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A reforma trabalhista no governo Lula

Fuentes: Rebelión

Apesar do governo Lula abrir um novo ciclo político potencialmente mais favorável às lutas populares, a reforma trabalhista que se avizinha traz riscos iminentes. No mundo todo, seja nas potências imperialistas ou, pior ainda, na periferia do sistema, o capitalismo atravessa a fase mais destrutiva e regressiva da sua história. No Brasil, apesar das diferenças […]

Apesar do governo Lula abrir um novo ciclo político potencialmente mais favorável às lutas populares, a reforma trabalhista que se avizinha traz riscos iminentes. No mundo todo, seja nas potências imperialistas ou, pior ainda, na periferia do sistema, o capitalismo atravessa a fase mais destrutiva e regressiva da sua história. No Brasil, apesar das diferenças existentes entre as facções da burguesia, esta também se unifica enquanto classe para flexibilizar os direitos e precarizar o trabalho, visando elevar os seus lucros. Num contexto tão adverso, de defensiva estratégica da luta proletária, a reforma trabalhista gera calafrios!

Já na campanha eleitoral, o ex-sindicalista Lula assumiu o compromisso de promover esta reforma para «modernizar as relações de trabalho no Brasil». Empossado, ele cumpriu a palavra de que nada seria feito de maneira impositiva, sem consulta aos reais envolvidos neste tema. Em maio de 2003 foi constituindo o Fórum Nacional do Trabalho, uma instância tripartite com o objetivo de discutir as futuras alterações na legislação. Após tenso debate, o FNT decidiu iniciar as mudanças pela questão sindical sob o argumento de que era necessário primeiro fortalecer os interlocutores para depois discutir as alterações trabalhistas.

Após quase dez meses de reflexão, a Comissão de Sistematização concluiu a primeira parte da reforma – a que trata das mudanças na estrutura sindical. No final de março, ela apresentou seu relatório final. Este agora será traduzido para a linguagem jurídica, através de projetos de lei e de uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC), que serão enviados para votação no Congresso Nacional. Devido às divergências ainda existentes e ao fato deste ser um ano eleitoral, tudo indica que a reforma sindical só será analisada pelo parlamento em 2005. Na seqüência, será iniciado o debate sobre a estratégica questão trabalhista.

TERRENO MINADO

A reforma sindical é tema de outra mesa. Mesmo assim, gostaria de dar alguns pitacos. Afinal, ela criará o ambiente para as mudanças posteriores nas leis trabalhistas. Penso que a proposta apresentada pelo FNT possui alguns aspectos positivos e várias cascas de banana. No pólo da positividade, ressalto as conquistas do reconhecimento das centrais e da criação dos comitês sindicais de base. Nunca em nossa história os trabalhadores brasileiros tiveram condições legais para se organizar horizontalmente, via central, e nem nos locais de trabalho. A unidade da classe e a organização na base são sinalizações avançadas do FNT.

Apesar dos mercadores de ilusões, o governo Lula não supera a existência de classes sociais e nem da luta de classes. O FNT, como fórum tripartite, reflete estas contradições e introduziu várias armadilhas. Penso que o relatório está contaminado por forte viés liberal, que endeusa as relações de mercado, travestidas na tal «livre negociação». Entre outros perigos, a reforma pode gerar intensa concorrência dos sindicatos nas bases e estimular sua pulverização. As propostas da representação exclusiva e «derivada» são conflitantes. Até a legalização das centrais embute o perigo da super concentração de poderes na cúpula sindical.

Quanto à negociação coletiva, o texto da FNT abre brecha para a sinistra tese da prevalência do negociado sobre o legislado – uma proposta regressiva que gerou tantas brigas no reinado de FHC. Já no item sobre composição de conflitos, apesar de garantir o direito de greve e proibir práticas anti-sindicais, ele permite que as empresas contratem substitutos para os grevistas. Por este breve apanhado, fica patente que esta reforma exige cautela e intensa pressão. Se for garantida a conquista dos comitês de base, que o patronato rejeita, a reforma sindical já seria temerária; sem ela, penso que será um desastre para os trabalhadores.

É preciso evitar que a discussão sobre a reforma trabalhista seja feita num terreno minado, favorável ao capital. Seria triste se o sindicalismo entrasse neste ringue dividido e fragilizado, disputando espaços. Há poucos dias, a Folha de S.Paulo publicou artigo com o título: «Sindicatos caçam sócios para sobreviver». Ele relata os recursos já usados para garantir a exclusividade de representação prevista pelo FNT. Um cenário previsível é o da disputa fratricida para atingir os 20% de sócios, com entidades de trabalhadores se digladiando e esquecendo-se de combater o patronato na reforma trabalhista. Seria o paraíso do capital!

Em síntese, a reforma sindical, ante-sala da trabalhista, requer muita sagacidade, unidade e pressão. Deve-se, inclusive, evitar qualquer postura passiva e acrítica diante do governo Lula, que tenta se colocar acima das classes. Como já alertou Frei Betto, assessor especial do presidente, «feijão só fica bom sob pressão». Não está dado que a reforma fortalecerá o sindicalismo e avançará nos direitos. A disputa será violenta, inclusive no interior do governo. É preciso passar um pente fino nas propostas do FNT, separando o joio do trigo. Se a reforma sindical for, no essencial, negativa, a trabalhista será uma verdadeira catástrofe!

ANTAGONISMO DE CLASSE

Alguns participantes do FNT relataram que os empresários não interferiram com muita ênfase na questão sindical. Bateram pé contra o comitê de base e procuraram limitar o direito de greve. No restante, ficaram meio apáticos. Ficou até exposta certa fratura entre eles, já que várias entidades patronais não representam as grandes corporações. Esta aparente apatia é emblemática. O capital sabe que «controla» a maioria dos parlamentares e que pode implodir qualquer avanço. Além disso, ele pode estar se armando para a batalha decisiva. Na reforma trabalhista não haverá moleza ou vacilação. Ele entrará nesta guerra «babando».

Atualmente, há uma onda mundial de regressão do trabalho. Mesmo em países capitalistas desenvolvidos, onde impera o chamado Estado de Bem-Estar Social, a avalanche neoliberal causa estragos. Os EUA, por exemplo, são hoje a pátria da desregulamentação. O trabalhador não tem qualquer garantia e vegeta numa situação de tensa instabilidade, tão bem descrita no livro A Corrosão do caráter, de Richard Sennett. Já na Europa, território do Welfare State, também cresceu a investida para golpear os direitos. Surgiu o que o sociólogo inglês Huw Beynon batiza de trabalhador hifenizado: parcial, temporário, por conta própria.

Se isso ocorre nas potências capitalistas, imagine na periferia do sistema. Esta ação, inclusive, é articulada e coordenada pelos organismos mundiais do capital, como o FMI, OMC e Banco Mundial. José Pastore, um liberal convicto, prova num estudo recente que a flexibilização trabalhista é cláusula obrigatória nos acordos do FMI. No geral, ela não se torna pública, mas é imposta nos bastidores das negociações. Agora mesmo, a própria Anne Krueger, chefona do FMI que lembra no nome e no jeito um personagem de filme de terror, defendeu a reforma trabalhista no Brasil, «indispensável para elevar a produtividade». O jogo é pesado. Na recente revisão do acordo com este organismo, é evidente que o governo Lula sofreu pressões!

O processo de desmonte trabalhista no Brasil teve impulso no governo FHC. Durante seu triste reinado, o país foi recordista mundial na desregulamentação do trabalho, segundo relatórios da OIT. Os três pilares da regulação foram corroídos: contrato, jornada e salário. A contratação, antes por tempo indeterminado, foi sabotada por vários tipos precários de contrato; a jornada, antes fixa, tornou-se flexível com o banco de horas; e a remuneração, antes amparada por políticas salariais, foi abandonada ao jogo de mercado e virou variável, através da Participação nos Resultados (PLR). A herança de FHC é realmente maldita.

Mas o capital não está satisfeito. De fato, nunca engoliu a CLT. Tanto que Getúlio Vargas, um estadista burguês, em certa ocasião reagiu: «Vocês são burros; quero salvá-los e vocês não percebem». A burguesia tupiniquim nunca aceitou a regulação do trabalho. A Constituição de 88, reflexo das lutas democráticas, sempre foi encarada como um estorvo. Agora mesmo, no governo Lula, a burguesia mantém esta postura. Pode até haver cisões no seu interior, com algumas facções exigindo queda dos juros e crescimento. Mas, como ensinou Marx, para manter a exploração do trabalho sua unidade é de aço. É seu instinto de classe!

Na reforma trabalhista prevista para 2005, o capital financeiro e o chamado capital produtivo somarão as suas forças para precarizar o trabalho. Eles contarão com a chantagem dos organismos internacionais, que mantêm governos reféns; com a manipulação da mídia; e, inclusive, com a ajuda de alguns adoradores do «deus-mercado» infiltrados no governo Lula. Neste esforço hercúleo, usarão de argumentos marotos para confundir a sociedade. Infelizmente, alguns destes ainda são reproduzidos por setores de esquerda.

Uma peça desta propaganda será o bordão de que a CLT é autoritária, filha bastarda da Carta Del Lavoro de Mussolini. Lógico que a Consolidação das Leis do Trabalho, erguida a partir dos anos 40, tem defeitos e pontos defasados. Mas o que a burguesia deseja não é extirpar os defeitos, mas sim retirar o que ela tem de positivo, de proteção ao trabalho. Por isto, usa pretextos falsos. É falso que a CLT, nos capítulos sobre direitos trabalhistas, seja uma cópia da carta fascista. Na verdade, ela foi escrita por juristas e intelectuais oriundos da luta operária, como Joaquim Pimenta, Mário Pedrosa e Evaristo Moraes. Ela foi inspirada nas convenções mundiais do trabalho existentes, nas encíclicas papais e no programa da «revolução de 30».

Do ponto de vista histórico, a CLT fez parte de um projeto de desenvolvimento nacional, encabeçado por Vargas, que tinha na regulamentação do trabalho uma peça fundamental. Regulamentação que, ao mesmo tempo em que cedia alguns direitos apenas para a área urbana, procurava cooptar e tutelar o sindicalismo. Essa contradição, que indica a presença de um Estado forte e indutor da economia, nunca foi assimilada por setores da esquerda brasileira. O próprio presidente Lula já chegou a afirmar que «a CLT é o AI-5 dos trabalhadores», uma aberração. Em certo sentido, o sindicalismo retomado no ABC paulista sempre teve uma visão anti-Estado, de viés liberal. Isto explica a defesa do plurisindicalismo e da «livre negociação».

Outra peça de propaganda para justificar a flexibilização é a de que a legislação existente é inflexível, não privilegia a negociação. Pura balela. Vários itens da CLT permitem a negociação entre as partes, inclusive relativizando direitos. Outro mito é de que ela é impermeável às mudanças. Mentira! A CLT já passou por várias mudanças, tanto que possui 922 artigos e foi renovada na Constituição. Por último, a manipulação mais perversa é a que alardeia que a legislação eleva o «Custo Brasil» e inviabiliza as empresas. Como se a força de trabalho fosse regiamente paga e o país fosse o paraíso dos direitos trabalhistas. Haja cinismo!

Por este arsenal ideológico de falsidades fica evidente que a batalha da reforma trabalhista será titânica. O capital pretende anular os poucos direitos que ainda sobraram do vendaval neoliberal de FHC. Seu objeto de desejo é a prevalência do negociado sobre o legislado. Com um discurso aparentemente libertário, que ainda engana alguns desavisados, o capital pregará a «livre negociação». Num quadro de desemprego, que joga na retranca os sindicatos, esta «liberdade» representa o embate entre a forca e o enforcado. Como já advertiu Karl Marx, o capital, na sua ambição por mais lucro, tem uma sede insaciável de sangue.

Aqui vale citar uma entrevista à revista Veja do consultor de empresas Stephen Kanitz que, num lapso de sinceridade, expôs toda a crueza da visão patronal. «Para nós, administradores, não faz o menor sentido os empresários ficarem ‘devendo’ férias a seus funcionários. Quem quiser tirar um mês de férias que o faça, sem ganhar nada em troca. Os nossos antepassados não tiravam férias, nem sabiam o que eram sábados e domingos, tinham de caçar um leão todo dia». Ou seja: o que o capital deseja é impor a pura lei da selva para que a «mão invisível do mercado» fique livre para promover a mais brutal regressão do trabalho.

CONTEXTO CONTRADITÓRIO

Para fazer vingar este retrocesso civilizatório, o capital está se armando. Ele está ciente de que houve uma alteração de correlação de forças no país. Sabe que o governo Lula não é igual ao governo FHC, ardoroso defensor do desmonte trabalhista. O capital monopolista ainda não confia cegamente neste governo. Por mais que sua área econômica seja confiável ao «deus mercado» e ceda ao receituário liberal, este governo representa um novo bloco de forças oriundo da luta contra a ditadura, da resistência ao neoliberalismo, da construção da CUT e do MST. Em toda nossa história, é o governo mais nitidamente identificado com as forças populares. O que setores de esquerda parecem não perceber, o capital tem consciência plena!

A burguesia conhece as contradições internas deste governo e procura explorá-las com habilidade. Por um lado, elogia sua política macroeconômica e tenta enquadrar o governo no rígido figurino do mercado. Por outro, critica sua falta de «autoridade» diante dos movimentos sociais e exige a criminalização das lutas; procura desqualificar a política externa independente e os setores governamentais que apostam num outro rumo de desenvolvimento. Se não conseguir enquadrar o novo governo, ela também pode apostar na via da desestabilização, como na Venezuela. Afinal, o neoliberalismo não combina mesmo com democracia.

Em síntese: a burguesia perdeu a eleição, mas não o poder; o neoliberalismo foi derrotado eleitoralmente, mas permanece hegemônico no mundo. Neste contexto, contraditório e complexo, ela fará de tudo para emplacar a reforma trabalhista de seus sonhos. Usará da chantagem do mercado e do terrorismo político para forçar o governo Lula a flexibilizar os direitos, sob o pretexto de que esta é a única forma de atrair o capital externo, garantir a credibilidade do mercado e desengessar a capacidade produtiva. O presidente Lula, que teve sua origem nas greves operárias, ficará sob intenso fogo cruzado.

Este violento jogo de pressões é que explica as contradições já existentes no novo governo. Num dia, Lula condena na OIT a flexibilização, demonstrando que ela não gera empregos, mas sim precariza o trabalho. Noutro dia, o mesmo Lula diz num convescote com jornalistas, na casa de uma editora da TV Globo, que o único direito inegociável é o das férias. Por um lado, a manutenção da política neoliberal causa queda de renda e desemprego. Por outro, o governo Lula enterra a PEC de FHC que impunha o negociado sobre o legislado, pede o arquivamento do projeto de lei sobre a terceirização e defende a redução da jornada. Uma no cravo e outra na ferradura. Esta disputa será uma constante no processo da reforma trabalhista.

Penso que diante desta pesada disputa de forças o sindicalismo brasileiro não deve se omitir. Ele não pode errar no cálculo, desconsiderando a correlação de forças e fazendo o jogo da oposição conservadora. Mas também não pode ficar passivo, deslizando para um sindicalismo tipo chapa-branca. Na batalha de classes da reforma trabalhista, ele precisa exercer intensa pressão e formular propostas concretas. Não basta apenas resistir; é preciso transitar para as alternativas. Neste sentido, vejo três níveis de formulações.

A primeira se refere à macroeconomia, à urgência de um novo projeto nacional de desenvolvimento. Não é possível pensar a valorização do trabalho a partir de uma ótica local, da empresa ou da categoria. Sem a superação do modelo neoliberal não haverá crescimento econômico; o esforço produtivo será sugado pelo capital financeiro. Sem crescimento não há geração de emprego e renda; os milhões de desempregados continuarão marginalizados e os 1,7 milhões de jovens aptos a ingressar no trabalho serão o «exército de reserva» do narcotráfico. A reforma trabalhista, por si só, não resolve este drama social.

Um segundo nível de soluções se refere às verdadeiras reformas, no sentido progressivo do termo – e não as contra-reformas regressivas impostas pelo capital. Uma reforma que hoje teria caráter revolucionário é a da redução da jornada de trabalho. Ela atua contra a lógica do capital, gerando vagas e socializando os ganhos da produtividade. A reforma agrária também tem esta dimensão. Além disso, seria necessária uma política ativa de valorização da renda. Hoje, 5,4 milhões de aposentados são obrigados a trabalhar porque sua renda é miserável; 3,5 milhões de crianças ajudam no sustento familiar; e 28 milhões de brasileiros trabalham acima das 44 horas semanais. A elevação da renda teria efeito imediato na geração de emprego.

Um terceiro nível é o das medidas urgentes, que independente de reformas constitucionais. Para início de conversa, seria positivo varrer todo entulho de medidas de precarização do trabalho da era FHC. O salário variável, a jornada flexível e a contratação precária não geraram os empregos prometidos; pelo contrário, degradaram o trabalho e rebaixaram a renda – como efeito, reduziram o demanda e geraram desemprego. Além disso, um governo popular poderia adotar medidas emergências de geração de empregos, como as frentes de trabalho sugeridas pelas centrais no documento «pauta do crescimento». Também poderiam ser adotadas as medidas propostas por um grupo de auditores fiscais para reforçar a fiscalização do trabalho.

* Altamiro Borges é jornalista, membro do Comitê Central do PCdoB, editor da revista Debate Sindical e autor, com Marcio Pochmann, do livro «Era FHC: A regressão do trabalho». Este texto faz parte do livro «A reforma sindical e trabalhista no governo Lula», recém lançado pela Editora Anita Garibaldi.