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"As encruzilhadas da esquerda" y "A encruzilhada de Pomar: um tiro certeiro no peito ou na cabeça"

Debate sobre la izquierda

Fuentes: Correspondencia de Prensa

As encruzilhadas da esquerda Valter Pomar Correio da Cidadania 404 y 405 O governo Lula é produto de pelo menos vinte anos de acúmulo de forças, por parte de toda a esquerda brasileira. Hoje, nosso governo aplica uma política econômica que perpetua a hegemonia do capital financeiro, do agronegócio e do setor exportador. Essa contradição […]

As encruzilhadas da esquerda

Valter Pomar
Correio da Cidadania 404 y 405

O governo Lula é produto de pelo menos vinte anos de acúmulo de forças, por parte de toda a esquerda brasileira. Hoje, nosso governo aplica uma política econômica que perpetua a hegemonia do capital financeiro, do agronegócio e do setor exportador.

Essa contradição entre o que fez de Lula presidente versus o que faz o presidente Lula ajuda a entender a dupla política da burguesia frente ao governo federal: bate palmas para Palloci, ao mesmo tempo em que prepara a derrota de Lula.

Afinal, apesar de tudo, o atual governo federal não é confiável para a burguesia, motivo pelo qual é pouco provável que Lula mantenha a atual política econômica, corroa sua própria base social, eleitoral e ideológica, e ainda assim ganhe as eleições de 2004 e 2006.

Se a direita nos derrotar, seja eleitoralmente, seja por dentro (rompendo todo e qualquer compromisso deste governo com o movimento que lhe deu origem), isso colocará a esquerda socialista diante da necessidade de uma completa reorganização, que durará décadas.

Seja por qual motivo for, a derrota do governo Lula significará, objetivamente, um reforço para a direita. Por isso, é arriscado considerar de «esquerda» quem trabalha para derrotá-lo ou derrubá-lo (o que é diferente de trabalhar, inclusive publicamente, para derrotar a política atualmente hegemônica no governo).

O recém-criado Partido do Socialismo e da Liberdade pretende construir uma oposição de esquerda ao governo Lula. Evidentemente, não se trata de uma «oposição construtiva», que pressiona, a partir de fora, no sentido de uma correção de rumos.

Se fosse assim, não haveria diferença de fundo entre a posição do PSOL e a posição da esquerda do PT; tão somente haveria maior liberdade e menos constrangimentos para quem, de fora, disputa os rumos do governo. O PSOL busca realizar uma «oposição destrutiva», agindo como se fosse possível derrotar, simultaneamente, o governo Lula e a direita, oferecendo ao país um governo de esquerda, socialista ou verdadeiramente democrático e popular.

Ocorre que não existe, nem parece estar vindo, pelo menos até onde a análise alcança, uma onda de lutas populares que dê retaguarda para o surgimento de um novo pólo socialista, democrático e popular, forte o suficiente para ultrapassar pela esquerda o PT, o governo Lula e a direita tradicional. É por isso que amplos setores da esquerda brasileira optaram por disputar os rumos do governo Lula. Apenas mudando os rumos deste governo, daremos continuidade ao impulso que vem desde o final dos anos 70. Em todas as outras hipóteses – a da continuidade da política econômica e a do retorno da direita tradicional -, viveremos uma derrota e uma dispersão muito mais profundas do que as vividas após o golpe de 64.

O surgimento do PSOL é um sinal de que esta dispersão já começou; paradoxalmente, o novo partido parece ter escolhido seguir um roteiro organizativo «petista». Natural: para quem pretende incidir com força, aqui e agora, na luta de classes em curso no país, é preciso ter base de massa, presença parlamentar e disputar com força os processos eleitorais. Ocorre que, ao contrário do PT, que surgiu pequeno, mas embalado numa vigorosa onda de lutas, o PSOL surge num contexto de poucas lutas. Também ao contrário do PT, que nos primeiros anos deu pouca importância para a luta institucional, o PSOL já surge valorizando excessivamente a figura de seus parlamentares e lançando uma candidata à presidência da República, reproduzindo de maneira caricata e como farsa a trágica dependência que o próprio PT criou frente à candidatura Lula.

Ou seja: o processo político e social que demorou quase duas décadas para alterar profundamente o projeto político e social do PT já deixa marcas profundas na fundação do PSOL. Como marcará todo e qualquer setor que queira romper, agora, com a experiência do PT e do governo Lula, exceto aqueles que estejam dispostos a investir suas energias na construção de longo prazo de outra alternativa estratégica, mesmo que às custas de uma reduzida intervenção política no momento atual.

A mudança ocorrida, ao longo dos últimos dez anos, no posicionamento do PT foi a versão tupiniquim, anos 90, do movimento que a social-democracia européia fez ao longo de um século de existência: da revolução à reforma, do socialismo ao capitalismo, do capitalismo social-democrata ao capitalismo neoliberal, através da chamada terceira-via ou centro-esquerda. Ocorre que nosso problema não se reduz aos rumos do PT e/ou do governo Lula; nosso problema está em como reconstruir, na classe trabalhadora brasileira, o impulso democrático, popular e socialista que a animou no final dos anos 70 e durante os anos 80.

Hoje, grande parte do movimento social brasileiro, a começar pelo sindicalismo, está sob hegemonia do setor moderado do PT e da CUT. Outra parte é impulsionada por militantes tão críticos contra a ação político-partidária, que agem como se os «movimentos sociais» fossem capazes de resolver os problemas da conquista do poder e da construção do socialismo.

É possível mudar o país sem resolver o problema do poder, do Estado? É possível resolver o problema do poder sem luta e organização político-partidária? Como evitar, nas condições políticas em que atuamos, que um partido de esquerda seja cooptado pela ordem burguesa? Ou que seja reduzido à condição de «eterna minoria», como ocorre com a maioria dos partidos socialistas e revolucionários?

Não responderemos a estas questões transformando impaciência em argumento teórico, nem esquecendo que nosso inimigo está à direita. Precisamos de força política e social para materializar uma estratégia e um programa alternativos. Força que não será produzida por uma derrota do nosso governo. Pois a derrota do governo Lula, se ocorrer, resultará numa brutal redução da força do socialismo e da liberdade na política brasileira. Por tudo isso, embora respeitando quem preferiu seguir outro caminho, continuaremos – enquanto for possível – a disputar os rumos do governo e do PT.

Isto que o leitor acaba de ler é um artigo que escrevi para o jornal Brasil de Fato. Na semana passada, o Correio da Cidadania publicou uma réplica assinada pelo companheiro Roberto Robaina, membro da executiva nacional do Partido do Socialismo e da Liberdade. Seu artigo, intitulado «A encruzilhada de Pomar: um tiro certeiro no peito ou na cabeça», pretende «apresentar os graves erros de Pomar, as razões desses erros e a natureza dessas razões».

O que está em questão é a estratégia geral da esquerda brasileira, em particular sua posição frente ao governo Lula. Na próxima edição do Correio, tentarei responder às críticas do companheiro Robaina.

* Valter Pomar, terceiro vice-presidente nacional do PT

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A encruzilhada de Pomar: um tiro certeiro no peito ou na cabeça

Roberto Robaina
 
Em 2003, diante da continuidade evidente dos planos de ajuste de FHC, alguns dirigentes da esquerda brasileira afirmavam que o curso à esquerda do governo Lula seria imposto pela pressão da militância, dos movimentos sociais e, sobretudo, das circunstâncias de modo geral. Mas a prática é o critério da verdade. O ano passou e o governo confirmou seu curso em defesa dos interesses dos banqueiros, dos grandes monopólios capitalistas, seguindo à risca a receita do FMI e do Banco Mundial. O PT não passou de avalista desta orientação de gerente dos negócios empresariais. Assim, depois de mais um ano de embates contra o governo e seu neoliberalismo reciclado, surge no horizonte uma nova formação partidária: o P-SOL .

Com prognósticos errados e sem decisão de enfrentar o governo, uma parte da chamada esquerda petista ficou na defensiva e busca argumentos para justificar sua paralisia. Tenta tirar leite de pedra. Parece não se conformar em não oferecer resistência. Insiste em negar a possibilidade de que outros resistam. Para tanto, tal esquerda precisa convencer que o P-SOL não é uma alternativa válida. Esse é o sentido prático do artigo de Valter Pomar, secretário da Cultura do governo de Campinas e dirigente da Articulação de Esquerda, corrente da esquerda petista que detém a pasta do ministério da Pesca no governo Lula. Seu texto, intitulado «A esquerda na encruzilhada», foi publicado no Brasil de Fato. Agradecemos o Correio da Cidadania pelo espaço que nos permite apresentar os graves erros de Pomar, as razões desses erros e a natureza dessas razões.

Para desacreditar o P-SOL, um dos métodos de Pomar é estabelecer a analogia entre a fundação do P-SOL e a fundação do PT. As analogias são úteis, desde que se apontem suas limitações. No seu caso, entretanto, a analogia apenas serve para ressaltar sua unilateralidade. Sua afirmação de que o PT nasceu no calor de um forte ascenso operário, impulsionado por uma base operária organizada, é correta. Desse ponto de vista, é certo que o P-SOL nasce mais fraco. E quem contesta esse fato? A questão determinante é que o P-SOL nasceu respondendo a uma necessidade da classe trabalhadora: ter uma representação política dos seus interesses que seja independente e anticapitalista. Ademais, nasce a partir da experiência do PT, depois de 22 anos. Tem chance, portanto, de aprender com os erros do PT. Por isso, por exemplo, o P-SOL não surge tendo como estratégia eleger o presidente da República, mas sim a defesa da mobilização de massas para derrotar a ordem capitalista. Isso não é uma coisa qualquer. Afinal, no PT, até a esquerda, pelo menos a dirigida por Pomar, assumiu a disputa presidencial como estratégia mais importante do partido.

Mas, ao invés de relatar aos leitores esta experiência histórica, Pomar trata de atribuir ao P-SOL sua própria estratégia eleitoreira. Afirma que, comparado com o PT, o P-SOL nasce valorizando excessivamente seu peso no parlamento e lançando candidato à presidente. É um argumento quase infantil. Talvez Pomar preferisse que nós tivéssemos zero de peso parlamentar. Mas não é o caso. Temos parlamentares com reconhecimento de massas. São respeitados, porque foram coerentes e fazem oposição às políticas neoliberais, votando claramente no Congresso Nacional contra o salário mínimo de R$ 260,00, contra a reforma da Previdência, contra o envio de tropas ao Haiti.

Suspeito que a Articulação de Esquerda não esteja valorizando tanto seus parlamentares porque não queira muito divulgar o que eles estão votando. E a AE tem parlamentares que poderiam estar de fato disputando os rumos do país, como a companheira Irini Lopes, que merece todo nosso respeito. Com a linha de Pomar, porém, a disputa dos rumos do governo, na teoria, converte-se em avalista das políticas concretas do governo, na prática. Os parlamentares da AE sequer votam contra as medidas mais antipopulares do governo, como fez Chico Alencar na questão do salário mínimo.

O infantil argumento de Pomar consiste em desconhecer que o P-SOL surge a partir do acúmulo do PT. Não de todo o acúmulo, nem da maior parte dele – que infelizmente a direção do partido e o governo estão liquidando o mais rapidamente possível. Uma parte deste acúmulo, contudo, tem sido motor da construção do P-SOL. Expressa-se em lideranças sindicais com longa experiência, nos dirigentes políticos que romperam com o PT, nos intelectuais, como Chico Oliveira, fundador do PT, Paulo Arantes, Leandro Konder, Milton Temer, Carlos Nelson, Ricardo Antunes; expressa-se, em particular, nos parlamentares eleitos pelo PT e que foram expulsos por defenderem pontos do próprio programa petista abandonados pelo governo.

Assim, valorizamos muito que o P-SOL surja com representação no terreno parlamentar. E nossa presença nesse terreno tem muita importância, não pelo número, mas pela representatividade, pela força que nossos parlamentares têm junto ao povo, como prova de que nem todos os políticos se vendem depois de serem eleitos. A verdade, porém, é que, se a realidade fosse diferente, se não tivéssemos parlamentares para valorizar, Pomar inventaria outro argumento: diria que não temos chances porque não temos parlamentares. Isso ele não pode dizer.

Da mesma forma, ele não pode dizer que o P-SOL não tem futuro, porque não tem nenhuma candidatura presidencial com densidade eleitoral, com possibilidade de empolgar parcelas da população trabalhadora. Como não pode nos criticar pela «direita», inventa um argumento pela «esquerda» e resolve dizer que é um erro que lancemos a senadora Heloísa Helena candidata a presidente. É incrível – logo Pomar que sempre considerou a eleição como o centro da tática na política… O P-SOL também considera que a eleição de 2006 será fundamental na disputa política. E não estaremos fora dela. Nossa senadora Heloísa Helena não foi lançada oficialmente, como diz Pomar, seguindo as notícias apenas pela mídia burguesa. Mas não tenha dúvida de que será lançada no tempo certo. Afinal, não estaremos com os tucanos e o PFL, postulantes óbvios na disputa presidencial de 2006, mas tampouco estaremos com Lula, que, segundo o próprio Pomar, está perpetuando «a hegemonia do capital financeiro, do agronegócio e do setor exportador». E, vale acrescentar, em aliança com Sarney, com Maluf, com Delfim, com ACM, setores fundamentais da direita brasileira, políticos fundamentais das oligarquias e do regime militar, o que expõe ao ridículo o argumento de Pomar de que a derrota de Lula seria o equivalente à derrota imposta pelo golpe de 64, demonstrando uma vez mais que é Pomar quem sobrevaloriza a institucionalidade e o peso das eleições na correlação de forças.

De nossa parte, não aceitamos, portanto, a encruzilhada de Pomar: um tiro certeiro no peito ou na cabeça. O P-SOL lançará uma alternativa independente. Somos conscientes de que, na atual correlação de forças, a eleição de 2006 será disputada com enormes dificuldades pelas forças socialistas. E se é para traçar cenários, não podemos deixar de considerar que as classes dominantes, se as forças socialistas se desenvolvem de modo significativo e ameaçam seus privilégios, é propensa sempre a abandonar o terreno das urnas e decidir a questão do poder na força bruta. Nunca alimentamos a ilusão de um governo de ruptura anticapitalista sem crise revolucionária, como até o V Encontro petista cogitou. Deixemos, porém, as conjecturas. O certo é que uma alternativa independente, no terreno da construção partidária, no terreno eleitoral e na luta pelo poder, é fundamental. É a única forma de se avançar na construção de um pólo de massas. De começar a forjar a reorganização da esquerda socialista neste novo ciclo histórico aberto pela falência do PT.

O P-SOL é expressão do início deste ciclo, tentativa de reagrupar a esquerda socialista, evitando a dispersão e a derrota. Não é um desafio fácil, mas nada tem sido fácil para a classe trabalhadora, para os explorados e oprimidos pelo capitalismo. O que os socialistas não podem é ficar com uma «intervenção política reduzida no momento atual», como defende Valter Pomar, ainda mais quando líderes destas correntes reduzem suas intervenções, mas, nem por isso, abandonam os cargos em governos cada vez mais contrários aos interesses populares. Assim, os pés acabam comandando as cabeças, e a teoria, ao invés de guiar a ação, converte-se em justificativa para a paralisia ou a acomodação. Não é o nosso caso. O novo ciclo de reorganização já começou. Estamos lançados nele, com todos os seus riscos e possibilidades.

* Roberto Robaina é membro da Executiva Nacional do P-SOL