Presidentes e chanceleres de nações sul-americanas assinam em Cuzco, no Peru, a ata de Fundação da Comunidade Sul-americana de Nações. Entre os presidentes que participam do encontro, o venezuelano Hugo Chávez e o brasileiro Luís Inácio Lula da Silva. O inexplicável, a presença de Álvaro Uribe, governador geral da Colômbia designado por Washington. Cavalo de […]
Presidentes e chanceleres de nações sul-americanas assinam em Cuzco, no Peru, a ata de Fundação da Comunidade Sul-americana de Nações. Entre os presidentes que participam do encontro, o venezuelano Hugo Chávez e o brasileiro Luís Inácio Lula da Silva.
O inexplicável, a presença de Álvaro Uribe, governador geral da Colômbia designado por Washington. Cavalo de Tróia.
O «novo país» nasce com 17 milhões de quilômetros quadrados, um PIB (Produto Interno Bruto) de 937 bilhões de dólares, uma dívida externa de 315 bilhões também de dólares e a desconfiança de Washington, que sempre considerou essa parte do mundo um protetorado tácito.
Da reunião participam funcionários do governo do México e do Panamá. O México é uma colônia norte-americana e o Panamá nasceu de um pedaço da Colômbia quando os EUA e capitalistas estrangeiros quiseram construir o canal do mesmo nome.
A integração dos países da América do Sul tem uma longa trajetória, desde as concepções de Simon Bolívar e mais recentemente, dois projetos do governo do Brasil, à época de Juscelino Kubstichek (1956/1961).
O poeta e empresário Augusto Frederico Schimidt concebeu a chamada OPA (Operação Pan-americana) e Celso Furtado propôs a JK a criação da ALALC (Aliança Latino Americana de Livre Comércio). Bem verdade que as propostas de Juscelino iam além das fronteiras dos 12 países da América do Sul. Estendia-se a toda a América Latina.
Como se vê a idéia de integração tem chão. E, curiosamente, um dos obstáculos históricos foi sempre o Brasil.
As dimensões continentais do País e a língua (é o único país de língua portuguesa na América do Sul) se constituíam óbices, seja por conta da arrogância nacionalista das elites num determinado momento (hoje lambem botas da Monsanto nos agro-negócios), ou por sua característica multirracial, a diversidade cultural e a língua, problema natural, mas o menor, se considerarmos que a Comunidade Européia tem desde o alemão, passando pelo inglês, o francês, ao português, espanhol, húngaro, italiano, etc, etc.
À guisa de registro, entre nós, na década de 50, era comum tanto à direita como à esquerda se afirmar que éramos os «Estados Unidos de cem anos atrás», ou seja, 1850. Um colonialismo entranhado, mais ou menos a afirmação de Rumsfeld: «todos são contra nós, mas todos querem ser como nós». Bobagem ontem, bobagem hoje.
O presidente Hugo Chávez, na América do Sul o principal adversário do colonialismo dos EUA, disse em Cuzco que «no máximo em vinte anos esse novo país poderá estar conformado».
A ata de criação dessa Comunidade foi assinada pelos presidentes Luiz Inácio Lula da Silva (Brasil), Carlos Mesa (Bolívia), Álvaro Uribe (Colômbia), Ricardo Lagos (Chile), Bharrat Jagdeo (Guiana), Alejandro Toledo (Peru), Ronald Venetiaan (Suriname) e Hugo Chávez (Venezuela. Pela primeira vez Suriname e Guiana são aceitos plenamente num fórum sul-americano.
A Comunidade soa como reação a ALCA e segue os rumos de uma proposta de Lula: ALCA só depois de definido o bloco sul-americano. Mas é preciso mais, como afirma Chávez, «primeiro construir, depois negociar».
De uma certa forma é o que mais ou menos expõe o embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, secretário geral do Itamaraty, em seu livro «500 anos de Periferia». A constatação que somos um gigante periférico, fala do Brasil, sujeitos às políticas do eixo dinâmico do processo de globalização. A Comunidade cria um gigante periférico e com razoável poder de fogo se houver vontade política.
Há problemas. Chile e Bolívia têm disputas territoriais. A Argentina assina a ata mas vê com desconfiança determinadas atitudes do Brasil e toma postura nacionalista. Colômbia e Equador em maior e menor escala são países governados por Washington, com conselheiros e bases militares norte-americanas.
O que Tabaré Vasquez vai fazer com o Uruguai ainda é incógnita. O Chile tem tratado de livre comércio com os EUA. A Bolívia enfrenta um processo eleitoral que pode resultar no primeiro governo de esquerda desde a chamada redemocratização.
Mas, indiscutivelmente, é um passo. E a presença de Chávez significa possibilidade de avanços reais e efetivos e até aberturas a países como Cuba, vítima de uma ação terrorista sistemática e que dura quase 35 anos da Casa Branca.
Brasil e Peru vão construir uma estrada ligando o Atlântico ao Pacífico, 1200 quilômetros e, por palavras de Alessandro Toledo, presidente do Peru, «eliminando fronteiras». Um passo no caminho de uma efetiva integração.
Para o Brasil a proposta da ALCA (Associação de Livre Comércio das Américas) deve ser discutida diretamente pela Comunidade com o governo Bush. Para Chávez isso não é prioridade, prioridade é construir a Comunidade.
«Juntos somos fortes, separados não somos nada».
A Comunidade das Nações da América do Sul tanto pode ser um sinal de reação ao imperialismo do Tio Sam, como pode, dependendo dos rumos que vier a tomar, um rotundo fracasso com conseqüências graves para o futuro.
Um dos aspectos fundamentais é o de recuperar o poder de negociação das dívidas externas em conjunto com os credores. FMI, bancos e governos credores sempre se recusaram a discutir em bloco. Caso a caso, no melhor estilo dividir para reinar.
É hora de inverter o jogo e a Comunidade pode ser o caminho.
É só um exemplo.
Transcende a presidentes, partidos, governantes, deve ser um ato de resistência, luta e construção.
E deve ser construída com bases populares. Plebiscitos e referendos para definir caminhos. Até chegarmos a uma constituição e um parlamento sul-americano, independente de governos nacionais.
Vontade e soberania populares.