O mar, de tão parado, mais parecia uma grande lagoa. Junto com o reflexo da luz da lua no espelho d’água, transmitia uma aparente sensação de tranqüilidade. Mas o comandante da fragata da nossa Marinha e o seu jovem imediato, que se esforçavam para usufruir dessa visão quase paradisíaca, não estavam tranqüilos. A brisa amenizava […]
O mar, de tão parado, mais parecia uma grande lagoa. Junto com o reflexo da luz da lua no espelho d’água, transmitia uma aparente sensação de tranqüilidade. Mas o comandante da fragata da nossa Marinha e o seu jovem imediato, que se esforçavam para usufruir dessa visão quase paradisíaca, não estavam tranqüilos. A brisa amenizava o calor asfixiante que reinou durante todo o dia daquele janeiro de 2015, aumentando a ansiedade da tripulação, típica de quem vai para uma frente de batalha. No caso presente, a frente de batalha é que estava vindo em direção ao navio de guerra, estacionado ao lado de uma plataforma de petróleo, algumas milhas distante do litoral, na bacia de Campos.
– Comandante, o senhor acha que os gringos vão retaliar?
– Retaliar, eu não sei, mas da próxima vez vão se prevenir. Afinal de contas, o petroleiro deles foi levado à força para o terminal em terra. Com relação a esse caso, eles irão a tribunais internacionais, mas os próximos cargueiros, a serviço de empresas estrangeiras, que receberem ordem de descarregar o petróleo, mesmo estando em nossas águas, certamente contarão com a proteção da frota de alguma das potências e será muito difícil, para nós, sustentar e fazer cumprir ordens de comando aos petroleiros alienígenas.
– Comandante, como tudo começou?
– Começou em 1995, quando mexeram no artigo 177 da Constituição Federal e, em seguida, em 1997, promulgaram a Lei no 9.478. Assim, criaram um arcabouço jurídico, muito questionado, à época, que permitiu a assinatura de contratos de concessão com 30 anos de validade, para empresas privadas explorarem petróleo no Brasil e, na hipótese de descobri-lo, poderem fazer o que bem quisessem com o produto, inclusive exportar. Os dirigentes de então não acreditavam, apesar de alertados, que o petróleo pudesse atingir os atuais patamares de preço, bem como não consideraram que a Petrobras, com seus orçamentos rotineiramente contingenciados, obtivesse sucesso limitado na descoberta de novas jazidas, a partir de 2005. Assim como não contavam com o sucesso das empresas estrangeiras, a partir da mesma época. E ainda pior, visando melhorar o valor do nosso superávit comercial, para a satisfação do mercado de capitais, determinaram que a Petrobras exportasse a produção de petróleo excedente. O resultado danoso de tudo isso é que, hoje, a nossa empresa não consegue mais atender a demanda nacional, as empresas estrangeiras exportam a quase totalidade do que produzem, alegando terem contratos de longo prazo, assinados no passado e que devem ser honrados, ocorrendo, como conseqüência, o desabastecimento do país.
– Mas ouço dizer que no passado ocorreu também, uma decisão do Supremo Tribunal Federal, que contribuiu para entrarmos nessa crise?
– É verdade. O Supremo, em 2004, infelizmente, ao julgar uma ação direta de inconstitucionalidade, referente à Lei do Petróleo, olhando somente para o curto prazo, surpreendeu o país e não acatou a ação interposta. Prendeu-se às questões de marcos regulatórios estáveis e da atração de capitais externos para o país. Não se ativeram às questões geopolíticas e estratégicas, ou seja, como o país iria garantir o seu suprimento nos próximos 15 ou mais anos. É claro que existia a questão puramente jurídica, que dava margem a interpretações alternativas, deixando os ministros livres para considerarem esses e muitos outros aspectos.
– Mas não foi aprovada, recentemente, uma lei que proíbe a exportação de qualquer quantidade de petróleo?
– Ela é a razão exata de estarmos aqui nesse momento. O petroleiro ia levar o petróleo das nossas reservas para o exterior, segundo contratos teoricamente vigentes. Os congressistas, reconhecendo os erros do passado, aprovaram uma nova Lei, mas esqueceram de verificar se as nossas Forças Armadas, seguidamente sucateadas, teriam poder de dissuasão capaz de garantir a sua aplicação. A bem da verdade, as empresas têm, na mão, contratos que são atos jurídicos perfeitos e que lhes permitem exportar o petróleo extraído em nossas reservas. Alguns juristas alegam que essa mudança da lei só poderá valer para os novos contratos de concessão, não tendo validade para os antigos.
– O preço do petróleo está na estratosfera e só tende a subir, pois a produção mundial está caindo. Não entendo como, no passado, não pensaram em preservar o petróleo nacional. Como o Brasil vai conseguir se abastecer, com esses preços e ameaças, no conturbado e belicoso mercado mundial?
– Não sei. Vamos cumprir com o nosso dever. Se a negociação resultar em nada e se for necessário enfrentar o adversário, vamos oferecer o máximo de resistência possível. Mas, seria bem melhor se os governos desses últimos 20 anos tivessem liberado mais recursos para as Forças Armadas.
Essa alternativa de futuro não é desejada pelos autores, mas, despertando a consciência adormecida da sociedade, talvez sirva para alertar sobre a importância de algumas decisões que, tomadas na atualidade, atuarão em detrimento da tranqüilidade futura e da própria soberania da nação brasileira. Esse pode não ser o cenário mais provável, mas, certamente, ele é possível.
* Sergio Xavier Ferolla é membro da Academia Brasileira de Engenharia Militar. Paulo Metri é conselheiro do Clube de Engenharia.