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Entrevista com Luciano Alzaga, editor do Rebelión

A rebelião está na rede

Fuentes: Avante!

A unipolarização do mundo teve reflexos extremamente fortes na produção de conteúdos noticiosos e na concentração da esmagadora maioria das agências e meios de comunicação social num punhado de mãos servis ao grande capital transnacional. Como sempre, respondendo às necessidades e resistência dos povos que não se resignam ante a «voz do dono», surgiram meios […]

A unipolarização do mundo teve reflexos extremamente fortes na produção de conteúdos noticiosos e na concentração da esmagadora maioria das agências e meios de comunicação social num punhado de mãos servis ao grande capital transnacional. Como sempre, respondendo às necessidades e resistência dos povos que não se resignam ante a «voz do dono», surgiram meios de comunicação – vulgarmente conhecidos como alternativos – que procuram romper a muralha do pensamento dominante.

Aproveitando o Encontro Internacional «Civilização ou Barbárie», que durante três dias reuniu nos concelhos alentejanos de Serpa e Moura, nos passados dias 23, 24 e 25 de Setembro, alguns dos mais influentes pensadores e activistas marxistas, falámos com Luciano Alzaga, editor do Rebelión, precisamente um dos sítios Internet que insiste em remar contra a maré com que o capital procura formatar, por igual, a consciência e a percepção que todos os seres humanos têm da realidade.

Como é que surgiu o Rebelión ?

O Rebelión surge nos anos de 1995/1996 por iniciativa de algumas pessoas que então militavam na Esquerda Unida e viam que os meios de comunicação oficiais da Esquerda Unida espanhola não reflectiam todas as correntes de opinião que circulavam no seu interior, sobretudo no que toca à análise mundial, muito mais do que por questões nacionais. Grandes autores, como Noam Chomsky ou James Petras, não eram frequentemente tratados porque os meios de informação resumiam-se a uma visão partidária, cumprindo, claro, uma função específica. Então decidiu-se, naquele momento – o qual coincidiu mais ou menos com o início da Internet alternativa em Espanha – que era necessário criar um meio amplo. Assim começou o Rebelión , quase sem dinheiro, sem condições, por iniciativa de pessoas que eram jornalistas, outros informáticos, e durante um par de anos funcionou com duas ou três pessoas. Pouco a pouco fomos incorporando mais gente, até que o sítio se tornou um meio de informação bastante conhecido, sobretudo por esta abordagem, esta opção de publicar material que circulava pelo mundo, mas que a Espanha não chegava com a facilidade que gostaríamos. Claro que estes textos também não se publicavam nos grandes meios de comunicação dominantes como o El País ou o diário El Mundo , que nessa época também despontou com força. No fundo, entendeu-se que seria interessante que as pessoas de esquerda, a gente que mostra inquietação com o estado do mundo, pudessem ler e reflectir com um tipo de opiniões que só começaram a surgir com o Rebelión . Foi uma época em que apareceu também o Nodo50 , quase paralelamente, mas este cumpre outra função. Basicamente é um espaço Internet de informação e divulgação para organizações alternativas. A Internet alternativa ou de esquerda – para lhe chamarmos algum nome – começou a surgir com força. Logo vieram as grandes manifestações antiglobalização, veio a guerra contra a Jugoslávia, o conflito no Kosovo, e foram precisamente esses acontecimentos que provocaram um aumento enorme do número de leitores, porque as pessoas sentiam uma lacuna, precisavam de outros meios que não fizessem como os dominantes, que dão sempre a visão do poder.

E passado esse período de implantação e crescimento, hoje o Rebelión tem a possibilidade de enviar jornalistas em reportagem?

Não, porque o Rebelión continua a não ter dinheiro, ou seja, não recebe nem paga quase nada, não tem sede social, não tem instalações ou estatutos. O que procurámos foi fazer um meio alternativo em quase todos os sentidos da palavra, sem Conselho de Redacção, onde a maioria dos redactores pertence a um colectivo de pouco mais de uma dezena de pessoas que vivem em cidades distintas e se comunicam sempre por via electrónica. É um pouco o que se quer adivinhar como o jornalismo do futuro, não sei se é correcto. Toda a nossa comunicação é por via electrónica, excepto uma vez por ano em que nos reunimos um fim-de-semana, onde quer que seja, e temos a oportunidade de discutir os grandes temas. Mas o dia-a-dia discute-se por intermédio do correio electrónico.

Quais são as principais dificuldades que enfrenta o Rebelión no trabalho quotidiano?

Não temos sede social nem estatutos, nem sequer estamos inscritos em algum ficheiro público de qualquer Ministério, portanto, teoricamente, pensamos que não somos perseguíveis, embora imaginemos que os serviços secretos espanhóis saibam muito bem de quem se trata, quem dinamiza. De momento, as ameaças de direita e dos movimentos paramilitares da América Latina que temos recebido não passam de ameaças. Em Espanha, houve alguma perseguição mediática, com uma série de artigos no El Mundo e no El País a criticarem o trabalho que fazemos, mas também nunca passou daí. Imaginamos que em algum momento poderá chegar uma repressão mais forte. Aí teremos que tomar algumas medidas, mas de momento estamos num servidor Web espanhol e até por essa via não tem surgido qualquer problema.

Que papel procura desempenhar o Rebelión no campo da informação alternativa?

Embora nunca tenha sido discutida essa questão, na sua plenitude e especificidade, creio que temos a ideia de manter um canal de expressão o mais amplo possível. Não queremos depender de nenhum partido ou organização, nem social nem política. Isso dá-nos uma amplitude muito grande, pois publicamos Marxistas-Leninistas, Trotskistas, Zapatistas, todo o tipo de gente que tenha uma base comum de esquerda. Servimo-nos deles e, ao mesmo tempo servimo-los ao divulgarmos este tipo de informação, ou melhor, este tipo de análise, porque disso se trata sobretudo. Pensamos mesmo que essa é uma das razões pela qual temos tantos leitores, porque quase todo o «mundo» da esquerda se pode ver reflectido no Rebelión . Coisa bastante diferente é não nos apresentamos como independentes, antes pensamos que estamos dependentes de um projecto de transformação social. Em suma, somos independentes de qualquer partido ou organização, mas somos dependentes de um projecto de transformação social.

Assim, julgam ser possível fazer imprensa alternativa, mantendo-a comprometida com um projecto de emancipação e transformação social, não só para um país, mas para todo o mundo?

Claro que sim! Procuramos manter a amplitude teórica e de inspiração política das várias correntes, mas procuramos igualmente manter o máximo de amplitude geográfica. Temos por exemplo muitas secções da América Latina, uma vez que o Rebelión é escrito em castelhano e a maioria dos nossos leitores estão em Espanha ou em países da América Latina que falam espanhol. Mas também temos uma secção do Brasil onde publicamos em língua portuguesa, para além de secções de Palestina, Iraque, África, entre outras. Procuramos ser o mais amplos possível para mostrar onde decorrem as lutas, trazer análises sobre elas e provar que podem inspirar e galvanizar outros movimentos sociais em qualquer parte do mundo.

Mesmo não sendo um meio directamente comprometido com forças partidárias ou organizações, existem caminhos que se podem desenvolver conjuntamente com outros órgãos de informação ou associações que trabalham no seio da imprensa alternativa. Se assim for, o que é que se pode percorrer para, no futuro, com outros órgãos de informação alternativa, partidários ou não, criar ao nível europeu ou mundial, um grupo de imprensa alternativa que trabalhe e colabore conjuntamente?

Pode, claro. Isso seria o ideal, até porque já temos relações com meios de comunicação de Cuba, da Argentina, do Brasil, e muitos mais. Temos vindo a perseguir essa ideia, a de criar um grupo ou uma grande agência de meios de informação alternativa. Chavez está a fazê-lo, de alguma forma, com esse canal de televisão alternativo, mas não é bem a mesma coisa de que estamos a falar. Há uma outra ideia, a de que quando em cada país houver um movimento social forte, que seja capaz de aglutinar, a nossa tendência seja desaparecer como meio de imprensa, pois o que se vai desenvolver é o meio de informação alternativo desse movimento, liderado por um partido ou não. Portanto, nessa medida estamos condenados a desaparecer. Hoje cumpre-nos o papel de ajudar a construir meios alternativos, fomentar o crescimento de movimentos sociais, mas depois serão eles a assumir o seu próprio meio de comunicação.

Podem classificar o vosso trabalho como um contra-poder à agenda dominante dos meios de comunicação social?

Em parte sim, podemos mesmo dizer que fazemos um pouco de imagem invertida do que publicam os grandes meios, mas tratamos de não nos cingir a isso. Publicamos notícias que não são publicadas pelos grandes meios da comunicação social dominante. Temas como o dos Sem-Terra não chegam aos grandes meios, mas também temos quase a obrigação de seguir um pouco a agenda dominante do ponto de vista da informação alternativa que procuramos difundir, muito porque as pessoas querem ouvir outras opiniões e factos que não vêm publicados nos média. Essa é, de certa forma, uma contradição que tentamos sempre ultrapassar mas que julgo que é quase irresolúvel, pois por um lado dizemos que somos alternativos e por outro somos obrigados a seguir a agenda dos grandes meios. A informação que recebemos é uma mescla de fontes, pois o nosso crescimento permite que muita gente nos mande informações e artigos, dos grandes nomes até gente quase desconhecida. É um trabalho de horas e horas para avaliar os que são publicáveis e aqueles que não são. Temos ainda agências e páginas amigas nas quais confiamos e a partir das quais nem é preciso ler o artigo, é só publicá-lo porque sabemos que são pessoas de confiança. Finalmente, nós também preparamos notícias, desde que tenham ocorrido factos que não tenham sido tratados de uma forma adequada por nenhum outro meio. Socorremo-nos de várias fontes e construímos nós a notícia.

Paralelamente a esse trabalho de informação do quotidiano publicam trabalhos de desenvolvimento de grandes autores de esquerda. O intuito é, para além da informação, publicar cadernos de formação e análise?

O objectivo inicial era mesmo esse, fazer publicar trabalhos de fundo, o que procuramos manter ao máximo, no seguimento da ideia de construir mais uma revista de análise que um meio de informação alternativa do quotidiano. O que realmente tem muito peso, para o Rebelión , são os artigos de análise, sejam de grandes autores ou de companheiros menos conhecidos. Acreditamos que reflectem sobre o que se passou de um ponto de vista de esquerda. Em média, visitam-nos cerca de 30 mil pessoas por dia e as secções de análise são, com uma diferença enorme, as mais consultadas. Funcionam como um imã, atraem leitores. Ocorre assim quase sempre, excepto quando se impõem os grandes factos. Então, as consultas vocacionam-se para as secções de notícia, pois todos procuram os tais dados que os média dominantes não dizem.

Qual a tua opinião sobre o Encontro «Civilização ou Barbárie»?

Muito bom! Surpreendeu-me sobretudo porque apesar de não ter sido um encontro de enorme repercussão internacional, como outros que se fazem em Havana, Buenos Aires ou Rio de Janeiro, foi possível concentrar um grupo de pessoas muito boas, que prepararam coisas específicas para o encontro, não trouxeram uma comunicação temática que levam a todos os outros encontros do género e, mais uma vez, tenham vindo repetir. Foram colocados trabalhos muito originais e interessantes. Eu aprendi muito e creio que no futuro os conteúdos deste encontro vão provocar discussão e debate. Da nossa parte vamos publicar todas as intervenções porque entendemos que têm uma qualidade muito acima da média. Quanto a contactos que estabelecemos é claro que, como quase sempre, foi muito rico. Para além de criar bases para intercâmbio futuro, como fizemos com o Avante! , encontrei companheiros com quem falo na Internet mas que não conhecia pessoalmente, gente que tem uma visão profunda da realidade e que julgo ser o que mais interessa aos nossos leitores.