Cláudia Jardim, jornalista do seminário Brasil de Fato, ocupa um posto privilegiado de observação da rica experiência venezuelana. Convidada pela Agência Latino-Americana de Informação e Análise (Alia-2), há três meses reside nesta nação. Incansável, já subiu dezenas de morros da periferia pobre de Caracas, visitou municípios do interior, entrevistou autoridades, intelectuais e gente simples do […]
Cláudia Jardim, jornalista do seminário Brasil de Fato, ocupa um posto privilegiado de observação da rica experiência venezuelana. Convidada pela Agência Latino-Americana de Informação e Análise (Alia-2), há três meses reside nesta nação. Incansável, já subiu dezenas de morros da periferia pobre de Caracas, visitou municípios do interior, entrevistou autoridades, intelectuais e gente simples do povo e participou de incontáveis atividades neste efervescente país. Em novembro de 2002, ela fez uma curta estadia em Caracas; retornou em maio e ficará até dezembro próximo. Como confessa, está vivendo sua mais intensa aprendizagem jornalística e política. A seguir, Cláudia Jardim relata alguns destaques desta longa viagem.
O que mais chama a sua atenção na experiência da revolução bolivariana?
Sem dúvida, é a participação popular. Ela é rica, intensa, acelerada e emocionante. Da primeira vez que estive aqui até hoje, fica evidente o avanço da organização do povo. O Executivo, através do presidente Hugo Chávez, tem papel fundamental nas transformações vividas pelo país. Mas os setores populares não estão acomodados, passivos. Eles estão se organizando de forma autônoma e criativa. Provaram sua força quando Chávez foi derrubado por um golpe fascista, cercando o Palácio Miraflores e garantindo sua volta; resistiram à sabotagem petroleira de dois meses; e, no referendo, deram um sonoro não às oligarquias.
Outro destaque é que as mudanças são concretas. Não são promessas eleitorais abandonadas e traídas, não são discursos bonitos no programa Alô Presidente. O projeto de transformações está sendo implementado de verdade. Nos bairros populares, nos morros que cercam o centro de Caracas, não havia médicos. Hoje, com os recursos da exportação do petróleo, antes apropriados pelos ricos, o governo garante atendimento digno à saúde. Os médicos cubanos atendem milhões de pessoas, salvam milhares de vidas. Antes, uma cirurgia custava 8 milhões de bolivares (cerca de R$ 9 mil); hoje, o Estado garante gratuitamente.
Os jovens não tinham esperança de vida, estavam totalmente marginalizados. Hoje, falam alegres de suas novas perspectivas. A missão de alfabetização já educou mais de um milhão de jovens; milhares voltaram às escolas médias; muitos sonham com o ingresso na faculdade, no acesso à Universidade Bolivariana. É uma juventude altiva e alegre que conquistou a dignidade. Por isso, ela não aceita o retorno ao passado, a volta das oligarquias. Está disposta a tudo para defender esse processo. Você vê a transformação material e, principalmente, na consciência. É uma energia impressionante, algo que jamais havia visto. Emociona!
E como se dá essa participação popular? Não há muita dependência do Estado?
Em muitos lugares, Chávez é visto como um mito, quase um Deus. Isso é preocupante, porque, afinal, um dia ele pode sair do governo. Já o Estado é muito heterogêneo. Há muita burocracia, pouca formação de quadros, forte centralização na figura do presidente. Chávez é, realmente, o coração deste processo. Por outro lado, observa-se um crescimento vertiginoso e acelerado da organização dos setores populares. Eles defendem Chávez com paixão, mas defendem principalmente as conquistas da revolução bolivariana, sua dignidade. Afirmam que este projeto não será interrompido nem com a ausência de Chávez.
O próprio Chávez insiste neste rumo. Repete sempre que a organização popular derrotou os golpistas e que ela impulsiona a revolução bolivariana. A presença organizada do povo cresce em todos os cantos, nas missões sociais, círculos bolivarianos, patrulhas eleitorais, comunicação. Diante da ditadura da mídia privada, muitos jovens organizaram dezenas de TVs e rádios comunitárias. A palavra de ordem é: «Não veja TV, faça TV». Esses setores organizados não esperam mais que Chávez faça as coisas; eles tomam a iniciativa e pressionam os próprios órgãos do governo. Essa é a mudança de verdade na Venezuela!
A defesa da revolução é consciente e crescente. O caso dos médicos cubanos é revelador. Já são mais de 13 mil médicos e outros milhares de dentistas e oftalmologistas. Eles moram nos barracos das favelas e já fazem parte da família. Esse povo nunca teve tratamento digno, era tratado com desprezo pela elite. Hoje, protege os médicos cubanos com o maior carinho. Recentemente, numa favela, um assaltante roubou a moto de um deles. Os moradores descobriram quem foi o assaltante e este, junto com o povo, devolveu a moto ao cubano e ainda pediu desculpas. É uma nova dignidade, um novo sentimento de nação.
A oligarquia venezuelana não aceita essa mudança de mentalidade. Não tolera que este povo pobre, que vivia adormecido, hoje tome os rumos do país na sua mão e defenda com paixão as suas conquistas. Essa elite sempre viveu numa bolha, nunca subiu um morro. Nasceu na Venezuela, mas sonha com Miami. Ela nunca teve projeto de nação. Apesar dos limites e contradições deste processo, o povo está fazendo a sua própria história, está construindo um novo projeto de nação, alternativo ao neoliberalismo, mais humano e inclusivo. Não é uma revolução no sentido da tomada do poder, do fim do capitalismo, mas é um processo com nítido sentido revolucionário. É um alento para a América Latina e para o nosso Brasil!