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Manifesto dos Economistas

«E nada mudou»

Fuentes:

Por uma política econômica voltada para um projeto nacional de desenvolvimento, com prioridade para a geração de empregos e a redução das desigualdades sociais Em junho de 2003, um grupo de mais de 300 economistas brasileiros divulgou um manifesto no qual advertia para o agravamento da crise social em face do aprofundamento, pelo Governo Lula, […]

Por uma política econômica voltada para um projeto nacional de desenvolvimento, com prioridade para a geração de empregos e a redução das desigualdades sociais

Em junho de 2003, um grupo de mais de 300 economistas brasileiros divulgou um manifesto no qual advertia para o agravamento da crise social em face do aprofundamento, pelo Governo Lula, da política macroeconômica herdada do governo anterior. Apontamos como alternativa, fruto de um consenso mínimo, um programa de sete pontos que configurava um compromisso com a adoção de uma política de promoção do pleno emprego, num contexto de retomada do desenvolvimento e de realização da democracia social.

Passado mais de um ano, um grupo inicial de cerca de trinta economistas, signatários ou aderentes daquele Manifesto, reuniu-se novamente para fazer uma avaliação da conjuntura econômica à vista de nossas proposições anteriores e das perspectivas que se apresentam à sociedade brasileira. Nossa conclusão, enriquecida por sugestões de outros economistas que assinam o presente documento, é que a situação social se agravou de uma forma inequívoca, e que o ligeiro suspiro de crescimento que se tem verificado este ano não muda o caráter excludente e pauperizador da política econômica. Ou seja, continuamos no rumo errado, mas há alternativa.

A adoção pelo Governo Lula da mesma política econômica adotada no segundo mandato do Governo FHC – e com o objetivo de manter o modelo de economia inaugurado por Collor – demonstra que o desejo de mudança, expresso claramente pelo povo nas eleições de 2002, foi usurpado pelo mesmo poder econômico, que quer manter a todo custo seus privilégios.

É nossa convicção que, a despeito do aprofundamento da crise social, não há sinais de reversão da atual política econômica. Ao contrário, o governo tem reafirmado que não quer mudar. Portanto, é nosso dever de cidadania insistir na denúncia de que esta política econômica não atende aos interesses da maioria e que aumentará cada vez mais os problemas sociais. A suposta estabilização macroeconômica, apoiada em políticas monetária e fiscal restritivas, ocorre em detrimento da estabilidade social. As taxas de desemprego e de subemprego nas principais regiões metropolitanas se elevam a um quarto da população ativa, o que configura, de longe, a maior crise social de nossa história, levando a uma escalada da marginalização social, da criminalidade e da insegurança.

O surto do modesto crescimento econômico deste ano não deve iludir a ninguém:

1) A base de comparação utilizada é com o ano de 2003, quando houve queda do produto.

2) O crescimento observado concentra-se nas áreas de exportação e de bens de consumo duráveis, enquanto os setores produtores de bens não duráveis, onde se concentra o consumo das massas, apresenta um comportamento distinto, com alguns de seus segmentos estagnados ou mesmo em queda.

3) O crescimento apurado efetivamente é ainda muito baixo para ter qualquer efeito relevante sobre a geração de emprego.

4) A renda do trabalho cai pelo quinto ano consecutivo.

5) Esse crescimento não reduz a vulnerabilidade externa do país que, ao contrário, tende a agravar-se diante do elevado nível de endividamento externo, baixas reservas internacionais, crescente desnacionalização (inclusive, da infra-estrutura) e regressão do sistema nacional de inovações.

A política econômica do governo coloca a sociedade brasileira em uma armadilha de tal forma que qualquer ameaça ou chantagem, externa ou interna, é enfrentada com medidas monetárias e fiscais restritivas que agravam a crise social. Além de travar a economia, o superávit primário -agora elevado para 4,5% do PIB – e os juros básicos de agiotagem – elevados novamente para, agora, 17,25% a.a. – são uma verdadeira máquina de transferência de renda de pobres para ricos, na medida em que implicam a tributação indireta dos pobres, e o aumento da tributação direta da classe média, para o pagamento dos juros da dívida pública aos ricos.

A sociedade brasileira deve ser conscientizada de que a atual política econômica não é capaz de nos tirar desta crise e, na verdade, tende a agravá-la, recorrentemente. E a sociedade brasileira deve ser igualmente conscientizada de que há alternativa. É com esse duplo propósito que estamos divulgando este novo Manifesto.

Os eixos estruturantes da retomada de um projeto nacional de desenvolvimento são a redução da vulnerabilidade externa e a promoção do pleno emprego. Nesse sentido, propõem-se as seguintes medidas imediatas:

1. Reduzir drasticamente a atual taxa de juro básica (Selic), que serve para remunerar os títulos públicos; portanto, a taxa de juro passa a ser focada no ajuste das contas públicas;

2. Desvincular a taxa de redesconto (que remunera os empréstimos do Banco Central aos bancos) da taxa Selic, liberando o BC para a utilização ativa das taxas de redesconto, depósitos compulsórios e cobrança de IOF como formas de regulação seletiva do crédito;

3. Estabelecer mecanismos de controle no fluxo de entrada e saída de capitais externos do país, controlando a conta de capitais, com o objetivo de impedir a evasão externa de divisas, em face da queda da taxa de juros;

4. Interromper a captação de recursos externos pelo setor público, recompor de forma contínua as reservas internacionais do país e estabelecer critérios para o processo de endividamento externo privado;

5. Promover a redução do «spread» e dos custos dos serviços dos bancos privados por meio da rivalidade agressiva derivada da oferta de crédito e de serviços financeiros pelos bancos públicos;

6. Realizar uma reforma fiscal que priorize os investimentos na economia interna e nos programas sociais e inclua um sistema progressivo de tributação, capaz de acelerar a distribuição da renda e, em conseqüência, o crescimento sustentado da economia e das oportunidades de trabalho;

7. Realizar uma auditoria financeira e social da dívida externa, para dar transparência e justiça ao processo de endividamento e para tornar efetivo o controle democrático;

8. Administrar a política cambial de maneira favorável às exportações e à substituição das importações, e compatível com o equilíbrio dos fluxos de capitais externos;

9. Reverter o processo de desnacionalização dos setores de produtos não comercializáveis internacionalmente, de modo a reduzir a rigidez das contas externas do país (o que implica cancelar o programa Parceria Público Privado);

10. Utilizar os recursos públicos, ora esterilizados no superávit primário, em programas de dispêndio público voltados para a expansão e melhora dos serviços públicos básicos, como educação, saúde, habitação popular, assim como para investimentos de infra-estrutura e apoio decisivo à agricultura familiar, reforma agrária e economia solidária.

Este é um programa que busca ir às raízes de nossa crise para encontrar os elementos de superá-la. Na verdade, não estamos propondo, com este programa, nada de extraordinário no campo político. Com a mudança das políticas fiscal e monetária pretende-se aumentar de forma sustentada o investimento e a geração de emprego. A lógica de nossas propostas se baseia na defesa da prioridade em políticas que representem a distribuição de renda e riqueza, e soluções democráticas para os graves problemas que a imensa maioria de nosso povo enfrenta.

Do ponto de vista político, é importantíssimo que o povo brasileiro tenha assegurado os direitos garantidos pela Constituição, de decidir por plebiscito e/ou consulta popular todos os temas que afetam a toda sociedade, como os acordos internacionais da ALCA, OMC, Mercosul-UEE, transgênicos, entre outros. Por isso nos somamos à iniciativa da OAB, CNBB e MST de iniciar uma campanha pela regulamentação do direito ao exercício do plebiscito pelo povo, de onde todo poder emana.

Queremos que cada cidadão brasileiro tenha a perspectiva de encontrar trabalho remunerado, acesso democrático a todos os níveis de escolarização e com a devida proteção de saúde. É um direito básico, republicano, de cidadania. Não nos conformamos com o fato de que, para milhares de jovens em nossas periferias metropolitanas, a perspectiva mais atraente de sobrevivência seja o aliciamento pelo tráfico de drogas. Não aceitamos que o problema da segurança em nossas cidades seja insolúvel. Não aceitamos a permanente transferência de renda para o setor financeiro e para os rentistas. Não queremos mais que os rumos do país sejam determinados por uma conjuntura internacional volátil, seja no sistema financeiro, seja no sistema mundial de comércio. Estamos convencidos de que, por meio de uma nova economia, será possível estruturar uma nova ordem social e estabelecer uma trajetória de desenvolvimento.

A política econômica atual é coerente com a manutenção dos privilégios da camada mais rica da população, dos setores financeiros e daqueles voltados para a exportação. A nossa proposta de política econômica é diferente. Ela se insere em um Projeto Nacional de Desenvolvimento voltado para a garantia dos interesses dos que dependem do seu trabalho, da imensa maioria do povo brasileiro.

O povo brasileiro, mais de uma vez, deu demonstrações, em nossa história política, de sua capacidade de mobilização e de luta por mudanças, para atender os interesses nacionais, democráticos e populares. Esperamos que o povo se conscientize da necessidade de se mobilizar, mais uma vez, para lutar contra as políticas neoliberais e pela construção de uma ordem social mais justa.

A política é o instrumento adequado para a transformação econômica e social. E é fundamental para o progresso democrático que haja ampla circulação de idéias e que a imprensa cumpra o seu papel de informar, sem cair na tentação totalitária do pensamento único. De nossa parte, continuaremos a exercer o nosso dever de criticar e de propor alternativas.

Em 22 de novembro de 2004.

Siguen firmas de economistas

Intelectuais não economistas que assinam o documento
Fábio Konder Comparato
Francisco de Oliveira
Leonardo Boff