O resultado do primeiro turno da eleição municipal em Porto Alegre não é nada animador para os movimentos populares e a classe trabalhadora. Destaca-se, por um lado, o new-petismo, que já abandonou completamente qualquer projeto transformador, traiu os movimentos sociais que o sustentaram e apresenta-se como defensor do governo conservador e neoliberal de Lula da […]
O resultado do primeiro turno da eleição municipal em Porto Alegre não é nada animador para os movimentos populares e a classe trabalhadora. Destaca-se, por um lado, o new-petismo, que já abandonou completamente qualquer projeto transformador, traiu os movimentos sociais que o sustentaram e apresenta-se como defensor do governo conservador e neoliberal de Lula da Silva; e por outro, através da candidatura José Fogaça, o retorno do grupo político de Antonio Britto, de triste memória (venda da CRT, autoritarismo e prepotência, arrocho salarial contra o funcionalismo, etc.).
Pior ainda, a vitória conservadora foi completa, tendo em vista que nenhuma das principais candidaturas expressava os interesses da classe trabalhadora. Os principais adversários de Pont e Fogaça (Onix Lorenzoni, Mendes Ribeiro, Vieira da Cunha, Jair Soares) representavam partidos e grupos políticos tradicionais e de direita, em suas diferentes variantes. Os governos de seus partidos são lembrados pelo sistemático ataque aos interesses populares e atendimento das demandas do grande capital. As candidaturas dos pequenos partidos de esquerda (PSTU e PCO), por sua vez, não tiveram condições materiais e/ou capacidade política para se apresentarem como alternativa ao grande público e passaram quase desapercebidas, recebendo votações inexpressivas.
Falsa Poralização
Temos assim, um confronto entre o new-petismo domesticado e em aliança com partidos tradicionais ou de aluguel (PL, PSL, PTN), e a velha direita representada por Fogaça. Não é de se estranhar, portanto, que tenha sido uma eleição marcada pelo desânimo, pelo pouco envolvimento da população, pelo discurso do «voto útil» e a freqüente opção despolitizadora pelo «menos ruim». Porto Alegre ainda se lembra do entusiasmo, animação, alegria e orgulho da militância petista e dos movimentos populares e da «onda vermelha» que tomava as ruas de Porto Alegre às vésperas da eleição. Nada disto resta: o PT é hoje um partido burguês, cada vez mais igual aos partidos tradicionais, com militantes de aluguel, campanhas milionárias e marketeiros pagos a peso de ouro para conduzir a campanha. Não é a toa que buscou Duda Mendonça para conduzir sua campanha no segundo turno.
A débâcle petista
O PT claramente perdeu força em Porto Alegre: sua votação no primeiro turno – que atingiu 52% em 1996 (com Raul Pont), e 49% em 2000 (com Tarso Genro), reduziu-se drasticamente, para 37%. A votação de Pont no primeiro turno diminuiu assim 15% em relação à sua candidatura em 1996, perdendo assim quase um terço de seus eleitores. Também a bancada de vereadores da Frente Popular foi reduzida para doze vereadores, mesmo com o aumento do número de cadeiras. Destas doze, duas ficaram com o PCdoB e duas com a Igreja Universal do Reino de Deus, através das legendas do Partido Liberal e do Partido Social Liberal. A maior parte dos oito restantes provém da máquina burocrática da prefeitura e já não tem vínculos significativos com os movimentos populares.
Estes resultados evidenciam o descontentamento com os rumos da administração petista em Porto Alegre e com o governo neoliberal de Lula da Silva. Não é para menos: Lula traiu aqueles que sempre o apoiaram; assim como FHC, atacou direitos históricos dos trabalhadores; impôs reforma da previdência pública ainda mais nefasta do que a pretendida pelo tucanato; aplica política rigorosamente recessiva e centrada nos altos juros e no superávit primário, rende-se integralmente ao FMI e beneficia os banqueiros; envia tropas para ajudar a invasão imperialista do Haiti, dispondo-se a liderar o bloco de países que ocupa militarmente aquele país para sustentar governo imposto pelos Estados Unidos; e segue atacando direitos sociais com as propostas de contra-reforma universitária, sindical e trabalhista. A candidata a vice-prefeita de Raul Pont, Maria do Rosário é conhecida integrante da tropa de choque e sua intervenção na defesa da contra-reforma da previdência não pode ser esquecida.
Na administração petista em Porto Alegre, as coisas não estão melhores: fim da bimestralidade conquistada pelos municipários; sucateamento e terceirização na saúde; aprovação obrigatória nas escolas municipais; aceitação acrítica da Lei de Responsabilidade Fiscal; «tolerância zero» e feroz repressão aos camelôs; redução de investimentos em políticas sociais, etc. Lamentavelmente, no entanto, esta compreensível e justificada manifestação de repúdio ao new-petismo foi em grande parte canalizada para candidatos conservadores e claramente comprometidos com governos neoliberais (Fogaça, Onix, Mendes, etc.), e que portanto representam apenas retrocesso, autoritarismo e exclusão. Outros 7.806 (0,91%) eleitores votaram nas candidaturas do PSTU e PCO, e 60.391 (6,96%) protestaram votando em branco ou nulo, e 137.090 (13,63%) se abstiveram de votar.
Porto Alegre: subordinação petista ao capital
Hoje a candidatura de Raul Pont expressa integralmente – assim como a de Fogaça – os interesses do capital, satisfazendo inteiramente as diversas entidades de classe do capital. O Sindicato do Comércio tem seus interesses atendidos pela repressão sistemática e brutal aos trabalhadores informais; o Sindicato da Construção Civil viu aprovado o Plano Diretor de seus sonhos, que liquidou com a concepção de planejamento urbano e permitiu a expansão desenfreada dos gigantescos prédios de luxo; a Associação dos Transportadores de Passageiros vê suas demandas pela majoração do transporte urbano sempre atendidas, colocando Porto Alegre entre as capitais com transporte rodoviário mais caro do país; os grandes hospitais privados lucram com as «terceirizações» do atendimento promovidas pela prefeitura.
O próprio Orçamento Participativo, fartamente utilizado como peça de marketing petista no Brasil e no exterior, burocratizou-se completamente e perde participação popular. No discurso publicitário new-petista, a própria característica de estímulo à participação popular é relegada a segundo plano, e o Orçamento Participativo é apresentado como sinônimo de «Obras», no mais típico vocabulário malufista. Na maioria dos casos, o OP serve apenas como a mais cômoda das desculpas: se um direito social básico não está sendo atendido, é porque a «comunidade» decidiu por outra prioridade no OP. Estimula-se a população de uma rua a «mobilizar-se» participando da assembléia para garantir o asfaltamento de sua rua, em detrimento do asfaltamento da rua do lado, chegando-se ao extremo de justificar o fim dos reajustes bimestrais ao funcionalismo (imposto pela atual gestão petista) para que sobre mais verbas para as «obras». Difunde-se assim a tese propagada pelos apologistas liberais, de que o Estado é «como a nossa família: não pode gastar mais do que ganha». Assim, não é de estranhar que o OP seja hoje apoiado entusiasticamente pelo Banco Mundial como estratégia de administração pública e atende rigorosamente os interesses do capital.
Assim, não é de se estranhar que a campanha petista seja a mais cara dentre os candidatos à prefeitura, sustentada em cabos eleitorais assalariados e no marketing político, e completamente incapaz de mobilizar corações e mentes como outrora fazia. Isto sem considerar os mega-show de Zezé de Camargo e Luciano e a contratação da equipe de Duda Mendonça para dirigir a campanha petista no segundo turno, pagos pelo PT nacional. E sem contar ainda que foram petistas as campanhas mais caras para a Câmara de Vereadores, com destaque para o slogan «Tolerância Zero» do vereador petista reeleito Adeli Sell, veiculada em «a-pedidos» na capa dos jornais e em out-dors pela cidade.
Voto Nulo e mobilização popular
A «vitória petista» em âmbito nacional, propagada pela mídia, não é tão expressiva como parece. Ao lado de vitórias importantes, como a eleição em primeiro turno dos prefeitos de Belo Horizonte, Aracajú e Recife (todos eles expressões claras do new-petismo), o PT sofreu grandes derrotas em capitais como Rio de Janeiro e Salvador, e na maioria das cidades do ABC paulista, berço do «novo sindicalismo» e do próprio PT, e provavelmente perderá o segundo turno em São Paulo para José Serra, reconhecido neoliberal e ex-candidato tucano à presidência.
A auto-designada «esquerda petista», por sua vez, em sua grande maioria subordinou-se ao discurso new-petista, assumiu a defesa incondicional do neolibelulismo e submergiu completamente, com destaque para a Articulação de Esquerda, que perdeu todas as prefeituras importantes que detinha (Campinas, Imperatriz e Chapecó). Mesmo onde os candidatos petistas foram eleitos, não empolgaram os movimentos sociais, mas ao contrário elegeram-se utilizando fartamente de cabos eleitorais pagos e marketeiros, e gastando rios de dinheiro. É essa a cara do new PT.
Para o PT, o segundo turno porto-alegrense adquire grande importância, podendo compensar a anunciada derrota de Marta em São Paulo. Alguns militantes dos movimentos sociais críticos ao new-petismo ainda pretendem optar por Pont, considerando-o «menos ruim», já que votar em Fogaça coloca-se desde o início como alternativa inaceitável para os que ainda lembram-se do que foi o governo Britto. Para nós, no entanto, votar em Pont é igualmente inadmissível, pelo que representam hoje o petismo e o governo Lula, e também pela estagnação e retrocessos na gestão de Porto Alegre. Preferimos, ao contrário, através do voto nulo, repudiar a falsa polarização entre a «velha direita», representada por Fogaça, e a «nova direita», que é como hoje se caracteriza o PT. Cabe-nos, fundamentalmente, fortalecer os movimentos sociais e a intervenção autônoma dos trabalhadores, através de seus sindicatos, suas comunidades e da mobilização estudantil e dos trabalhadores informais, e, ao mesmo tempo, investir na construção de uma alternativa efetivamente colocada a serviço das lutas da classe trabalhadora e da transformação socialista. Tarefas que colocam a necessidade de construção do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), o qual, em nossa visão, deve ser uma ferramenta a serviço da organização popular e da defesa dos interesses dos trabalhadores.
Porto Alegre, 17-10-04
* Historiador e militante do Partido Socialismo e Liberdade – PSOL.
(1) Nota de Correspondencia de Prensa
La última encuesta de Ibope, muestra a Fogaça 12 puntos adelante de Raúl Pont. La encuesta divulgada en la noche del 15 de octubre, apunta al candidato del PPS como el favorito para ganar la alcaldía (prefeitura) de Porto Alegre. De acuerdo con el sondeo, Fogaça tiene el 51% de las intenciones de voto para la segunda vuelta, contra 39% de Raul Pont. El margen de error es de 3,5 puntos porcentuales para más o para menos. La consulta se realizó entre los días 12 y 14 de octubre.
Fuente: Folha Online, 16-10-04