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As realidades 1 e 2

Fuentes: Rebelión

A mídia de massas constrói uma segunda realidade, um conto, uma estória, que é a cortina por trás da qual acontece a História, a realidade número um. O que cada pessoa pode pensar ou opinar depende da informação que tiver. Se alguém adulterar a informação, provocará opiniões diferentes («adulteradas» na origem). Com uma sucessão diária […]

A mídia de massas constrói uma segunda realidade, um conto, uma estória, que é a cortina por trás da qual acontece a História, a realidade número um. O que cada pessoa pode pensar ou opinar depende da informação que tiver. Se alguém adulterar a informação, provocará opiniões diferentes («adulteradas» na origem). Com uma sucessão diária de informações adulteradas, acaba construindo-se a realidade 2. Na realidade 2, os EUA entraram no Afeganistão para procurar o Bin Laden. Na realidade 1, desde 1998 achavam indispensável controlar esse país para retirar o petróleo do Mar Cáspio. Na realidade 2, foram obrigados a ocupar o Iraque para defender-se das poderosíssimas armas de Saddam. O conto foi tão burdo que hoje qualquer um sabe a realidade 1 (e isto é uma poderosa novidade!) Na realidade 2, a soldado Jéssica Lynch foi resgatada num heróico operativo de forças de elite. Na realidade 1, ela estava sendo muito bem tratada num hospital onde não havia soldados iraquianos, e os heróicos só apontaram super-armas para enfermeiras, médicos e pacientes. Porém, tudo foi filmado espetacularmente (fora a falta de inimigos) e repetido com fartura na TV americana. Previamente fora feita uma campanha de vários dias onde se temia pela sua vida e seu destino como prisioneira do Iraque (o que jamais chegou a ser). Quando tiveram toda a opinião pública sofrendo e rezando e perguntando por Jéssica, apareceu o operativo heróico. Foi uma festa nacional. (não perca o filme Mera Coincidência, nas locadoras de Viçosa) Na mesma época a pacifista americana Rachel Corrie foi assassinada, atropelada intencionalmente por uma escavadeira israelense quando tentava evitar a demolição de lares palestinos. Isto apenas na realidade 1; na 2, o tema foi omitido. Como poderia o consumidor de mídia (cidadão?!) opinar sobre estas duas situações extremas se uma delas foi inventada e a outra deletada? Não há frase mais ingênua do que «eu penso o que eu quiser». Se perguntarmos ao «cidadão» o que pensa do caso Milosevic, deveríamos explicar quem é ele, porque aquele que em 1999 aparecia todo dia na TV como um monstro comparável a Hitler, acabou suprimido da realidade 2, o que significa ser deletado da memória do público. Milosevic continua sendo «processado» por um tribunal inventado pelos EUA para julgar os perdedores das suas guerras. (Imagine o que restou do Direito Internacional). São os mesmos EUA que se negam a participar do Tribunal Internacional para Crimes contra a Humanidade, e até chantageiam os países membros para que outorguem imunidade aos seus militares. A partir desta semana não há problema em falar no assassinato da Princesa Diana, porque a Globo tocou no assunto. Até a semana passada, teria parecido «teoria da conspiração». Quer dizer que é a TV quem decide qual tema é sério e qual delirante. Por enquanto a hipótese de auto-ataque às Torres Gêmeas é louca… por muda decisão da mídia. Para o morador da realidade 2 (telespectador), se algo fosse importante ou verdadeiro, apareceria na tela. Nosso morador só se tornaria um cidadão se pudesse entender a realidade 1 e interagir com ela. É mais ou menos o que Matrix sugere, até avisando que alguns moradores podem reagir pessimamente ao tentar-se acordá-los. Gostaríamos de acreditar que isto esteja sendo claramente debatido nos cursos de Humanas, porque em caso contrário estaríamos apenas formando síndicos dos moradores da realidade 2. ……………………………………………………..

Como se constrói uma «realidade 2»

Héctor Battaglia

Dissemos num artigo anterior que a mídia constrói uma «segunda realidade», uma mentira, uma estória, a única que podem ver aqueles que dependem da TV e do ensino formal para informar-se. Vejamos agora como isto é feito, tomando como exemplo o caso do Iraque.

A mentira: a TV não cansa de repetir que Saddam matou muitos kurdos usando armas químicas. Na verdade, foi comprovado que o tipo de gás usado era do Irã, não do Iraque, durante a guerra entre ambos, estimulada pelos EUA. Isto foi inclusive reconhecido pelo Pentágono, mas a mídia faz de conta que não sabe. Em dezembro de 2003 a Globo acaba de dizer que o povo iraquiano passava fome por causa de Saddam, quando a realidade é que Iraque sofria desde 1991 um bloqueio feroz que impedia inclusive a entrada de alimentos, até que a ONU criou o programa «Petróleo por alimentos» cujo título já é uma denúncia: o Iraque era autorizado (!!!) a vender uma parte mínima do seu petróleo em troca de alimentos, e ainda se descontava uma parte para pagar os gastos da «guerra» do Golfo de 91. O Iraque era obrigado a pagar cada centavo que o inimigo usou para destruir o país. E nem era autorizado a vender petróleo à vontade para fazer isso. E ainda «deve» bilhões de dólares, enquanto o petróleo ( e o resto) ficou em mãos americanas. Um país (e no é o único) está sendo destroçado à vista do mundo, e a população é levada a acreditar que o culpado é Saddam e que não havia outro jeito de «resolver». A própria ONU, que decretou o bloqueio por pressão dos EUA, reconheceu que o sistema de distribuição de alimentos montado por Saddam era muito eficiente, só que isto foi silenciado, e aqui chegamos ao segundo instrumento para criar uma realidade 2:

O silêncio: cala-se também que os níveis de alimentação e de escolaridade no Iraque anterior a 91 eram bem superiores aos do Brasil e tantos outros países. Cala-se que os países árabes mais atacados pelos EUA são sempre os que tem maior escolaridade (Líbia, Síria, Líbano, Irã, Iraque, Afeganistão no período soviético) enquanto o analfabetismo, a miséria e a exclusão social (em particular das mulheres) reinam nos países árabes que são servis aos EUA: Arábia Saudi, Kuwait, Emiratos Árabes… Cala-se que em 91 foram destruídas 80% das escolas iraquianas, enquanto o inimigo se vangloriava de ter «armas inteligentes» com erro máximo de 6 metros. Cala-se que foram bombardeadas sistematicamente as estações de tratamento de água e as centrais elétricas, que a «guerra» (bombardeio massivo sem chance de resposta) não era contra Saddam senão que procurava a destruição do Iraque a pedido de Israel. Cala-se que isto se chama genocídio, extermínio de um povo. Cala-se que o bloqueio «da ONU» (sempre dito assim para esconder o mandante do crime) proibia também a entrada de remédios, placas de raio X, livros de medicina, brinquedos e até lápis, com o argumento de que o grafite destes poderia ser usado para fazer bombas de grafito (que anulam o sistema elétrico do país bombardeado; são bombas que apenas os EUA e aliados possuem; no bloqueio contra Cuba usa-se o mesmo argumento e isto faz com que no único país de América Latina onde abundam escolas e professores o problema é conseguir algo com que os alunos possam escrever. A TV não nos contou). Cala-se que na «guerra» de 91 – como em todas as posteriores – colocou-se urânio empobrecido na munição. Ele facilita a penetração de blindados e é radioativo e cancerígeno. A ONU comprovou o aumento dos casos de câncer no Iraque após a «guerra». Até hoje, para uma mulher iraquiana a gravidez é uma angustiosa espera, porque a radiação altera o código genético e não se sabe como nascerá a criança. Muitos soldados aliados que apenas manusearam essas armas já morreram de câncer ou estão doentes e processaram o governo americano. Eles tem até vários sites na Internet (a lista está no final do artigo). Imagine então quem ficou no país bombardeado. E o urânio, depois do impacto, transforma-se numa poeira finíssima levada pelo vento: contamina a água, o alimento dos animais… Não há como fugir. E o vento não reconhece fronteiras: nos países vizinhos do Iraque também aumentaram significativamente os casos de câncer. E daqui a mil anos ainda teremos iraquianos e vizinhos nascendo com malformações (genéticas ou congênitas) por causa disto, enquanto a TV nos diz que o monstro é Saddam. Isto não converte Saddam num inocente, só que o planeta está ficando em mãos de gente infinitamente pior do que ele, infinitamente mais poderosa, e aí está o nosso verdadeiro problema, mesmo para aqueles que não se interessem por infâmias geograficamente distantes. Cala-se que o bloqueio «da ONU» provocava a morte de 5.000 crianças iraquianas por mês. E continuam chamando de «maior atentado terrorista da História» aquele que matou 3.000 nas Torres Gêmeas, uma única vez. (E nos mentem até hoje sobre os verdadeiros autores, como no assassinato de Kennedy, do qual se passaram já 40 anos). Basta assistir o filme JFK (está em qualquer locadora de Viçosa) para saber os verdadeiros motivos do assassinato, quem e como controla os EUA e a partir deles boa parte do mundo. Você pode dizer que não sabia; a Globo não pode.

O uso da linguagem é o terceiro instrumento para criar uma realidade 2. Chama-se de democrática qualquer coisa que seja útil para os EUA, mesmo se imposta por métodos fascistas. Tudo que for inconveniente para eles, é anti-democrático, mesmo se popular. O governo da Bolívia era democrático, segundo eles, e a rebelião popular anti-democrática e perigosa. Nos comentários sobre Palestina, a palavra vítimas se usa apenas para os israelenses e a palavra terroristas apenas para os palestinos. Compare estas duas frases: «Um atentado terrorista palestino provocou cinco vítimas». «Houve um ataque aéreo de Israel que deixou um saldo de cinco palestinos mortos». Os palestinos são apenas saldo e mortos. Preste atenção no próximo Jornal da Globo. E tem mais: até o ano passado ao referir-se a Palestina colocavam as bandeiras de Palestina e Israel. Agora só a de Israel. Nos últimos ataques israelenses a Belém e Nazaré a Globo mostrou um mapa onde estas cidades estavam dentro de Israel, quando na verdade estão nos Territórios Ocupados (territórios palestinos ocupados militarmente por Israel desde 1967). A TV abandonou a expressão «Territórios Ocupados» porque esta lembra que Israel deveria retirar-se. Agora apenas se diz Gaza e Cisjordânia. Quer dizer que a Globo já assumiu a versão sionista de que toda Palestina é Israel e pronto. Ao mesmo tempo fala das «conversações de Paz» e das «perspectivas de Paz» para a região, como se não houvesse uma absoluta contradição. E a quase totalidade dos telespectadores não tem condições de perceber isto, até porque os recados vão para o inconsciente: a consciência não chega a pensar que a Palestina está desaparecendo na bandeira, no mapa e no vocabulário. O povo palestino é deletado 3 vezes «perante seus olhos» e você não vê. E você ainda se acha livre de pensar «o que você quiser». Enquanto seu inconsciente acumula o que eles querem. É muita liberdade de pensamento e muita democracia.

As meias-verdades: mostram-se iraquianos comemorando a captura de Saddam. Silencia-se que uma verdadeira festa popular seria se as potências invasoras (chamadas delicadamente de tropas de ocupação ou ainda mais leve, tropas americanas) se retirassem de vez. Discute-se onde deveria ser julgado Saddam e por quem. Nem se menciona que há muita gente querendo julgar Bush e Sharon… e com solidíssimos motivos.

A falsa moral: em 1998, quando americanos e britânicos bombardearam novamente todo o Iraque (nem se contou como o que era na verdade, a segunda «guerra» do Golfo) a mídia nos saturava com o escândalo sexual de Clinton e Mônica Lewinski. A segunda destruição de um país indefeso, vencido e bloqueado não escandalizava. A mídia coloca no inconsciente que a moral reside na genitália; nada de fazer considerações éticas sobre guerras ou neoliberalismo.

Ocultação da essência do tema. O telespectador é bombardeado com uma overdose de imagens e frases sobre Oriente Médio e Iraque. Jamais se colocam os verdadeiros motivos da criação de Israel nem dos ataques ao Iraque. Quanto menos, as verdadeiras intenções de Israel (construir o Grande Israel com bem mais do que toda a Palestina, o que exigirá novas guerras para ocupar territórios de Líbano, Síria, Jordânia…). Esconde-se o papel de Israel na decisão de invadir o Iraque e em todas as decisões vinculadas ao tema, como o treino de tropas americanas por peritos israelenses nos EUA para aplicar no Iraque as técnicas de destruição empregadas nos Territórios Ocupados. O telespectador acredita que está sendo informado, quando na verdade está sendo desorientado. Depois emitirá uma opinião que será apenas repetição do que foi colocado nele.

E o ensino formal, na medida em que não faz a denúncia da realidade 2, apenas treina alunos para inserir-se nela com habilidades profissionais. O Ministro da Educação, Cristovam Buarque, dizia faz poucos dias, provocativamente, que se houvesse hoje um golpe militar como aquele de 64, nenhum professor ou estudante universitário seria preso. Queria dizer que há tanta falta de pensamento crítico, que dificilmente alguém seria considerado subversivo. Um outro texto meu terminava com esta frase: a televisão e a educação são sócias para esconder o mundo.