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Desmatamento recorde e inércia na questão das mudanças climáticas despertam críticas

as mais importantes batalhas travadas entre o governo Lula e representantes da causa ambiental

Fuentes: CartaCapital

TRANSGÊNICOS O maior pivô das crises políticas envolvendo o Ministério do Meio Ambiente tem sido a liberação do plantio e comercialização dos organismos geneticamente modificados. Isso porque, quando eleito, Lula prometeu que só liberaria os transgênicos caso houvesse garantias de que esses produtos não trariam riscos para a biodiversidade e para a saúde humana. Até […]

TRANSGÊNICOS
O maior pivô das crises políticas envolvendo o Ministério do Meio Ambiente tem sido a liberação do plantio e comercialização dos organismos geneticamente modificados. Isso porque, quando eleito, Lula prometeu que só liberaria os transgênicos caso houvesse garantias de que esses produtos não trariam riscos para a biodiversidade e para a saúde humana.

Até hoje faltam certezas em relação a esses riscos, e nem por isso Lula deixou de reeditar Medida Provisória liberando o cultivo e o plantio da soja para essa safra. Além disso, o texto aprovado no Senado retira dos ministérios da Saúde e do Meio Ambiente poder decisório sobre o tema, e amplia o de cientistas indicados pelo Ministério de Ciência e Tecnologia.

A maior parte dos estudos sobre os transgênicos foi realizada em países temperados, com condições climáticas muito diversas das brasileiras. «Faltam pesquisas de qualidade independentes, que não sejam patrocinadas por grupos e empresas pró ou contra transgênicos», diz José Maria Cardoso, vice-presidente de ciência da ONG Conservação Internacional.

ENERGIA
Até a comunidade internacional, que esperava do Brasil uma posiç&at! ilde;o de protagonista na área de energias renováveis, tem uma série de motivos para se decepcionar. Na última conferência mundial sobre o tema, realizada em Bonn, na Alemanha, em junho, o Brasil, com todo o seu potencial eólico, solar e de biomassa, pouco teve a acrescentar.

Segundo uma ex-integrante do Ministério do Meio Ambiente (MMA) – que se retirou do governo, conforme suas palavras, por não concordar com o descaso do governo federal em relação aos temas ambientais -, a ministra de Minas e Energia, Dilma Rousseff, já deixou claro que não está disposta a discutir a matriz energética brasileira.

«Ela não está nem aí para as energias alternativas. O negócio da Dilma são as grandes hidrelétricas, e em sua visão o MMA é um entrave que atrapalha a aprovação dessas obras. É aquela id&ea! cute;ia antiga de desenvolvimento dos anos 70, segundo a qual o Brasil só cresceria se fizesse projetos grandiosos. Hoje em dia, não é mais assim que funciona», diz.

Itaipu, por exemplo, foi aprovada sem licenciamento ambiental, numa época em que não havia esse tipo de preocupação por parte da sociedade. Hoje já é possível medir os impactos causados pelas hidrelétricas. As barragens das grandes usinas alteram o clima e a temperatura local, produzem gases do efeito estufa, deslocam comunidades inteiras, geram danos sociais e inundam áreas enormes. Em geral, as linhas de transmissão abrem caminhos em florestas que induzem ao desmatamento e à ocupação irregular. O lago de Tucuruí, onde uma floresta inteira ficou submersa, tornou-se um dos maiores focos de malária do mundo por conta do desequilíbrio ecológico que levou a uma superpo! pulação de mosquitos.

FOGO E AGUA
Incêndios crescem e a transposição do São Francisco traz riscos. Além disso, o Brasil está retomando a construção de Angra 3 no momento em que o mundo todo caminha para desativar as usinas nucleares. Toda a culpa de atrasos nos projetos de energia elétrica é colocada sobre os ambientalistas, mas a expansão de Tucuruí foi suspensa para atender às metas de superávit fiscal, diz o jornalista Washington Novaes, que acompanha a área ambiental há 30 anos. «É mentira que há dezenas de projetos na fila para ser aprovados: só tem três. Há vários que já foram deferidos», diz o especialista.

«Em vez de as alas desenvolvimentistas do governo baterem no MMA, deveriam repotencializar as atuais usinas», emenda Novaes. Um estudo da ONG WWF mostra que bastaria essa medida para trazer um acréscimo de 10% na atual oferta de energia elétrica.

MUDANÇAS CLIMÁTICAS
Há quem diga que o protagonismo brasileiro nas discussões mundiais das mudanças climáticas foi o único ponto alto da gestão Fernando Henrique na área ambiental. De fato, o Brasil teve participação decisiva nesse tema, como autor de uma proposta inovadora, a do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), previsto no Protocolo de Kyoto. O MDL permite às nações em desenvolvimento implementar projetos de redução de emissões ou de absorção de gases-estufa, e vender papéis correspondentes a essas reduções (os chamados créditos de carbono) aos países industrializados. Esses países, emissores seculares de carbono, têm metas de redução a cumprir, a fim de minimizar o aquecimento global.

Com a entrada do governo Lula, pouca atenção foi dada a esse tema, considerado pela ONU como ! um dos assuntos decisivos para a humanidade, e que ganha força com a sinalização dada pela Rússia em ratificar o Protocolo. O Fórum Nacional de Mudanças Climáticas, criado em 2000, foi praticamente desmontado (mal chegou a realizar reuniões no governo Lula), resultando no pedido de demissão do secretário-executivo Fábio Feldmann. Com isso, houve saída de especialistas que acumulavam conhecimento sobre esse tema e compunham o Ministério da Ciência e Tecnologia (líder da Comissão Interministerial de Mudanças Climáticas). Há um mês, Luiz Pinguelli, ex-presidente da Eletrobrás, foi nomeado por Lula como o novo secretário-executivo do Fórum, o que pode indicar uma reativação desse órgão.

DESMATAMENTO E PERDA DE HABITATS
Os índices de desmatamento na Amazônia, ber&! ccedil;o da ministra Marina Silva, batem recordes e são os maiores do planeta, o que valerá ao Brasil uma menção no Guinness Book de 2005. Além disso, os incêndios provocados em áreas de produção agrícola e pecuária, terras indígenas e áreas protegidas aumentaram 13% em todo o País neste ano. O Ibama explica que os dois fatos estão interligados. Com o maior desmatamento, aumenta a quantidade de matéria orgânica seca que acaba servindo de combustível para os incêndios.

O ritmo das derrubadas é crescente: de outubro de 2002 a outubro de 2003, foram desmatados 23.750 quilômetros quadrados. Nos anos 90, a média havia sido de 14.242 quilômetros quadrados.

«Isso acontece apesar dos avanços na forma como o assunto passou a ser tratado neste governo, que instituiu um plano interministerial contra o! desmatamento, sob a coordenação da Casa Civil. Mas, na prática, esse discurso não é implementado porque falta coordenação política e técnica entre as esferas federal, estadual e municipal», avalia Paulo Moutinho, coordenador de pesquisas do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam).

A principal pressão sobre a Amazônia, embora o ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, negue, vem da expansão agropecuária, encorajada pelos governos estaduais. As plantações de soja, depois de tomar o Cerrado, ocupam o lugar de pastagens em áreas já devastadas na região amazônica. O gado, por sua vez, é empurrado para a floresta, levando à abertura de novas fronteiras.

«No passado havia uma relação direta entre aumento da atividade econômica e desmatamento. Hoje em dia, mesmo quando há que! da do PIB, os índices batem recordes, e a explicação está na soja e no gado», diz Moutinho.

Foi motivo de escândalo entre 1.200 entidades da sociedade civil, no fim de setembro, a aprovação de um empréstimo de US$ 30 milhões, por parte do Conselho Diretor da International Finance Corporation (IFC), braço do Banco Mundial, a uma empresa de Blairo Maggi, governador do Mato Grosso, chamada Amaggi. Essas informações foram passadas por John Forgach, professor de Yale na área de negócios sustentáveis e consultor da ONU (entrevista na edição impressa).

SOJA
O dinheiro do empréstimo seria usado para expandir a produção de soja de Maggi na região leste do Estado, local onde já existe uma forte pressão de desmatamento. O financiamento foi aprovado sem a realização de estudos de impacto ambiental e mesmo depois de James Wolfensohn, presidente do Bird, haver garantido às ONGs que avaliaria com cuidado os empréstimos para a expansão da soja na Amazônia. Segundo informações do IFC, a Amaggi está implementando um sistema de gestão ambiental para assessorar o grupo a adotar as melhores práticas socioambientais.

Há mais críticas. Para Moutinho, o Ministério do Meio Ambiente tem resistência de abordar o assunto das emissões de gases de efeito estufa que provêm das queimadas. Dois terços das emissões de carbono do Brasil vêm do desmatament! o. Assim que o Protocolo de Kyoto for ratificado, os demais países signatários certamente vão exigir do Brasil que tenha metas de redução de carbono a cumprir.

«O Brasil sairia da condição privilegiada de ser apenas um ofertante de créditos. Essa é uma discussão que ainda não está em pauta aqui. O Brasil precisa começar a tratar o desmatamento como um assunto dentro do tema das mudanças climáticas», diz Moutinho. O aumento do patamar de 18 mil para 23 mil quilômetros quadrados ao ano significa mais 60 milhões de toneladas de carbono liberados a cada ano na atmosfera.

José Maria Cardoso, da Conservação Internacional, embora veja méritos no MMA, não poupa críticas. Para ele, um importante avanço da gestão Marina Silva é a divulgação da lista da fauna ameaçada -! importante ferramenta para a pesquisa e conservação.

«A ministra comprou briga com setores do governo, a exemplo do Ministério da Pesca, e conseguiu incluir na lista os animais aquáticos, como peixes e crustáceos. Mas há lentidão em passar do planejamento para a ação», diz Cardoso. «Há muitas Unidades de Conservação que estão sendo invadidas e outras que nem sequer foram criadas. Um dos maiores problemas que temos hoje é a perda crescente de habitats em todas as regiões do País, até mesmo na Mata Atlântica, protegida por lei», completa.

TRANSPOSIÇÃO DO RIO SÃO FRANCISCO
A transposição do rio São Francisco para irrigar áreas do semi-árido nordestino, projeto conduzido pelo Ministério da Integração Nacional, é cara, pode trazer grandes compli! cações e não resolveria os problemas da pobreza e da seca que atinge 17 milhões de pessoas na região. Segundo o jornalista Washington Novaes, o Comitê de Gestão da Bacia Hidrográfica do rio desaconselha a transposição para a irrigação. Apenas admite a alteração no curso de pequenos volumes de água, voltados ao consumo humano e animal. Mesmo assim, o governo federal já reservou US$ 1 bilhão do Orçamento do ano que vem para o projeto, cujos custos são estimados em R$ 4,2 bilhões.

Segundo estudos do Comitê, trata-se de um projeto que, devido ao próprio gigantismo, deve gerar altos impactos, que hoje são totalmente desconhecidos. Em troca, seriam beneficiados produtores de algodão e de frutas para exportação.

«Uma alternativa à transposição defendida pelos especia! listas é resolver o problema da seca das comunidades mais isoladas por meio da instalação de cisternas, com baixos custos individuais, como já tem sido aplicado em escala menor pelo Fome Zero», diz Novaes.

Os estudos do Comitê alertam para mais um fato: «Já está provado historicamente que conduzir água não resolve o problema. O exemplo mais gritante está na área que margeia a calha do São Francisco, onde, a distâncias pequenas da margem, pode-se presenciar o drama da sede e da miséria de multidões de brasileiros».

Para José Maria Cardoso, vice-presidente de ciência da ONG Conservação Internacional, as pessoas costumam pensar os rios apenas como água, que pode simplesmente ser transferida de um lugar para outro. «Na verdade, um rio é um conjunto de elementos vivos que, se alterado drasticamente, compromete a pr&oacut! e;pria existência do rio.» Segundo ele, a região do São Francisco abriga conjuntos aquáticos endêmicos, ou seja, que só existem naquela região do mundo.

DEMARCAÇÃO E HOMOLOGAÇÃO DE TERRAS INDÍGENAS
A não-homologação da reserva indígena Raposa/Serra do Sol, em Roraima, virou um símbolo da insatisfação ambiental em relação a Lula, e da hesitação do presidente entre atender as populações indígenas e os interesses econômicos locais. Isso porque bastaria uma assinatura do presidente para reconhecer oficialmente a área de 1,69 milhão de hectares, demarcada pela Funai no governo Fernando Henrique – a única que ficou pendente da gestão anterior. O processo de demarcação havia sido iniciado em 1977.

A área é conflituo! sa porque, embora fosse uma reserva habitada por índios de diversas etnias, governos anteriores permitiram que lá fosse estabelecido um município, o de Uiramutã, originado por uma onda de invasões de garimpeiros na década de 90, e que ganharam respaldo jurídico local.

A área é disputada por plantadores de arroz, que entraram na região mesmo após a demarcação em 1998. Além disso, em seu subsolo encontram-se valiosos recursos minerais. Sem falar na questão da segurança nacional evocada pelos militares, uma vez que a área possui extensa fronteira com a Guiana. Ambientalistas argumentam, no entanto, que a homologação da reserva não impede o estabelecimento de bases militares para proteção de fronteira.

CONCESSÃO DE FLORESTAS
Se bem-feita, será uma solução para a grilagem ! e a invasão de terras, que levam ao desmatamento e à colonização caótica. Se malfeita, será um desastre. O projeto de lei – que oferta, em regime de concessão, terras devolutas para a exploração da iniciativa privada – já passou pela Casa Civil e segue para votação no Congresso. A idéia é abrir essas áreas à exploração econômica sustentável, inibindo a grilagem.

O problema, na visão de Claudia Azevedo Ramos, coordenadora de pesquisas do Ipam, reside no risco de gestão desses projetos, que ficariam sob responsabilidade do governo. Caso o poder público não seja eficiente em fiscalizar e monitorar essas áreas de concessão, o problema da exploração indevida da floresta tomaria proporções maiores que as atuais. «A administração pública no Brasi! l tem um histórico de inépcia, em diversos setores. O risco está aí», diz a pesquisadora.

IMPORTAÇÃO DE PNEUS USADOS
O problema da importação de pneus usados parecia resolvido depois da publicação da Resolução 258/99. O assunto, ao contrário, deve ganhar ainda mais importância com a proximidade do fim de ano, quando entra em vigor na União Européia uma lei que proíbe o descarte do material em aterros sanitários. A solução que já vinha sendo adotada pelos países europeus era vender os pneus velhos a preço de banana a países como o Brasil e se livrar de um problema – os pneus são de difícil reciclagem e biodegradação, podem se tornar foco de doenças e, se queimados, emitem fumaça altamente tóxica.

Com a entrada em vigor da legisla&ccedi! l;ão brasileira, mesmo depois de uma reedição do texto original, os importadores passaram a usar brechas legais para trazer o entulho. Por meio de liminares, as importações continuam ocorrendo. «Achamos que a reforma da resolução seria suficiente para eliminar essas brechas, mas a pressão política é muito forte», revela Cláudio Langone, secretário-executivo do Ministério do Meio Ambiente.

O único país que oficialmente pode exportar os pneus para o Brasil é o Uruguai. A decisão se deu no âmbito do Mercosul e pode ser estendida a outros parceiros. A estimativa é de que haja no Brasil 100 milhões de pneus usados importados.

Segundo Langone, no primeiro semestre, a UE mandou o recado para o Itamaraty sobre a possibilidade de incluir o pneu na pauta de negociações com o Mercosul. Os dois blocos têm dado tr! ombadas e não conseguem chegar a um consenso. «Será um assunto para discutirmos entre o Meio Ambiente, o Itamaraty e o Ministério do Desenvolvimento», diz.

É mais um exemplo de que temas ambientais nunca estão separados de outras esferas governamentais. Os problemas são de ordem planetária e não será uma voz isolada capaz de resolvê-los. A carga de Marina torna-se maior, e até insuportável, a cada vez que outros participantes do governo lhe negam colaboração.