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Crescimento econômico: o que os trabalhadores ganham com isso?

Fuentes:

Ao mesmo tempo em que o governo festejava anteontem os números da economia, que cresceu 5,3% no acumulado de 2004 até setembro – maior taxa desde 1996 -, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgava que a participação dos trabalhadores no PIB diminuiu em 2003, enquanto a das empresas aumentou. Os trabalhadores ficaram […]

Ao mesmo tempo em que o governo festejava anteontem os números da economia, que cresceu 5,3% no acumulado de 2004 até setembro – maior taxa desde 1996 -, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgava que a participação dos trabalhadores no PIB diminuiu em 2003, enquanto a das empresas aumentou. Os trabalhadores ficaram com 16,9% de tudo que foi produzido em 2003, contra 17,4% em 2002. As empresas se apropriaram de 43% do PIB, frente a 41,9% em 2002. De acordo com o IBGE, a queda da participação dos trabalhadores deveu-se à retração de 1,9% nos salários no ano passado. O aumento das empresas ocorreu em razão da valorização do real, já que elas reduziram suas despesas com pagamento de juros e os empresários não transferiram os ganhos para o trabalhador.

A renda nacional é uma espécie de síntese de toda a atividade econômica do país. Sendo assim, a forma como ela é distribuída constitui necessariamente o objetivo fundamental de uma política de desenvolvimento econômico e social. Surge, portanto, a indagação de como lidar com a renda nas dimensões e características necessárias. Em primeiro lugar, é preciso constatar que esse é um problema político. Medidas que valorizem o trabalho conduzirão, inevitavelmente, ao aguçamento da luta de classes – o que, do ponto de vista social, é um enorme progresso. E isso explica por que para a ideologia da elite brasileira essa possibilidade precisa ser aniquilada no nascedouro. Basta ver como a grande mídia reagiu à proposta de criação de comissões de representantes dos trabalhadores nas empresas.

Mas, independente da vontade de uns e outros, o avanço econômico sempre vem acompanhado do crescimento quantitativo e da capacidade de mobilização dos trabalhadores. O mercado interno ganha em extensão e elasticidade. E a vida política do país ganha dinâmica. Não é difícil observar este fenômeno hoje. O latifúndio, unido à política macroeconômica conservadora por meio do agronegócio exportador, é possivelmente o principal ponto de atrito nessa nova realidade que emerge no Brasil. Até a indústria brasileira, interessada em libertar a vasta área de consumo que padece com a falta de renda, tem manifestado interesse em constituir com os trabalhadores um novo estágio comum – com força suficiente para vencer a especulação financeira e reforçar a tese da expansão do mercado interno.

Ideais republicanos

Para a estratégia emancipacionista dos trabalhadores, essa tática talvez seja atualmente a mais adequada. A relação entre setores sociais dominantes e os trabalhadores, uma das questões mais debatidas no Brasil ao longo do século 20, é ainda hoje determinante para o desenvolvimento do país. O problema nacional, amplamente abordado pelos estudiosos da histórica do Brasil, tem como ponto central o mercado doméstico – atualmente um assunto que unifica amplas forças políticas. E isso tem a ver com as relações de classes. Em grande medida, nosso atraso econômico e social se deve ao fato de a maioria dos governos da República ter excluído os trabalhadores de seus projetos. Mesmo no período em que o país deu um passo importante para o seu desenvolvimento, depois da revolução de 1930, o governo tentou realizar a «revolução burguesa sem o proletariado» – segundo Nelson Werneck Sodré.

Este problema que perdura é resultado da nossa estrutura social herdada de formações econômicas e políticas do passado. Apesar de os ideais da Revolução Francesa e da Independência Americana ter estimulado movimentos como os inconfidentes de Minas Gerais e da Bahia, ainda hoje pode-se dizer que eles não se realizaram plenamente em nossa pátria. É do arcabouço filosófico dos ideais republicanos que advêm idéias como democracia, direitos individuais, liberdade de expressão. Ele gerou, entre outras coisas, a revolução industrial, os sistemas políticos modernos, o conceito de igualdade entre os cidadãos e o advento de governos contratuais e eleitos. Desde a Era das Luzes até hoje, essa lógica impulsiona a luta por justiça social e justeza política.

Ponto de equilíbrio

O desenvolvimento natural desse processo levaria a um estágio social superior – o socialismo – e por isso ele sofreu reveses. É evidente que o desenvolvimento do imperialismo deturpou esses ideais. Eles passaram a servir de biombo para imposições arbitrárias – muitas vezes por meio do poderio militar – de poucos países dominantes. Agências imperialistas como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial funcionam como freios para o desenvolvimento econômico e social de países pobres. Com uma mão, elas estendem ajuda financeira, e, com a outra, exigem a adequação das instituições nacionais à régua dos interesses econômicos do capital financeiro. Daí a importância decisiva de uma frente nacional para fazer essa queda-de-braço ideológica.

O fato é que o Brasil de hoje está mostrando que um ponto de equilíbrio terá de ser encontrado entre as forças sociais que expressam os interesses nacionais. Precisamos perceber que não teremos um senso maior de grupo, uma percepção mais clara de que fazemos parte de um conjunto para construirmos e mantermos um nível desejável de união nacional sem esforços políticos. O que não quer dizer uma aliança sem contradições. Elas existem e muitas vezes são antagônicas. Um exemplo disso é o debate a respeito da «reforma» sindical. O patronato em geral tem interesse em atribuir os percalços econômicos do país à nossa legislação trabalhista. O trabalhador brasileiro, no entanto, acumula uma jornada de 44 horas semanais, contra uma média de 41,3 no Japão e 40 nos Estados Unidos.

Desafios novos e inéditos

O custo por hora trabalhada na indústria de transformação brasileira é de cerca de 3 dólares. Na Coréia do Sul é de aproximadamente 4 dólares, no Japão 13 dólares e nos Estados Unidos 15 dólares. A visão desses números afasta a idéia de um brasileiro que trabalha pouco e custa muito – o famigerado «custo Brasil» -, e de um país que não sai da marcha lenta por falta de capacidade de trabalho. É outra, obviamente, a explicação para nosso passo miúdo em direção ao desenvolvimento econômico. Ela diz respeito ao modelo econômico liberal que não tem condições de fazer os gols e nem passa a bola. Precisa ser substituído. Isto é: o papel do trabalho na economia brasileira tem sido desempenhado de modo satisfatório. Temos, portanto, motivos de sobra para reivindicarmos mais direitos e lutarmos contra a precarização do trabalho.

Um relatório da Confederação Internacional de Organizações Sindicais Livres (Ciosl) divulgado anteontem afirmava que o Brasil registra «importantes deficiências» em relação às leis trabalhistas. O relatório destaca «a existência de listas negras (sic) de sindicalistas» como «moeda corrente» e também a discriminação no acesso ao emprego e à remuneração, com os negros sendo «os mais expostos». «As mulheres negras são discriminadas em dobro, devido à raça e ao sexo», destaca o texto. A Ciosl aponta também o «grave problema» existente no país em relação ao «trabalho forçado, particularmente nas zonas rurais». Ou seja: talvez estejamos diante de desafios inéditos para o nosso progresso histórico-social. E o principal deles possivelmente se situa no campo das idéias.

*Jornalista, autor dos livros «Maurício Grabois – Uma Vida de Combates» e «Testamento de Luta – A Vida de Carlos Danielli», integra a equipe do Vermelho e o Conselho de Redação da revista Debate Sindical, é membro da Comissão Estadual de Formação (Cefor) do PCdoB no Estado de São Paulo e foi diretor de imprensa do Sindicato dos Metroviários de São Paulo.