento, na escala do país e da região.

As grandes corporações dirão para que servirá o Brasil, seu perfil ideal, o que produzir, o que consumir, como viver. Ao planejarem a infra-estrutura, predefinirão a natureza das atividades econômicas viáveis no país. Ao mercantilizarem os serviços essenciais à população, definirão a hierarquia definitiva de uma cidadania censitária, tanto mais iguais quanto mais endinheirados. As Parcerias Público-Privadas representam a iniciativa de desnacionalização mais escandalosa e nefasta da história do país por que apresentadas em um momento aguda decomposição do território e ainda por forças políticas eleitas para reverter este processo.

As PPPs autorizam União, Estados e Municípios a delegar para grupos econômicos a execução ou gestão, total ou parcial, de qualquer «serviço, empreendimento e atividade de interesse público» – exceto, por hora, o poder de polícia e a administração da Justiça. Permitem, no pior estilo do governo FHC, que esta transferência seja financiada com recursos – e agora também com garantias – do Estado. Elevam os privatizadores a uma categoria semidivina aos quais devemos agradecer por considerarem nossa existência como mortais. Por isso terão preferência para receber recursos públicos previstos no Orçamento, com prioridade inclusive sobre os salários do funcionalismo e a execução de programas sociais.

As parcerias representam uma interface entre a esfera estatal degradada por empresas políticas predatórias e redes econômico-financeiras com papel político sobredimensionado. É o reconhecimento da privatização e da transnacionalização do processo político-decisório do país. Por isso, como se trata de um novo poder em construção, não podem ser estabelecidos critérios para as parcerias – qual a participação do Estado e do «sócio» privado, como serão distribuídos os lucros, quem controla a qualidade dos serviços, como se assegura o direito dos usuários e a proteção do meio-ambiente. Todas estas regras deixam de ser definidas por instituições públicas. Podem ser fixadas por meros contratos, firmados entre governos e privatizadores, sem interferência da sociedade ou seus representantes. Abrem-se brechas na Lei de Licitações, claramente voltadas para permitir concorrências de fachada. O Estado passa a ser um balcão de negócios, todos o poderes aí incluídos. A corrupção tornada onipresente, pode então desaparecer.

Nada a ver com o Estado mínimo idealizado por Friedman, é o Estado que tenha o tamanho necessário para maximizar lucros para as redes monopolistas. O Ministro Mantega se esforça para projetar e publicizar chantagens externas como se fossem convites de parceria recíproca. Insere nos marcos do que deveria ser o planejamento público, o comando unívoco de » VENDE-SE INCONDICIONALMENTE». O México é o paradigma. Exemplar entrecruzamento de interesses entre tecnocracias privadas e «públicas» que promoveu a remodelação econômica do país em função das necessidades das corporações em rede. Crescimento errático, derivado e caudal oferecido como «projeto nacional de desenvolvimento». Os mercadores de turno instalados em Brasília anunciam: «Brasil é um bom negócio! » Garantia de rentabilidade superior a outras modalidades! Na carência há demanda reprimida garantida!

Intermináveis provas de subserviência e subordinação dos governantes são exigidas para que os capitais continuem acreditando que eles lhes serão úteis. A fidelidade tem que ser confirmada em contratos duradouros, não nos discursos, até porque estes precisam manter a aparência de normalidade institucional. A morte lenta e programada da Previdência Pública não foi a primeira Reforma do Governo Lula por casualidade. Mais do que para ajustar as contas públicas, essa Reforma serviu para fazer um ajuste de contas com as lutas dos trabalhadores, com a luta pela cidadania e por uma democracia digna do nome. Na sua última viagem a Washington, Lula vangloriou-se juntos aos investidores de sua coragem em contrariar os direitos sociais de milhões de brasileiros em função dos interesses daqueles mesmos que o estavam ouvindo: «Se dependesse do medo político, não teria feito a reforma da Previdência. Porque me confrontei direto com a minha origem política que é o movimento sindical. »

Não faltou também coragem para culpar o salário mínimo pelo descalabro das contas públicas desorganizadas pelos juros altos e pagamentos ainda mais altos de dívida. A coragem dos dirigentes governamentais de impor reformas privatistas e entreguistas é proporcional a duas certezas, a certeza de quão distanciados estão de compromissos públicos e nacionais e a certeza da desmobilização e inércia do movimento social e sindical. Se a primeira certeza é inequívoca, a segunda parece mais uma aposta. O mercado exige tiros de misericórdia. Teme corpos moribundos e convulsões. Os investidores não vão tirar seus preciosos ativos de fundos e carteiras com «solidez e consistência» para injetá-los em ambientes «instáveis e imprevisíveis» sem indenizações prévias. Exigem provas adicionais de submissão. Agregam a agenda : Lei das Falências, Reforma sindical, Reforma universitária, Reforma do Judiciário e, finalmente, as PPPs. O setores populares devem barrar essas iniciativas e aumentar o «risco regulatório» dos grandes conglomerados interessados em devorar o Brasil. É preciso aprofundar as contradições setoriais e gerenciais do grande capital instalado por aqui e reunir força organizativa e política para estabelecer uma nova agenda. Para que servem mesmo coragem e ousadia?

*O PLC 10/2004, que institui as parcerias público-privadas, foi aprovado pela Câmara e está em tramitação no Senado.

[email protected], membro da ATTAC-Brasil