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Entrevista com István Mészáros

A globalização capitalista é nefasta

Fuentes: Brasil de Fato

O mundo tem como enfrentar o «crescimento canceroso» da globalização, fenômeno que provoca o aumento das desigualdades e só favorece ao grande capital. A afirmação é do filósofo húngaro István Mészáros, que participou da Conferência Internacional Dilemas da Humanidade, realizada em julho no Rio de Janeiro. Em entrevista exclusiva ao Brasil de Fato, ele ironizou […]

O mundo tem como enfrentar o «crescimento canceroso» da globalização, fenômeno que provoca o aumento das desigualdades e só favorece ao grande capital. A afirmação é do filósofo húngaro István Mészáros, que participou da Conferência Internacional Dilemas da Humanidade, realizada em julho no Rio de Janeiro. Em entrevista exclusiva ao Brasil de Fato, ele ironizou a possibilidade de mudança na política dos Estados Unidos com a eleição de John Kerry para presidente do país: «Quanto mais se muda, mais as coisas permanecem as mesmas».

Brasil de Fato – Alguns teóricos afirmam que o trabalho está desaparecendo. O senhor concorda?
István Mészáros –
Não. O trabalho nunca desaparecerá, é uma parte da natureza, no sentido de que nós temos que trabalhar para sobreviver. Os animais também são parte da natureza e eles podem sobreviver em uma interação direta com a natureza. Nós, humanos, não podemos fazer isso. É preciso uma forma de atividade muito árdua para ganhar as condições de existência, de sobrevivência: o trabalho. Não nos realizamos como seres humanos sem o trabalho. Isso também é um lado positivo. O trabalho não é apenas uma coisa árdua, mas também algo que traz satisfação. Agora, há o outro lado disso, que é o trabalho assalariado, específico do sistema capitalista. Isso deve desaparecer. E tenho esperança de que, no futuro, desapareça, porque longe de ser um prazer é a exploração dos seres humanos.

BF – O capitalismo pode existir sem a exploração do trabalho?
Mészáros –
O capital não é nada sem o trabalho. O capital não trabalha. Labor é trabalho para o capital; se tirar o labor do capital, ele entra em colapso, desaparece. O labor não se baseia na exploração: cooperativas podem estar trabalhando para o próximo, sustentando um ao outro. Com base nisso, é preciso fazer com que as pessoas que trabalham, que estão associadas entre si e livremente, decidam suas próprias atividades de trabalho. Não há necessidade de alguém de fora, como o detentor do capital, dominando o trabalho.

BF – Para o senhor, a globalização traz graves problemas. Por que o fenômeno se expande tanto?
Mészáros –
Há uma integração jurisdicional que obriga os Estados a aceitarem o modelo. Essa integração é imposta pelos Estados Unidos e por alguns países capitalistas europeus, o que significa que a legislação estatal pode se tornar uniforme. Eu mencionei antes que a produção deveria ser voltada para os seres humanos, para decidirem por si mesmos seus objetivos, suas necessidades e produzir de acordo com isso. Coisa alguma deveria ser decidida por Washington.

BF – O senhor cunhou o conceito de «crescimento canceroso». O que isso significa?
Mészáros –
Na ideologia capitalista, crescimento canceroso significa que o capital precisa crescer cada vez mais para não entrar em colapso. O sistema precisa acumular sem parar. Mesmo que não corresponda às necessidades humanas, o capital precisa crescer – e isso pode ser extremamente destrutivo. É um conceito totalmente incriticável e destrutivo no sentido de que, por exemplo, produz um tipo de crescimento parasita, como o militarismo. Colossais recursos são investidos na produção militarista e em aventuras de guerra como a do Afeganistão, de onde se esvai mais de um bilhão de dólares por ano. O sistema capitalista tem operado cada vez mais na produção destrutiva. Você nem mesmo tem que usar o que produz nesse setor. Há produção militarista que sequer tem sido usada. A questão crucial não é crescer ou não crescer, mas o tipo de crescimento, porque crescimento destrutivo é o que eu chamei de crescimento canceroso.

BF – Nesse sentido, no Brasil esse câncer…
Mészáros –
Sim, aqui ou em muitas outras partes do mundo. O único crescimento permitido é o que produz lucros. O crescimento é necessário, mas o aumento da satisfação das necessidades humanas não é permitido porque não é vantajoso. Se fosse vantajoso, seria legitimado. Mas não é. É necessário um tipo de crescimento positivo, voltado, direta ou indiretamente, para a satisfação das necessidades humanas.

BF – Como superar isso e ter realmente um desenvolvimento para os seres humanos?
Mészáros –
Tem de ter uma orientação diferente na sociedade, diferentes tipos de objetivos. Quantos bilhões de pessoas vivem com menos de 2 dólares por dia? Milhares vivem com menos de 1 dólar por dia. Países em desenvolvimento são simplesmente subordinados; seus recursos são sugados pelos EUA e pela produção destrutiva, porque não importa o quão melhores são os instrumentos de batalha, você é usado ou não. Também seres humanos são destruídos diretamente, como as milhões de pessoas assassinadas na Guerra do Vietnã.

BF – O senhor vislumbra possibilidades de transformações na América Latina?
Mészáros –
Eu espero que as possibilidades na América Latina sejam positivas no futuro porque há na região uma grande miséria, pobreza e sofrimento. No Brasil, o salário-mínimo de R$ 260 por mês é uma injustiça terrível. Isso não é sustentável, é absolutamente desumano. As perspectivas para a América Latina dependem da luta por seus direitos, contra as imposições de Washington.

BF – Após as eleições nos Estados Unidos, o que o senhor acha que acontecerá com a América Latina?
Mészáros –
Mudança de governo nos Estados Unidos? Eu penso que para isso há uma expressão francesa muito boa : «Plus ça change, plus c´est la même chose». Quer dizer: «Mudar para não mudar», ou seja, «quanto mais se muda, mais tudo permanece a mesma coisa». Se (John) Kerry for eleito, nada mudará. Ele pode falar um pouco diferente de George W. Bush, mas não pensa em mudança significativa. O complexo industrial militar não é simplesmente um problema militarista, mas também uma contradição econômica fundamental, extremamente destrutiva. Como ter uma mudança positiva sem atender ao complexo? E Kerry anda falando sobre enviar mais tropas ao Iraque. Bases militares devem ser removidas de volta aos EUA. Eventualmente, os projetos para a expansão militarista vão ser os mesmos do atual governo. Então » Plus ça change, plus c´est la même chose».

BF – Não acha estranho que, toda vez que Bush está em difi- culdades, sempre apareça uma ameaça fundamentalista?
Mészáros –
Essa é uma boa desculpa para Bush e companhia porque, desse modo, eles podem ditar as normas para o resto do mundo. No passado, foi muito conveniente aos Estados Unidos ter um inimigo na forma da União Soviética. Lembre-se que o então presidente Ronald Reagan chamou a União Soviética de «Império do Mal». Algum tipo de mentira horrenda teve de ser inventada para levar outros países a acreditar naquilo. Como agora, o conceito de guerra preventiva contra o terrorismo é algo totalmente arbitrário. O terror pode estar em qualquer lugar, em qualquer tempo, em tudo. O fato concreto é que não há nada parecido com a máquina de guerra que eles estão operando para expandir o complexo industrial militar dos Estados Unidos. A cada ano crescem mais e mais os recursos para serem investidos na máquina de guerra. O alvo deles não é um Estado, não são forças militares, mas uma abstração chamada terror, guerra terrorista.

BF – O senhor acha que todas as circunstâncias do 11 de setembro estão esclarecidas?
Mészáros –
É extremamente conveniente explorar o que aconteceu lá. Há um provérbio italiano que diz: «Se non è vero, è ben trovato» («Se não é verdade, é bem inventado»). É bom salientar que o que aconteceu foi útil para os propósitos das forças estadunidenses de dominação. Aquele ataque singular às Torres Gêmeas, em Nova York, foi terrivelmente conveniente para os propósitos políticos militaristas estadunidenses.

BF – O senhor acredita que o capitalismo neoliberal pode estar próximo do fim?
Mészáros –
Eu não acho que está acabando. A tomada de decisão do G8 é essencialmente estadunidense. Em Davos, e em outros encontros, os EUA estão tentando impor o seu poder condutor, uma política neoliberal. Mas eles não estão sendo muito bem-sucedidos porque o Estado condutor, os EUA, também não está funcionando, pois o modelo não se sustenta. É por isso que muitas mentiras têm que ser inventadas para justificar o projeto neoliberal, que não funciona como integração jurisdicional. É um engano dizer que o capitalismo está acabando. Não está. Há ainda muito suporte para ele.

G-8 – Grupo dos sete países mais ricos do mundo e a Rússia. Davos – Cidade suíça onde ocorre anualmente o Fórum Econômico Mundial, local em que se defi- ne parte das estratégias neoliberais.

Quem é
Professor emérito da Universidade de Sussex (Inglaterra), aos 72 anos o húngaro István Mészáros é um dos mais importantes filósofos marxistas da atualidade. Antes de radicar-se na Inglaterra, foi colaborador de George Luckács, na Universidade de Budapeste, nos anos que antecederam a intervenção soviética na Hungria, em 1956. Entre outros livros, é autor de Para Além do Capital, aguçada reflexão crítica sobre as formas e mecanismos de funcionamento do capital, e de O Século XXI – Socialismo ou Barbárie.

9/8/2004