O noticiário dos principais veículos de comunicação dá conta, diariamente, da prisão de envolvidos em golpes contra a Previdência, de trabalho escravo, de reações de alguns setores do governo e o governo do Estado do Paraná à cultura de transgênicos, isso, para citar três questões que o governo Lula enfrenta. Duas delas, aparentemente, são de […]
O noticiário dos principais veículos de comunicação dá conta, diariamente, da prisão de envolvidos em golpes contra a Previdência, de trabalho escravo, de reações de alguns setores do governo e o governo do Estado do Paraná à cultura de transgênicos, isso, para citar três questões que o governo Lula enfrenta.
Duas delas, aparentemente, são de pequena monta. Corrupção, exploração de trabalhadores (regra geral no capitalismo) e a terceira, os transgênicos, um assunto mais complicado, pois envolve a menina dos olhos do latifúndio, os chamados agro-negócios.
Todas, no entanto, dizem respeito ao caráter geral das classes dominantes no País. São podres e a corrupção faz parte do processo político, econômico e social ao longo de 504 anos.
O combate à fraude na Previdência envolve mais que funcionários públicos corruptos. Em determinados momentos estendeu suas teias ao Poder Judiciário e pelo menos um juiz cumpre pena por envolvimento com quadrilhas envolvidas no crime. Verdadeiras redes espalhadas pelo Brasil.
Há algo mais nisso que o simples desvio de recursos de pensionistas mortos, como agora, no Pará, onde 17 acusados foram presos pela Polícia Federal. Um dos grandes golpes contra a Previdência é dado por empresas ao não recolherem suas contribuições. Seria interessante se o Congresso, instituição adequada para isso, instaurasse uma CPI para apurar e trazer a público a verdadeira extensão dos crimes que são cometidos contra o setor.
Vai encontrar empresários que freqüentam palácios governamentais, integram órgãos públicos e a imensa e esmagadora maioria do latifúndio sonegando contribuição previdenciária.
O trabalho escravo, além de se constituir uma vergonhosa forma de exploração de trabalhadores, ferindo toda e qualquer regra de direitos humanos, é um jeito de escapar dessas contribuições.
O latifúndio é o principal responsável pela existência dessa nódoa. E não tem escrúpulos sobre isso. A cultura dessa gente é escravocrata. Estão no governo, os latifundiários, através do ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, de extrema-direita.
Um latifundiário foi o mandante do crime contra fiscais da Previdência que descobriram trabalho escravo em sua fazenda, em Unaí, Minas Gerais, crime que repercutiu no País inteiro e agora foi resolvido pelas autoridades policiais. É um fazendeiro que abre portas, tem acesso a crédito ilimitado nos bancos, os que lucram bilhões, é aceito nos melhores salões e, lógico, já deve ter começado a comprar a impunidade.
Funciona, mais ou menos, como naquela música de Chico Buarque: todo mundo trapaceia, mas, no final, vai preso o garçom, responsável pela cachaça falsificada.
Uma grande empresa belga pediu desculpas em vários anúncios publicados nos grandes jornais, quando encontrados trabalhadores escravos em sua fazenda no interior do País. Falou em princípios, respeito, tratamento justo aos trabalhadores, essas coisas de sempre. Teria ficado tudo na mesma se agentes policiais e da previdência não tivessem dado com os costados lá. A empresa, evidente, negou que soubesse.
O plantio de transgênicos fere a lei brasileira. Lula abriu as pernas para evitar o que chamou de prejuízo de agricultores no Sul do Brasil. O latifúndio, sobretudo o gaúcho, continua a plantar transgênicos. Conta com aliados no governo. Os ministro Luís Fernando Furlan e Roberto Rodrigues, ambos de direita.
A exportação se faz mais ou menos às escondidas, embora o governador do Paraná, Roberto Requião, não permita que isso ocorra no porto de Paranaguá, principal exportador daquela região.
É execrado pelo latifúndio, criticado pela imprensa, controlada pelos donos do Estado brasileiro, apontado como oportunista, o velho discurso de transferir o debate, deixando de lado o principal.
Agro-negócio lembra mais ou menos uma história que ouvíamos, todos, quando crianças: a do rei Midas. Tudo que tocava virara ouro. Num determinado momento não tinha comida, não tinha roupa, não tinha terra, não tinha nada.
Para essa gente, os que fraudam previdência, os que se valem de trabalho escravo como se isso fosse a coisa mais natural do mundo, prevalência dos donos sobre os objetos humanos, ou os que plantam transgênicos, o futuro é irrelevante. Importante é poder estar em Paris duas vezes por ano.
São três questões aparentemente desimportantes no todo do processo político brasileiro. Não são. Mostram sem deixar margem a qualquer dúvida, a face dos que controlam o País e as encruzilhadas de Lula.
O presidente tem dado uma no cravo e outra na ferradura. Falo dos agro-negócios. As exportações têm ajudado o governo a manter um superávit importante e cumprir as metas estabelecidas pelo FMI, ou ampliadas pelo próprio ministro Palocci.
Nas fraudes contra a Previdência e nos casos de trabalho escravo o governo tem sido firme. Ministros como Márcio Thomaz Bastos e principalmente Nilmário Miranda, não têm poupado esforços para combater essas modalidades de crime.
Um único senão: ao buscar votos para aprovar o ridículo aumento de salário mínimo, o governo Lula negociou com a bancada dos latifundiários. A troca foi a não votação do projeto que desapropria as terras de latifundiários ou empresas envolvidos com o trabalho escravo, para fins da reforma agrária. Aí, é um retrocesso sem tamanho.
No caso da Previdência, os punidos foram os aposentados e pensionistas. Estão à mercê do Supremo Tribunal Federal decidir sobre se constitucional ou não a cobrança de inativos. Decidiu, em vezes anteriores, que era inconstitucional. Agora, que Lula mudou de idéia e já nomeou três ou quatro ministros, não se sabe.
São como que detalhes de um caminho difícil que o governo escolheu. Foi eleito para mudar, fala que muda, mas segue as regras do jogo, mesmo quando avança.