O jovem franco-venezuelano Maximilien Arvelaiz tem vivido o período mais intenso e apaixonante de sua vida. Engajado de corpo e alma no original processo revolucionário da Venezuela, ele aprendeu num curto espaço de tempo o que muitos levam décadas para assimilar. Sempre solicito e elétrico, Maximilien fez mestrado em ciências políticas em Londres e hoje […]
O jovem franco-venezuelano Maximilien Arvelaiz tem vivido o período mais intenso e apaixonante de sua vida. Engajado de corpo e alma no original processo revolucionário da Venezuela, ele aprendeu num curto espaço de tempo o que muitos levam décadas para assimilar. Sempre solicito e elétrico, Maximilien fez mestrado em ciências políticas em Londres e hoje é um importante assessor do governo Hugo Chávez.
Numa conversa no Hotel Caracas Hilton, em plena ebulição do referendo, ele abordou o significado desta histórica vitória e as perspectivas da revolução bolivariana. Numa festa para delegações estrangeiras, que varou a madrugada de 17 de agosto, Max – como é carinhosamente chamado -, não continha sua alegria e energia revolucionárias. «A revolução bolivariana vai avançar e se aprofundar ainda mais», garantia.
Quais os ensinamentos do referendo presidencial de 15 de agosto?
O referendo confirma o que já sabíamos: que o governo bolivariano tem enorme apoio popular. Há meses que a oposição e parte da mídia mundial afirmam que Chávez estava isolado, era minoritário na sociedade e temia o referendo. O resultado prova que o governo, após seis anos de sabotagens econômicas e de atos de desestabilização política, conta com o apoio da maioria da sociedade e que a Venezuela mudou. Nosso objetivo era ter o dobro de votos, mas ainda esbarramos em algumas dificuldades de mobilização. É mais fácil o rico votar do que o pobre. Mesmo assim, a vitória é inquestionável e mostra a força da revolução.
Agora não restam dúvidas, inclusive para nossos inimigos, sobre a legitimidade do governo. Em nenhum país um presidente se submete a um referendo para revogar ou confirmar o seu mandato. A Venezuela é, atualmente, o país mais democrático do mundo. Já nos submetemos a oito pleitos e ganhamos todos. Fica evidente que autoritária é a oposição, que não aceita o resultado e grita «fraude». A OEA, o Centro Carter e os milhares de observadores internacionais já reconheceram o referendo e atestam que foi democrático, transparente e altamente participativo. Os fascistas estão incomodados. Não percebem que o país mudou.
Milhares de mortos assinaram o pedido do referendo. Mesmo assim, o governo aceitou esta manobra da direita. Não foi uma tática altamente arriscada?
Desde o início, nós tínhamos certeza da vitória. O povo venezuelano está engajado na revolução, conhece seus avanços. Apesar disto, temos que provar este apoio a todo o momento. A oposição oligárquica, que já promoveu um golpe fascista e uma paralisação que quase destruiu a nossa economia, não é condenada por outros governos e organismos mundiais. Ao contrário. O governo Bush foi o primeiro a reconhecer o governo golpista de abril de 2002. Internacionalmente, nós é que temos de justificar. Caso não tivéssemos topado o referendo, apesar de todas as irregularidades, havia o risco de intervenção da OEA. Um absurdo!
Mas isso é história. O que vale é que Chávez aceitou mais este desafio. A oposição foi pega de surpresa. Não esperava essa reação. Pensava que ele rejeitaria o referendo, o que daria argumentos para o pedido de intervenção. Perdida, foi obrigada a aceitar, pela primeira vez, a Constituição Bolivariana. O presidente é que brigou para incluir o mecanismo do referendo na Constituição, garantindo que o povo exerça controle sobre o seu mandatário. Agora, a oligarquia não tem mais como rejeitar essa conquista democrática. Toda a propaganda mundial contra Hugo Chávez, que afirma que ele é um ditador, agora se perdeu.
É evidente que essa tática tinha riscos. Há precedentes na história, como a Nicarágua. Mas tomamos todas as precauções para evitar interferências e para garantir a soberania do voto popular. Não dá para comparar nossa experiência com a de outros países e momentos históricos. A revolução bolivariana é um processo atípico. O resultado do golpe de abril já havia revelado essa originalidade. Onde um presidente, eleito democraticamente, é derrubado por fascistas e depois retorna ao poder devido à pressão popular? O apoio do povo e dos militares, unidos e organizados, é que nos dá confiança e garante o avanço da revolução.
E qual é o saldo de todo esse processo que polarizou a sociedade?
O primeiro é a afirmação da Constituição Bolivariana como um instrumento democrático de participação direta do povo, que hoje decide os rumos do país. Essa democracia participativa e protagônica dá espaços para que o povo defenda sua revolução, o que indica que o passado não voltará. É um processo inclusivo. O povo, que era tratado como sujeito de segunda categoria, converte-se no ator principal da res-pública – da coisa pública. A Constituição Bolivariana, confirmada e reforçada no referendo, garante o ingresso do povo pobre no processo político. Não é mais uma democracia de fachada, que serve unicamente aos ricos.
Pela primeira vez na história, milhões de pessoas receberam a sua carteira de identidade e título eleitoral. Elas estavam excluídas da política. Milhares de migrantes, que aqui residem há mais de 20 anos, também tiveram a sua situação regularizada. Gente que nunca teve participação política, que jamais participou de movimentos sociais ou partidos, agora está atuando ativamente. No próprio processo do referendo, muita gente se incorporou às patrulhas eleitorais e às Unidades de Batalha Eleitoral (UBEs). Diferentemente do Brasil, aqui era frágil a participação popular. Não tinha, por exemplo, um MST. O bipartidarismo da elite dificultava essa participação. O referendo deu forte impulso à participação política dos venezuelanos.
Desde a vitória de Hugo Chávez, a Venezuela vive um processo de intensa participação popular. É uma energia impressionante. São os círculos bolivarianos que agregam milhões de pessoas e discutem desde os problemas do quarteirão até os rumos do país. As próprias missões, os novos projetos sociais do governo, servem para estimular a inclusão. Não são iniciativas assistencialistas. Os comitês de saúde, de educação, de alfabetização e outros planejam a ação concreta para melhorar a vida dos venezuelanos. Agora, as patrulhas e as UBEs engajaram milhões de pessoas. Na prática, a revolução está construindo uma ampla rede de participação popular. O presidente Chávez já disse que o seu objetivo maior é dar poder ao povo. O referendo confirmou essa acelerada elevação da consciência e da organização popular.
Vitoriosa no referendo, qual a perspectiva da revolução bolivariana?
O presidente Chávez já anunciou que, depois da vitória, a revolução bolivariana continuará avançando e se aprofundado. Já disse que pretende tomar café da manhã, almoçar ou jantar com a oposição. Que está disposto a estender a mão aos que respeitarem a Constituição Bolivariana e trabalharem pela construção da Venezuela. Mas não haverá acordos ou compromissos que representem recuos na nossa revolução. O povo deixou claro que deseja aprofundar esse processo. Não aceita a volta ao passado. A oposição precisa entender o resultado cristalino do referendo. Estamos construindo uma nova sociedade, um novo Estado.
Uma parte da oposição parece que já entendeu essa nova realidade. Continuará como oposição e tentará obter vitórias nas próximas batalhas, como na eleição para governadores e prefeitos em novembro. Outra parte insiste em desrespeitar a Constituição e a vontade do povo. Há o risco desta oposição fascista tentar alguma loucura, como a ação de grupos paramilitares. Com isso, vai se isolar ainda mais. Além disso, o governo e as Forças Armadas estão vigilantes. Não nos iludimos com o êxito. Sabemos que essa guerra é longa, que não é fácil mudar as estruturas de um país e construir uma nação soberana, justa e democrática.
Não somos contra um «capitalismo humano», se é que isso é possível. Mas somos radicalmente contra o neoliberalismo, que tantas desgraças trouxe ao povo venezuelano e a todos os latino-americanos. O nosso governo quer construir algo diferente, uma alternativa ao modelo neoliberal, apostando que «um mundo novo é possível». Para construir essa saída popular é fundamental unir os povos do continente, é decisiva nossa ação internacionalista. É muito importante o que ocorre na Argentina, no Brasil e em outros países da região, que também se levantam contra o neoliberalismo. Isolados, não vamos derrotar o império.