O Correio da Cidadania publica nesta edição uma entrevista com Pedro Estevam da Rocha Pomar, jornalista da ADUSP (Associação de Docentes da Universidade de São Paulo), que discute o polêmico projeto do Conselho Federal de Jornalismo. O texto que cria do CFJ foi enviado pelo governo, na semana passada, ao Congresso Nacional e tem o […]
O Correio da Cidadania publica nesta edição uma entrevista com Pedro Estevam da Rocha Pomar, jornalista da ADUSP (Associação de Docentes da Universidade de São Paulo), que discute o polêmico projeto do Conselho Federal de Jornalismo. O texto que cria do CFJ foi enviado pelo governo, na semana passada, ao Congresso Nacional e tem o apoio da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj). Entretanto, é duramente criticado pela mídia, sob o argumento de restringir a liberdade de imprensa. Pomar, que faz parte do movimento de oposição à Fenaj, é contra o CFJ e defende o fortalecimento dos sindicatos para defender a categoria.
Correio da Cidadania: Como você avalia a criação do Conselho Federal de Jornalismo?
Pedro Pomar: Tenho posição absolutamente contrária à criação do CFJ, por motivos muito diferentes daqueles que estão levando a mídia a fazer enorme estardalhaço. Partiu realmente da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), e não do Lula, a idéia de criar o CFJ, e isso está fartamente documentado. O anteprojeto original chegou a ser apresentado ao governo FHC, em 2002. Além disso, a finalidade pretendida por aqueles que o idealizaram é a fiscalização do exercício profissional, e não a censura. Vou tentar resumir as críticas que faço a essa proposta. Conselhos dizem respeito a profissionais liberais e empresas. Mas nossa categoria ainda vive, majoritariamente, de salário – inclusive grande parte dos chamados «PJ», ou «pessoas jurídicas». A própria idéia de se criarem os conselhos de jornalismo (federal e regionais) expressa, a meu ver, a mentalidade de um determinado grupo de colegas, proprietários de empresas de assessoria de imprensa, que se deixaram atrair pelo suposto prestígio social oferecido pelos conselhos. Os conselhos existentes, entre eles os mais fortes, como os de medicina e engenharia, não conseguem fiscalizar adequadamente o exercício das respectivas profissões. Por que o nosso conseguiria? Os conselhos terão o poder de fixar taxas que os jornalistas obrigatoriamente precisarão pagar, se quiserem exercer a profissão. Ora, hoje uma parcela expressiva dos jornalistas mal consegue pagar os sindicatos! Como poderão pagar ambos? A tendência, então, será pagar a taxa obrigatória – dos conselhos. O resultado é que ficaremos mais pobres, e teremos sindicatos ainda mais fracos, em todos os sentidos. Nesse tópico, vale fazer uma pergunta: será que é justo pagar para ter direito a exercer nossa profissão? Além de afetarem negativamente os sindicatos, os conselhos não resolverão os problemas centrais da categoria dos jornalistas: desemprego, agravamento das condições de trabalho, perda de identidade profissional. São problemas cujo enfrentamento e superação dependem, fundamentalmente, de um fortalecimento dos sindicatos e da Fenaj, e, claro, de uma mudança no modelo econômico, pois as políticas neoliberais deprimem a economia e jogam na defensiva o movimento sindical.
CC: Por que a mídia reagiu de forma tão crítica, a seu ver?
Pomar: O atual projeto de lei está sendo utilizado como mote para um ataque hipócrita ao governo federal e aos sindicatos. A «liberdade de imprensa» defendida pelos patrões é a mesma que autoriza a Folha a esconder de seus leitores a informação de que acaba de demitir 200 trabalhadores, dos quais 60 jornalistas. É a mesma que levou a Globo a jogar a campanha das Diretas Já para debaixo do tapete, em 1984, eleger Collor, em 1989, e dar suporte ao Plano Real, às privatizações e à política neoliberal ao longo do mandato de Fernando Henrique. É a mesma que permite à revista Veja praticar um jornalismo marrom sem dar sequer direito de resposta aos prejudicados por suas inverdades. É claro que aos patrões não agrada a idéia de um órgão que possa compartilhar com eles, mesmo que em tese, o poder de censurar ou punir jornalistas. Os Frias, Marinho, Mesquita e outros não querem abrir mão de uma prerrogativa que pensam ser quase divina!
CC: A mídia está desvirtuando oportunisticamente o debate, uma vez que a liberdade de imprensa, propriamente dita, não seria a grande prejudicada pelo CFJ?
Pomar: É pouco provável que a liberdade de imprensa seja atingida. O que prejudica a liberdade de imprensa é a existência do oligopólio da mídia, ou seja, a concentração, nas mãos de pouco mais de uma dezena de poderosos grupos empresariais (quase todos controlados por famílias), de quase 90% dos meios de comunicação existentes no Brasil. Oligopólio, propriedade cruzada e monopólios regionais, estes sim são os algozes da verdadeira liberdade de imprensa, e também dos jornalistas.
CC: O CFJ, como está encaminhado, fiscalizaria apenas os jornalistas. Quem fiscaliza a mídia? Há algum projeto de controle público dos meios de comunicação?
Pomar: Não há fiscalização real sobre a mídia. Este sim é o debate urgente que a sociedade brasileira precisa fazer. As grandes empresas pintam e bordam, enquanto a Polícia Federal persegue as rádios comunitárias. Precisamos, sem demora, de uma Lei Anti-Oligopólio dos Meios de Comunicação Social. Esse, a meu ver, deveria ser o foco central da atuação da Fenaj, ao invés dos conselhos.