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Entrevista a Francisco de Oliveira

«A política desapareceu»

Fuentes: Correio da Cidadania

Nesta edição, o Correio da Cidadania traz entrevista com o sociólogo da USP Francisco de Oliveira. Partindo das eleições realizadas dia 03 deste mês, ele explica como a convergência ao centro dos principais partidos deixou o eleitor sem opção. Neste processo, a política torna-se irrelevante, perante o triunfo do capital, e a democracia um sonho […]

Nesta edição, o Correio da Cidadania traz entrevista com o sociólogo da USP Francisco de Oliveira. Partindo das eleições realizadas dia 03 deste mês, ele explica como a convergência ao centro dos principais partidos deixou o eleitor sem opção. Neste processo, a política torna-se irrelevante, perante o triunfo do capital, e a democracia um sonho cada vez mais distante para os milhões de brasileiros.

Correio da Cidadania: Quem saiu vitorioso nas eleições do dia 03?

Francisco de Oliveira: Quantitativamente, foi o PT. O PSDB apareceu em segundo, enquanto PMDB continua com a maioria das prefeituras no Brasil. Só que do ponto de vista do espectro político, venceu o centro.

CC: O que significa esse fortalecimento do centro?

FO: Contraditoriamente, significa a desimportância da política. Política entendida como aquilo que é diferença, dissenso, não consenso harmonioso. É a política que desaparece com a vitória do centro. O PMDB já era centro há tempos, o PT que era esquerda e o PSDB que, no seu início, era centro-esquerda dirigiram-se para o centro. Quem perde é a política. Veja os arranjos para o segundo turno em São Paulo (SP). Todos buscam os votos de Paulo Maluf (PP), que fazia diferença até o pleito de 2000. Eles buscam um voto que simboliza os setores sociais que Maluf representava – uma certa concepção de mundo, de horror ao que é estranho, diferente; à direita, mas uma direita extremada, que não teve chance de transformar-se em fascismo.

CC: Se quem perde é a política, quem ganha?

FO: É o capital visto de uma forma bem abrangente: a prevalência dos interesses econômicos sempre se colocaram de fora da política. Essa é uma operação que foi se dando desde o início do capitalismo, o capital sempre esteve fora da política. Agora, a política atualiza está separação, portanto, quem ganha é o capital com o desaparecimento da política.

CC: Isso quer dizer que a direita ganha?

FO: Não propriamente a direita. Como disse José Dirceu, «a direita não existe mais». Todos estão no centro. É apenas uma forma de localizar no espectro político clássico. Mas não é uma direita atuando como classe. O capital passa por cima dessas determinações.

CC: Como está a situação do eleitor?

FO: Ele está sem escolha. Está frente a duas siglas, dois simulacros de representação. Mas, de fato, ele não tem escolha. As diferenças que vão ser apontadas, por exemplo, na eleição de São Paulo (SP) são assim: «eu fiz os CEUs (Centros Educacionais Unificados, construídos pela prefeita paulistana Marta Suplicy)», ao que o outro candidato responde, «mas quem vai aperfeiçoá-lo sou eu». E ataca: «você não deu atenção à saúde (principal eixo da campanha do ex-ministro da Saúde José Serra)». Ao que Marta retruca: «agora vou fazer o CEU saúde». Quer dizer, não tem diferença alguma entre eles.

CC: Isso atrapalha o caminho do Brasil em direção à democracia?

FO: Compromete seriamente. Vejo cientistas políticos, como Fábio Wanderley Reis, se regozijarem com a reiteração das eleições. Com essa convergência para o centro, os partidos se tornam previsíveis. Fico espantado. Perde-se a capacidade de escolha. A política torna-se irrelevante. Não participo desse otimismo que se satisfaz com as formas.

CC: Essa conjuntura aponta algo em relação às eleições de 2006?

FO: Todos procurarão ocupar o centro, as diferenças de programa serão irrelevantes e a eleição passará a depender, como acontece nos EUA, do êxito da economia; se ela estiver bem, o Lula se reelege, se estiver mal, os tucanos podem voltar ao governo. Quer dizer, a eleição passa a depender da economia. O marqueteiro de Bill Clinton (ex-presidente norte-americano) disse, antes da primeira eleição do democrata, ao seu cliente – preocupado com outros assuntos – para prestar atenção à economia – «é a economia, estúpido, que decide a eleição», afirmou. Vai passar a ser assim. Além, evidentemente, do poder das máquinas estatais que estarão nas mãos de cada partido. É isso que vai decidir quem ganha e quem perde, mas todos vão procurar ocupar o centro.

CC: Num quadro político como esse, de que forma deve se comportar a esquerda?

FO: Deve-se ocupar a cena partidária porque ela faz parte das instituições do poder. Essa é a razão principal. A esquerda deve insistir em diferenciar, quer dizer, tentar restaurar o dissenso como forma da política, separando-se dessa ampla convergência ao centro. Quais são as formas de se fazer isso? Não sei. Só a experiência histórica é capaz de criar novas formas. Mas é preciso ocupar esse lugar – embora a política tenha se tornado irrelevante enquanto lugar da disputa – pois as máquinas partidárias, agora à serviço do Estado, tocam na distribuição do excedente público e é preciso fazer isso ser repartido. No fim das contas, ao contrário do otimismo róseo que impera por aí, vivemos um momento muito negativo.