As leitores que por anos me acompanharam às sextas-feiras, na página de opinião do Estado de Minas, foram tomados de surpresa no dia 02 de julho p. passado, quando o meu último artigo – A Última Batalha de Brizola – não foi publicado. Disseram-me que a cadeia dos Diários Associados nada queria publicar a favor […]
As leitores que por anos me acompanharam às sextas-feiras, na página de opinião do Estado de Minas, foram tomados de surpresa no dia 02 de julho p. passado, quando o meu último artigo – A Última Batalha de Brizola – não foi publicado. Disseram-me que a cadeia dos Diários Associados nada queria publicar a favor de Brizola. Mas a direção do jornal não se limitou a recusar o artigo. Ela me declarou «persona non grata» depois de 23 anos de colaboração tendo, nos últimos anos, regularidade semanal e quinzenal.
O fato é que minhas relações com o Estado de Minas prosseguiam tensas – por razões políticas – desde a campanha política de 2002. O então candidato do PSDB Aécio Neves e seu staff de campanha, manifestamente, não gostavam de meus artigos. Para comprovar isto – já que nada tenho contra a pessoa do governador que não tive ainda o prazer de conhecer pessoalmente – abro aspas para publicar trecho de uma carta do Sr. Robson Damasceno dos Reis, chefe do comitê de imprensa do candidato Aécio Neves, enviada ao EM e publicada em 19.09.02.
«… artigo (do prof. Fernando Massote) da edição de 6/09/2002, então, é um primor de propaganda explicita e ofensiva contra o candidato Aécio Neves«.
JK e Tancredo não teriam, absolutamente, subscrito o envio desta carta. O artigo que o Sr. Robson, a mando de Aécio Neves, incriminou nos termos acima, foi publicado no EM sob o título «Oh, Minas Gerais!». Eis o trecho que mais provocou a ira de então candidato:
«Um candidato a governador que é apresentado como «jovem e bonito» na melhor linha do marketing comercial é o mais direto filho do passado (…) Na falta de qualquer militância política própria ele se sustenta, prodigiosamente, como se vê, como filho político do avô, Tancredo Neves!».
Este artigo – que não teria sido publicado pelo EM depois da posse de Aécio – repercutiu nos programas de TV durante a campanha. Mas a ojeriza do governador pelos meus artigos não é, assim, tão recente.
Na noite de 15 de maio de l999, vendendo a casa que tinha em Nova Lima, o então presidente da Câmara dos Deputados, Aécio Neves, reuniu ali centenas de convivas para uma festa que fechou o bairro. O barulho infernal dos aparelhos de som dominou o ambiente das 20h. de sábado às 9h. de domingo.
Protestei, então, pelo fato, em defesa da cidadania publicando em l9.05.1999, no EM, o artigo Viva o Barulho, em que escrevia:
«Procuraremos a justiça contra o deputado, mas a sua defesa é praticamente insuperável: ele tem imunidade parlamentar que reforça a impunidade».
Em 25.09.03, reagindo à onda de repressão contra a liberdade de imprensa advinda do Palácio da Liberdade, publiquei – na A Gazeta (ES), no Correio da Cidadania, de Contagem e aqui, no Proposta – o artigo Paixão e Ambição, também censurado pelo EM, estabelecendo uma comparação entre o avô, Tancredo Neves e o neto.
«Não cabe, portanto, comparação entre o avô e o neto já tão divididos pela distância entre seus dois mundos. A diferença começa no palanque onde o avô se comportava como um artista e onde Aécio gosta de agir como o chefe, atento a todos os detalhes e preocupado em determinar quem deve ou não falar!… A discrepância não se limita, enfim, aos palanques. Nos últimos dias correram notícias (…) de demissão e remoção de jornalistas de órgãos da mídia. O antigo respeito pela imprensa (…) que impregnava o velho PSD liderado por Tancredo Neves parece, assim, ser considerado hoje demodée por novos políticos mais controlados pela ambição do que pela paixão».
Na mais recente entrevista do nº 09 do jornal Proposta com o presidente do Sindicato dos Jornalistas de Minas Gerais, Aloísio Lopes, foram feitas criticas ao jornal de ser subserviente, sempre, ao governador de turno. Participei da entrevista como membro do Conselho Editorial do jornal. As questões abordadas na entrevista pela equipe do Proposta foram mais numerosas do que as publicadas. Focalizarei em outro momento tais questões que são importantes para as lutas do SJMG e da sociedade. Bastou, no entanto, o que foi publicado, para se constituir no álibi de que a direção do Estado de Minas se utilizou para transformar-me em objeto da sua vendetta e declarar-me «persona non grata«.
Despeço-me aqui (sem poder recorrer nem mesmo à secção de cartas do EM) portanto, dos leitores do EM, depois desta dispensa abrupta, sem comunicação alguma por parte do jornal. O EM não respeita seus funcionários, seus colaboradores e seus leitores. Ele se pauta sempre pela vontade política do governador «em troca do que dele recebe«.
Nesta situação, a luta pela liberdade de imprensa deve obedecer a um planejamento político consciente, crítico e amplo para defender e ampliar os espaços de cidadania de que dispomos atualmente. Não faço, com as minhas posições inarredavelmente democráticas, catarse pessoal, politicamente irresponsável e imprevidente das reações autoritárias que deverei enfrentar. Nunca fui, aliás, dos que cutucam a onça com vara curta e sempre estive preparado – intelectualmente, moralmente, politicamente e materialmente – para reagir aos contra-ataques autoritários.
Esta não é, no entanto, a situação da grande maioria dos jornalistas, em um mercado de trabalho sempre mais restrito e mal remunerado. Seus patrões e governos – como o de Minas Gerais – querem mantê-los sob o império do medo. Aí está toda a importância das tomadas de posição corajosas do atual presidente do Sindicado dos Jornalistas, Aloísio Lopes. A defesa dos jornalistas contra o autoritarismo das empresas e do governo Aécio Neves se confunde com os interesses do próprio desenvolvimento democrático da sociedade. ([email protected])
Obs. Ver todos os artigos e documentos acima citados na home page www.massote.pro.br
Veja abaixo o artigo censurado pelo jornal Estado de Minas:
A última batalha de Brizola
Fernando Massote
As elites – udenistas e udenistizadas – viram Brizola partir com alívio. E ensaiaram, com Sarney e outros, um adeus isento, procurando enterrá-lo definitivamente, sem apelo nem sobrevida. Pura retórica e literatura decadente de velhos conservadores correndo, sempre – sem alcançá-lo nunca – atrás do trem da história! Procurando cancelar o que Brizola teve de mais característico – uma grande causa à qual sempre permaneceu fiel – Sarney o apresentou, num artigo recente, como um eterno espadachim «que não escolhe a causa e o lado quando se põe na raia». Um herói sem causa!…
Lênin denunciou, certa vez, esta manobra, afirmando que «quando morremos, os inimigos nos transformam em santos!» Os santos são (ou foram), em geral, heróis que tiveram uma causa bem terrena, como Jesus na sua luta contra o Império Romano, mas dela foram desvinculados pela ressureição/beatificação da igreja católica que corta as amarras com os grupos sociais ou nacionais que lhe deram origem!… Instituição interclassista e cosmopolita muito ciosa de si mesma, a igreja não aceita concorrência e cancela, na história dos seus santos, as marcas das suas origens sociais e nacionais.
Foi sempre do mesmo modo que as elites udenistizadas trataram Brizola: como um herói sem outro compromisso que com o próprio temperamento exaltado e as próprias alucinações. «Já que herói importante ele é – do povo e não nosso -« cogitavam e cogitam sempre, os conservadores, permanentemente amedrontados pela luta popular: «procuremos impingir, colar em seu rosto, um dístico historicamente desvirilizante, para ver se pega e dar-lhe uma morte definitiva: «herói sem causa». Ou santo. Um ser sem qualquer energia histórica.
Desmentindo Sarney, a militancia brizolista, rouca pela intensa vaia ao presidente que virou as costas à promessa – de mudar o Brasil – pela qual foi eleito, demonstrou que mesmo do além, Brizola continuou e continuará a inspirar os que se apaixonam pelos destinos democráticos do Brasil. Para não prolongar a vaia, Lula não pôde permanecer no local mais do que cinco minutos!…
Brizola pôde, assim, tendo passado pelo purgatório histórico-político, partir imune, historica ou moralmente ileso, escapando e sobrevivendo, definitivamente, às tocaias e laços insidiosos com que seus inimigos sempre procuraram liquidá-lo. Derrotando as últimas manobras oligárquicas contra o líder que, parodiando a carta testamento de Getúlio, «deixava a vida para entrar na história«, o povo, entristecido ao dar-lhe o último adeus, agitava o lenço ensopado com as lágrimas de quem perdeu mais um dos seus heróis mais verdadeiros.
* Cientista político
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