Não se trata de ojeriza às fardas ou às forças armadas. Ainda que almejemos uma sociedade em que elas não sejam mais necessárias. A primeira «conquista» que o debate sobre o livre comércio trouxe à capital paulista são os soldados do exército nas ruas. E não apenas nas imediações do evento. Atrás do Masp encontrei […]
Não se trata de ojeriza às fardas ou às forças armadas. Ainda que almejemos uma sociedade em que elas não sejam mais necessárias.
A primeira «conquista» que o debate sobre o livre comércio trouxe à capital paulista são os soldados do exército nas ruas. E não apenas nas imediações do evento. Atrás do Masp encontrei dois, logo abaixo na 9 de julho outros dois e pouco mais à frente caminhões do exército estavam taticamente dispostos abaixo de um viaduto.
Talvez a maioria dos pedestres e motoristas não se dêem conta. Próximo a alguns deles parei o carro para atender o celular e um soldado prontamente começou a prestar atenção em mim. Não sabia se desligava o telefone, saia em disparada ou se simplesmente abandonava o carro e ia para casa. Esta vendo a hora em que seria abordado, lembrei-me do Iraque em que a população convive com isso cotidianamente. Subitamente me senti em estado de sítio. Mais à noite encontrei outros no Anhangabaú, onde deveria haver apenas, quando muito, agentes da companhia de tráfego.
As pessoas podem já nem se importar mais com essas coisas. Mas a primeira impressão que tenho é que somente porque o exército está nas ruas algum incidente necessariamente irá acontecer. Esse negócio de lei de murphy tem lá sua validade.
Além disso a pergunta que nunca me sai da cabeça é que raio de mundo é esse em que vivemos no qual uma reuniãozinha supostamente pacífica de um departamento da ONU precisa mobilizar tamanho contingente de segurança.. A primeira resposta que tenho é que contrariando interesses de uma multidão de excluídos não é de se estranhar precisem de proteção.
Na manifestação ocorrida dia 14 os manifestantes tinham para recepcioná-los umas quatro fileiras entre policiais e tropa de choque. Só depois vinham cães e cavalos. Ninguém conseguirá me convencer que o que se discute em ambiente tão brutalmente protegido possa efetivamente fazer bem à humanidade.
O que depreendo dessa situação é que até quando se apresenta da forma mais pacífica possível os organismos mundiais reproduzem sua parcela de barbárie. Como é que um organismo que se pretende pautar pelo desenvolvimento dos povos se esconde dos mendigos da maior cidade do país? As lições estão nas ruas.
São verdadeiros experts em sobrevivência. Devem entender horrores de economia pois ainda estão vivos apesar dessa monstruosa exclusão que assola o mundo, brindada pelo capitalismo..
Não que não seja interessante o Kofi Anan receber do parabólico Ricupero uma bandeira da Mangueira, mas que raio de contexto é esse? Se uma comissão do morro da Mangueira viesse em comitiva para falar das mazelas sociais seria recebida em cerimônia? Certamente não se estivesse junto com os manifestantes que denunciam a criminosa desigualdade econômica. A pergunta é se os que entrassem portando crachá seriam efetivamente vozes do povo ou de intermediários? A resposta está no próprio evento, todos estão lá supostamente em nome dos povos. Do lado de fora os povos estão cobrando empenho dos que estão dentro em relação a demandas fundamentais.
Sei lá, posso estar sendo estúpido, mas preferia que essa reunião não acontecesse nessas circunstâncias. Os brasileiros recepcionaram efusivamente a ECO92 e até hoje nem o timidérrimo tratado de Kyoto consegue ser respeitado. Como se fosse necessário um milagre de formulação para começar a reverter o quadro. Se ocorresse algumas semanas antes a UNCTAD iria coincidir com uma atividade dos movimentos sociais que pautou o controle de capitais. Tema simplérrimo e viabilíssimo, mas que se depara com entraves colossais até mesmo para ser pautado em ambientes insossos e de segurança máxima como as reuniões da UNCTAD.
Alguns irão secundarizar o tema da «necessária segurança institucional». Eu não sei, para alguns são os caras lá dentro que estão presos, contesto, a polícia não está atenta a eles. Quem está sob vigilância somos nós os transeuntes.
Vendo o exército nas ruas, se tivesse dois segundinhos para dizer alguma coisa às celebridades do evento teria uma óbvia na ponta da língua: parem de gastar com as indústrias da guerra e da morte que o mundo não precisará desse cortejo todo para resolver um problema singelo como distribuir a riqueza entre todos que a produzem.
Em tempo: tenho certeza que Celso Furtado se sentiria muito mais agraciado se invés de homenagens citações e pretensas boas intenções se dessem concretude à sua obra.