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Sobre el proyecto Outro Brasil

Carta de César Benjamin

Fuentes: Rebelión

Rio de Janeiro, 2 de agosto de 2004 Prezados colegas: 1. Chegando de viagem no domingo à noite, leio a mensagem da secretária Fabiana, que me comunica a «proposta final» de reformatação do nosso projeto para 2005-2006. Fabiana explica: «Durante e após o seminário ocorrido no Rio de Janeiro, realizamos discussões de avaliação com os […]

Rio de Janeiro, 2 de agosto de 2004

Prezados colegas:

1. Chegando de viagem no domingo à noite, leio a mensagem da secretária Fabiana, que me comunica a «proposta final» de reformatação do nosso projeto para 2005-2006. Fabiana explica: «Durante e após o seminário ocorrido no Rio de Janeiro, realizamos discussões de avaliação com os membros da Fundação Rosa Luxemburgo e elaboramos a proposta em anexo, que passa a vigorar a partir do mês de agosto de 2004 com o novo formato, realocação de recursos e de pessoal e novos temas

2. Tomei conhecimento assim, pela primeira vez, de que estava em curso a reformatação do projeto que ajudei a conceber, depois coordenei, e ao qual, junto com Rômulo Tavares Ribeiro, tenho dedicado grandes esforços no último ano. Não sei dizer que grau de informação foi permitido à nossa colega Laura Tavares, responsável pelo acompanhamento da área social; neste momento, ela está viajando. O meu foi nulo.

Sinto-me envergonhado por vocês. Eu estava presente no ambiente em que as reuniões se realizaram, mas nunca fui comunicado delas e nunca as percebi. A decisão de me excluir do processo marca, evidentemente, um ponto final na nossa possibilidade de cooperação, que já vinha sendo problemática.

3. O ponto de partida dos problemas ocorreu há alguns meses, quando, em reunião ordinária, com a presença de todos, fui surpreendido pelo pedido de Emir Sader de que eu cedesse a ele a coordenação. Achei o pedido indelicado, mas me senti constrangido de negá-lo. Nunca, em nenhum ambiente, lutei por nenhum tipo de poder pessoal. E, até então, todas as decisões eram tomadas coletivamente, por consenso, de modo que a função de coordenador, que eu ocupava, era estritamente formal.

A partir do momento em que Emir tornou-se coordenador, os critérios mudaram. Estabeleceu-se uma hierarquia rígida e cada vez mais opaca. As decisões foram centralizadas e tornaram-se crescentemente inacessíveis. Nenhuma informação mais circulou. As próprias reuniões ordinárias do projeto deixaram de existir. Em vez de um coordenador, passamos a ter um chefe.

Agora, como desdobramento desse processo, surge uma reformatação clandestinamente encaminhada, depois de «discussões de avaliação» das quais fui sumariamente excluído.

4. Eu teria o que dizer nessa avaliação, se tivesse sido a ela chamado. Pois, por trás de tudo isso, há uma questão de fundo. Trata-se de um conflito entre duas maneiras de encarar o projeto: como um serviço aos usuários e um meio para atingir objetivos maiores; ou como um fim em si mesmo, voltado para alimentar nossas próprias trajetórias pessoais.

Pensar o projeto como um serviço significa concentrar as energias na produção de boas – ou, na medida do possível, excelentes – análises, voltadas para divulgar aquilo que não sai na grande imprensa, estimular o debate, resgatar a melhor tradição do pensamento progressista, questionar a agenda dominante e contribuir para alterá-la. É o que sempre tentamos fazer, eu e Rômulo, com grande esforço pessoal e – permitam-me dizer – com bastante êxito. A qualidade das nossas análises vem sendo crescentemente reconhecida. Não é exagero dizer que, com todas as suas limitações, elas se tornaram referência para uma parte não desprezível da opinião pública qualificada do nosso país. Escolhemos temas em geral pouco debatidos e compreendidos, mas importantes no longo prazo. Para tratá-los, relemos textos, buscamos bibliografia específica e entrevistamos pessoas mais qualificadas que nós. O resultado tem sido, notoriamente, muito bom. Começamos a montar um painel abrangente da economia brasileira, vista sob múltiplos ângulos.

5. Pensar o projeto como um fim em si mesmo significa concentrar as energias em tentar controlá-lo, de modo a manejar verbas, e usá-lo como instrumento de poder e prestígio pessoal. Nesse caso, as análises tornam-se secundárias, pois passam a ser simples pretextos para obter os recursos. Publica-se então qualquer coisa.

Qualquer um que passe os olhos pelos textos preparados por Emir Sader poderá reconhecer sem dificuldades que eles transitam da nulidade à insignificância. Alguns, por excesso de raquitismo, chegam a ser ofensivos à inteligência alheia. Mal pensados, mal estruturados, mal escritos e malfeitos, servem apenas para reforçar nos leitores menos sagazes a idéia de que política se reduz a intrigas entre ministros e disputas entre candidatos. Nada acrescentam ao que a imprensa conservadora divulga. Numa sociedade, como a brasileira, em que o sistema político, como um todo, enfrenta uma crise estrutural e mostra-se incapaz de promover mínimas transformações sociais, essa maneira de tratar a política é deseducativa, para dizer o menos.

6. Não tem sido fácil conviver com essa combinação de volúpia pelo controle burocrático do poder e inépcia intelectual.

Hoje, penso que seria interessante se conseguíssemos recapitular como uma pessoa chamada para desempenhar uma tarefa específica, no âmbito de um projeto, consegue estragar a tarefa para a qual havia sido chamada e, simultaneamente, por meio de sucessivas manipulações, obter um poder despótico, exclusivo, patronal, sobre todo o projeto.

Há uma explicação: quem não tem cão caça com gato; quem não tem talento e disposição para trabalhar precisa agarrar-se ao poder.

7. Algo de muito errado se passou. Não entrarei em detalhes dessa convivência difícil. Porém, o episódio da publicação do livro Governo Lula: decifrando o enigma, que reuniu nossos textos, deve ser citado, por ser exemplar. Num primeiro momento, havíamos combinado, por consenso, que a Contraponto (editora da qual sou sócio) faria o livro. As vantagens disso eram a praticidade e a confiabilidade, na medida em que assim eu me tornava completamente responsável, diante da equipe e da Fundação, por assegurar a melhor combinação possível de qualidade, velocidade e custos.

Num momento posterior, com o trabalho de edição em andamento, Emir, já formalmente coordenador, me comunicou que a combinação que havíamos feito não poderia ser mantida, pois as regras da Fundação exigiam que fizéssemos uma concorrência entre três editoras. Não lhe retirei a razão. Regras são regras. Comuniquei então que não achava ético que a Contraponto participasse da licitação, pois, como integrante do projeto, isso me colocaria na incoerente posição de licitante e licitado. Pedi que buscássemos três outras editoras interessadas.

No mesmo dia, por erro de endereçamento, entrou em minha caixa postal uma mensagem em que Emir combinava com a Boitempo (editora da qual é sócio) a preparação do mesmo livro. Regidi uma longa carta a Emir, dizendo que nossos padrões éticos eram diferentes e alertando-o explicitamente para o fato de que, em geral, a fraude em licitações conduz a superfaturamentos, o que seria inaceitável no âmbito do nosso projeto.

Minha advertência não adiantou: o livro foi feito pela Boitempo, por meio de uma licitação fraudada, com visível superfaturamento. Fiquei muito constrangido diante da Fundação. E compreendi, definitivamente, o tamanho da arrogância e do sentimento de impunidade do nosso auto-empossado coordenador.

8. Desde então, incomoda-me transferir minha parca credibilidade pessoal a um projeto em que acredito cada vez menos, bem como incomoda-me tornar-me co-responsável, mesmo indiretamente, por práticas que abomino.

Hesitei em me desligar antes por dois motivos: de um lado, essa decisão premiaria o comportamento anti-ético de Emir Sader; de outro, interromperia a produção mensal de um conjunto de análises que, por serem feitas com seriedade, poderiam vir a montar, no médio prazo, um painel interessante e politicamente relevante do Brasil contemporâneo.

Porém, com a reformatação do projeto tendo sido feita à minha revelia – causando a demissão do meu companheiro de equipe, a mim comunicada pela nossa secretária -, o nível de desrespeito e deslealdade torna-se intolerável. Saio junto com Rômulo.

9. Só há três hipóteses.

A primeira é que a Fundação opte por suspender o apoio ao projeto, decisão que eu compreenderei e respeitarei, pelo grau de equívoco a que chegamos.

A segunda é que o projeto sofra uma reformulação profunda, que tem de começar pela denúncia e negação dos poderes despóticos e patronais – e até um pouco ridículos – que Emir Sader atribuiu a si mesmo, sem ter para isso recebido procuração de ninguém.

A terceira hipótese é que a Fundação mantenha o apoio ao projeto, tal como ele foi redesenhado nas reuniões clandestinas havidas recentemente, nas quais minha presença foi cuidadosamente evitada. Estará apoiando um projeto que será, cada vez mais, politicamente inócuo e voltado para sustentar interesses pessoais. Há muitos assim, por aí.

Neste último caso, por favor, considerem esta carta como uma despedida.

10. Tenho consciência de que meus próprios erros originaram os problemas. De volta da Alemanha, onde desenhamos conjuntamente o projeto, fui eu quem levou Joachim Wahl à casa de Emir Sader, a quem convidei para que preparasse os textos regulares sobre política. Fui eu quem propôs que o projeto se alojasse no LPP da UERJ. Fui eu quem entregou pacificamente a coordenação que, na origem, me cabia e era exercida democraticamente.

Tudo o que posso dizer é que agi de boa-fé. Pensava estar lidando com um intelectual respeitável e uma pessoa de bem. Estava duplamente equivocado.

Atenciosamente,
César Benjamin