Há um equívoco, provavelmente deliberado, linguagem diplomática, na interpretação do ministro Celso Amorim para as razões da visita do general Colin Powell, Secretário de Estado do governo Bush, ao Brasil. O chanceler brasileiro terá sido gentil. Sabe que Powell deve ser substituído caso Bush se reeleja. O general está doente e desagrada ao grupo comandado […]
Há um equívoco, provavelmente deliberado, linguagem diplomática, na interpretação do ministro Celso Amorim para as razões da visita do general Colin Powell, Secretário de Estado do governo Bush, ao Brasil.
O chanceler brasileiro terá sido gentil. Sabe que Powell deve ser substituído caso Bush se reeleja. O general está doente e desagrada ao grupo comandado por Dick Chaney, Rumsfeld e Condolezza Rice.
As declarações do general sobre ser o Brasil um candidato «consolidado» a uma vaga permanente no Conselho de Segurança da ONU, têm um objetivo claro e que pode ser entendido mais ou menos assim: a promessa de um torrão de açúcar em troca de ingerir um vidro inteiro de óleo de rícino.
Colin Powell veio cobrar do governo brasileiro algo para além das inspeções plenas e totais em nossas instalações nucleares. Veio tentar engajar o País na Operação Colômbia, o Plano Patriota.
O governo Bush segue ao pé da letra a máxima de Richard Nixon: «para onde se inclinar o Brasil se inclina a América Latina». Tem interesses em aumentar sua presença militar nesta parte do mundo e Colômbia e Equador são os países onde se faz sentir com maior peso a intervenção dos EUA. Os governos de Álvaro Uribe e Lúcio Gutierrez são títeres de Washington.
Powell vai falar das preocupações de Bush com a Venezuela, da necessidade de enfrentar a guerrilha colombiana, tanto quanto do controle sobre o projeto nuclear brasileiro.
Os objetivos são claros e precisos: o efetivo poder sobre a América do Sul, forma de tornar inevitável a ALCA, impedir o que chamam de «veleidades revolucionárias», no caso de Chávez e um ponto de maior gravidade: a intervenção em Cuba. Além do medo da reeleição de Chávez e da vitória de um candidato popular na Bolívia.
Isso significa a tomada de posse efetiva da Região Amazônica, a sujeição de países como o nosso à nova ordem política, militar e econômica, sem falar na questão da Tríplice Fronteira (Brasil, Argentina e Paraguai), onde o governo dos Estados Unidos continua insistindo em denunciar a presença de «terroristas» ligados a Al Qaeda. Ali está, na região, um dos maiores aqüíferos do mundo, o Guarani. O único terrorismo real é o do IV Reich, com sede em Washington.
Lula sai nessa conversa em nítida desvantagem. A presença de tropas brasileiras no Haiti foi um desses erros que não têm volta, nem recuperação. Ainda que os meios de comunicação por aqui não toquem no assunto, há hostilidade dos haitianos contra os brasileiros. O próprio Planalto já foi avisado da possibilidade de confronto e o que mais se teme: morte de algum militar da OEA (eufemismo para o golpe e a intervenção), leia-se brasileiro, por ação de grupos de resistência.
O Brasil tem tentado, para usar uma linguagem bem nossa, enrolar o governo dos Estados Unidos ao longo dos quase dois anos de Lula. Negaceia quanto aos termos da proposta para a ALCA, mas aceita discutir uma contraproposta. Fala em paz no caso do Iraque, da Palestina, mas manda tropas ao Haiti a pedido de Bush. Assina acordos que contemplam os donos pela metade e continua a jogar com a outra metade.
É dúbio em relação ao governo Chávez. Num primeiro momento Lula foi decisivo para abortar manobras golpistas mais ousadas dos EUA. Num segundo instante tirou o time de campo, faz que é mas não é e foi evidente o constrangimento de Lula quando se encontrou com Chávez da última vez.
Essa posição passa tanto pela necessidade de não complicar as relações com os Estados Unidos, não atrapalhar a política de exportações para agüentar a barra do FMI, como pelo ego do presidente brasileiro, destronado da condição de esperança da América Latina pelo venezuelano.
O que os EUA querem é simples: controle absoluto do programa nuclear brasileiro de uma forma tal que impeça que novas tecnologias abram espaços para um salto de qualidade no setor e com conseqüências em vários outros, ameaçando o monopólio norte-americano.
Envolver o Brasil no conflito com as FARCs na Colômbia e a partir daí criarem condições objetivas para o trânsito de tropas de apoio por aqui, até, chegarem à base militar. O jornalista José Arbex já denunciou em artigo sobre o assunto a ação fomentada pelos americanos, de guerrilha contra Chávez na Venezuela. Estender a guerra suja.
A expressão terrorismo, com que o governo dos Estados Unidos classifica a força guerrilheira colombiana é parte do processo de massificação de governos e povos visando a posse de petróleo, água, o controle do comércio, do próprio território, o mundo transformado numa grande colônia do IV Reich.
A constante vinculação da guerrilha ao tráfico de drogas faz parte dessa estratégia. O próprio departamento de repressão a drogas nos EUA já listou o ditador Álvaro Uribe e os paramilitares como ligados ao narcotráfico.
Há anos, ainda no governo Itamar, estava em curso a construção do primeiro submarino brasileiro movido à energia nuclear. Foi abortada por FHC, continua em banho Maria no governo Lula, não interessa aos donos. É um dos aspectos da visita de Powell. Certificar-se que tudo continua como dantes. Um País como o nosso, com um dos mais extensos litorais do mundo é um convite a potências predadoras e imperiais, para além da especulação imobiliária.
O que o Secretário de Estado veio fazer aqui pode ser resumido num parágrafo: doente ou não, Powell veio dizer ao governo brasileiro que se quiser pode ser um parceiro diferenciado em relação a outros países. Ao invés de um só torrão de açúcar leva dois. Mas tem que engolir o óleo de rícino sem contestar.
O que Lula vai dizer ao general não sei. Até agora a posição do Brasil tem sido vacilante, mesmo com um ministro firme como Celso Amorim. Dá uma no cravo e outra na ferradura. Powell pega o presidente brasileiro um tanto vulnerável, Colheu algumas vitórias nas eleições municipais, umas tantas derrotas, mas ainda tem um jogo sério pela frente. O governo Lula parece estar numa encruzilhada levando em conta que só pensa em 2006, projeto de poder pelo poder, igualzinho aos tucanos.
Para completar, o FMI, através de porta vozes qualificados e não por acaso, voltou a falar de reformas indispensáveis ao avanço do neoliberalismo, chamam de crescimento sustentado. Tais como a que restringe e retira direitos de trabalhadores, privatiza a universidade pública, modifica a estrutura sindical tornando-a mais pelega que já é (a grande maioria), justo para inibir quem ainda não capitulou e embora pareça contra, vai aceitando as regras da ALCA, a privatização do Banco Central chamada de autonomia, até que o estupro se torne inevitável.
É a lógica deles.
A decisão brasileira de enviar tropas ao Haiti, coonestando com um golpe de estado e oprimindo um povo, nos permite imaginar que Lula possa tudo, até aceitar as regras de Powell.
O que pesa ou deixa de pesar neste governo é o que vale ou não vale para um projeto de poder de pessoas e grupos. Fora isso… Apóiam o candidato de ACM na Bahia.
Como diz um amigo corajoso e lúcido, a eleição em São Paulo é entre democratas e republicanos. O governo federal também. Ora é um, ora é outro.
E um detalhe: segundo pesquisas (mesmo desacreditadas) se os brasileiros votassem nas eleições norte-americanas, John Kerry teria 95% dos votos contra 5% de Bush.
Powell só é um terrorista que conhece garfo e faca. Ao contrário de Chaney que, se bobear, qualquer dia vai precisar de focinheira.