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Getúlio Vargas – I

Fuentes: Rebelión

Qualquer análise que se faça de Vargas, ou opinião que se dê sobre o ex-presidente, tem que levar em conta uma série de fatores e dois deles muito importantes. Vargas foi um ditador no período de 1937 a 1945. Encheu as prisões de desafetos, oposicionistas, sua polícia cometeu crimes hediondos, desde tortura a uma das […]

Qualquer análise que se faça de Vargas, ou opinião que se dê sobre o ex-presidente, tem que levar em conta uma série de fatores e dois deles muito importantes.

Vargas foi um ditador no período de 1937 a 1945. Encheu as prisões de desafetos, oposicionistas, sua polícia cometeu crimes hediondos, desde tortura a uma das páginas mais vergonhosas do seu regime: a entrega de Olga Benário aos II Reich.

De volta ao poder, em 1950, eleito com pouco mais de 49% dos votos, portanto quase maioria absoluta, deu uma guinada à esquerda. Guinada à esquerda não significa guinada para a esquerda. Optou por uma política nacionalista e de garantia dos direitos básicos dos trabalhadores.

Num e noutro período Getúlio Vargas exerceu sua notável característica de político pendular. Ora lá, ora cá, na convicção que lhe cabia, típica dos caudilhos, de conduzir o Brasil a um destino de grande potência.

Vargas virou presidente no bojo de uma revolução que, entre outras coisas, introduziu o voto secreto e o direito de voto à mulher. Em 1930, aliado aos mineiros e com respaldo de grupos das forças armadas, sobretudo parte dos tenentes, as polícias militares de alguns estados, derrubou a chamada república do café com leite um revezamento entre mineiros e paulistas no poder, rompido por Washington Luís.

O paulista não aceitou a candidatura do mineiro Antônio Carlos a presidente. Era a vez de Minas, mas preferiu apoiar o paulista Armando Salles. Ganhou a eleição, aquelas eleições de bico de pena, voto aberto e acabou deposto, um mês antes de concluir seu mandato. O candidato derrotado foi o próprio Getúlio, que fora ministro da Fazenda até pouco tempo antes da campanha eleitoral naquele ano.

Outro aspecto a ser levado são as situações de tempo e espaço nos períodos que Getúlio governou o Brasil.

DE 1930 A 1937

Fala-se em dois períodos, mas são mais. Presidente em 1930, por conta da revolução, governou até 34 com poderes absolutos, mas dentro de normas aparentemente democráticas. Era numa frente ampla que incluía tenentes como Juarez Távora, Cordeiro de Farias, Ernesto Geisel e outros, os dois primeiros companheiros de Prestes na famosa coluna.

A revolução tenentista tinha um ideário tanto modernizador, como de democracia.

Em 1934 foi eleito presidente com nova constituição que previa eleições gerais para 1938, quando deveria ter entregue o poder. Um ano antes deu o golpe, rasgou a carta magna, editou uma polaca, constituição imposta de cima para baixo e até 1945 governou com mão de ferro em regime ditatorial, tão cruel e perverso quanto o período militar, o Estado Novo udenista, o de 1964.

A aparente democracia dos dois primeiros momentos serviu para abrigar forças as mais diversas que marcharam contra Washington Luís em 1930 e preocupou-se com o desmanche das velhas oligarquias políticas, sobretudo paulistas.

Dois anos após a posse de Vargas surge a Revolução Constitucionalista em São Paulo, com apoio de parte das forças armadas, mas é esmagada. Ali Vargas abre caminho para um longo período de poder. De constitucionalista mesmo a revolução não tinha nada. Era apenas uma disputa de poder entre uma oligarquia podre e outra a caminho da podridão, ainda no início.

O contexto de tempo e espaço para cada momento, tanto pode ser visto pelas condições políticas, econômicas e sociais do Brasil, um país produtor de matérias primas, essencialmente agrícola, um gigante cobiçado, isso não mudou até hoje, dominado pelo latifúndio, por poucas famílias e já sob a «ameaça» do comunismo.

O principal líder dos tenentes, Luís Carlos Prestes optara por esse caminho e em 1935, à frente da Aliança Libertadora Nacional buscou a luta armada, tinha grande força nas forças militares, essencialmente sargentos, numa tentativa batizada equivocadamente de Intentona Comunista, para chegar ao governo e implantar um regime socialista.

A ALN juntava forças políticas de esquerda, majoritárias, quase que absolutamente, não totalmente.

O FASCISMO EM 1937

A ameaça fascista, Vargas nunca escondeu sua simpatia por Benito Mussolini, ditador italiano. Inspirou-se nele para editar sua Carta Del Laboro, a legislação trabalhista brasileira. Numa outra ponta, sua polícia especial usava os mesmos métodos do italiano, como o discurso do governo, a partir de 1937, era nitidamente fascista.

O fato de ter entrado na II Guerra Mundial não mudou esse caráter. Foi apenas uma contingência de um determinado momento. Até pela hostilidade de Hitler e debaixo de grande pressão popular.

O jogo pendular de Getúlio. Uma no cravo, outra na ferradura, procurando tirar dois tipos de proveitos. Ganhos para o Brasil, que resultavam em ganhos políticos para si e, logo, maiores chances de superar obstáculos na tentativa de manter o poder.

Foi assim, num desses momentos, que negociou com Franklin Delano Roosewelt, presidente dos Estados Unidos, a Siderúrgica de Volta Redonda, marco de um acelerado processo de industrialização no Brasil.

Vargas foi deposto em 1945 num cenário tipicamente brasileiro.

Os comunistas, à frente Luís Carlos Prestes, defendiam a convocação de uma assembléia nacional constituinte, com Getúlio presidente e eleições depois. Ficou conhecido como o movimento queremista.

A UDN, num instante inicial de fato uma frente, depois um partido, com largo apoio de militares, queria a deposição de Vargas, eleições presidenciais e uma constituinte. Foi o que aconteceu. Tinham, os udenistas, como certa a vitória nas eleições.

Perderam. O marechal Eurico Gaspar Dutra, uma figura apagada, de gabinetes, ministro da Guerra (hoje Ministério do Exército) de Getúlio e aliado fundamental no golpe de 37, venceu o brigadeiro Eduardo Gomes, criador e patrono da Aeronáutica brasileira.

Nesse quadro político duas forças se aliaram a Dutra para evitar a vitória udenista. As oligarquias rurais, no ex-PSD (presidido pelo genro de Getúlio, Ernani do Amaral Peixoto) e no ex-PTB, partido do próprio ditador e com respaldo no movimento sindical.

Getúlio foi eleito senador em alguns estados, deputado noutros (era possível isso), sem sair de São Borja. A impressão que se tem é que os adversários do ex-presidente ou conheciam sua força junto ao povo e procuravam dissimular esse fato, ou superestimaram o poder de fogo da UDN, síntese do anti-varguismo

O RETORNO DO CAUDILHO

Em 1950 perderam para o próprio Getúlio, numa reentrada sensacional na vida política brasileira. Eduardo Gomes foi de novo derrotado. Um detalhe que passa desapercebido a boa parte dos analistas, é que o ex-PSD lançou candidato próprio, Cristiano Machado.

O que isso significa? Cristiano roubou preciosos votos de Eduardo Gomes, enquanto seus principais aliados costuravam por baixo dos panos apoio a Getúlio. Vem daí o termo cristianizar, que em política significa jogar às feras. Começa aí a guinada à esquerda e o calvário do maior político da história moderna do Brasil.

A oposição de militares é um fato. Marinha e Aeronáutica são abertamente contra Getúlio que tenta um governo de conciliação. Eduardo Gomes foi designado ministro da Aeronáutica.

A luta pela PETROBRAS, o movimento «o petróleo é nosso», a ELETROBRAS (saiu mais tarde do papel), uma série de iniciativas populares, levaram a oposição udenista a abrir espaços para uma das figuras mais nocivas e perversas que o País já conheceu. Carlos Lacerda.

Lacerda era um ex-comunista, acusado de ter dado um grande desfalque no partido, atormentado por situações familiares complicadas (era filho de Maurício Caminha de Lacerda, jornalista e político de esquerda), dono de uma oratória empolgante deputado da ex-UDN, jornalista ele próprio, que, no afã de alcançar seus objetivos, não tinha nem escrúpulos e nem media o que falava ou o que fazia.

Por mais que seja um hábito dos brasileiros, o de transformar figuras como Lacerda em bons cidadãos após a morte, o líder udenista se orientava apenas pela busca do poder a qualquer preço, nítida vocação totalitária, ambição desmedida e um descontrole absurdo em suas ações, até como conseqüência dessa forma cega e irresponsável com que buscava o poder: demolindo tudo à sua frente.

Acabou demolido por seus próprios aliados.

Existem dúvidas, até hoje, se Lacerda foi de fato baleado no pé no famoso episódio da rua Tonelero, no Rio, começo do fim de Vargas, ou se deu ele próprio o tiro. Uma das testemunhas chaves afirma que o ex-governador do antigo Estado da Guanabara jamais poderia ter recebido um tiro no pé na posição em que se encontrava o pistoleiro Alcino, em relação ao local onde o tresloucado udenista se encontrava.

A REPÚBLICA DO GALEÃO

Getúlio enfrentou forte oposição de ponderável parcela do Exército, a quase totalidade da Marinha e da Aeronáutica, aliados às oligarquias urbanas, concentradas na ex-UDN. Isso desde que eleito em 1950.

A nomeação de João Goulart, um político gaúcho como ele e seu amigo pessoal, espécie de herdeiro designado em vida, para o Ministério do Trabalho, exacerbou a reação da direita. Chegou ao auge no Manifesto dos Coronéis, que exigia saída de Jango (era conhecido assim) do cargo, logo após ter decretado um aumento de cem por cento no salário mínimo.

Lacerda bombardeava, ele a chamada banda de música da ex-UDN, o governo todos os dias com acusações de corrupção. Era nítida a oposição de paulistas ao presidente. Ademar de Barros, seu aliado no Estado havia conseguido eleger seu sucessor, um engenheiro, Lucas Nogueira Garcez, para o governo estadual e o dito mudara de lado.

Nem tanto a crise econômica, eterna, mas as dificuldades políticas encontradas pelo presidente (tinha o apoio ostensivo do governador de Minas, Juscelino Kubistchek), quase que imobilizaram o governo, num tempo em que a cada dia havia um novo fator de tensão.

O chefe da segurança de Vargas. Gregório Fortunato, com provável apoio do irmão de Getúlio, Manoel Vargas, achou que eliminando Lacerda acabaria com o problema.

Foi no início de agosto que agentes de Vargas, da segurança, tentaram matar o líder udenista, acabaram matando o major da Aeronáutica Ruben Florentino Vaz e geraram uma república paralela, a República do Galeão.

Combalido, sem forças, perdendo apoio popular, Getúlio não conseguiu restaurar a disciplina militar.

Oficiais da Aeronáutica chamaram a si a tarefa de apurar o crime, prenderam figuras do governo, foram incensados no Congresso pela UDN e parte da imprensa (O Globo, não podia deixar de ser) contrária a Vargas, num tal ímpeto e gerando uma tal situação, que o presidente foi aconselhado a se licenciar e dar lugar ao vice, João Café Filho, já integrado ao esquema golpista.

Restaram-lhe, no momento decisivo, apoio de poucas figuras dentro do seu próprio Ministério, uma delas o ministro da Justiça, Tancredo Neves que, contrariando suas características, defendia a resistência até o fim.

Getúlio após ter aceito a ponderação da maioria do Ministério, para licenciar-se, foi para o seu quarto e na manhã do dia 24 foi encontrado morto. Dera um tiro contra seu próprio peito nas primeiras horas da manhã daquele dia. Sua filha, Alzira Vargas, mulher de Ernani do Amaral Peixoto, presidente nacional do PSD, foi quem o encontrou. O que parecia ser 1964 dez anos antes, foi adiado.

Minutos após a notícia circular, em 24 de agosto de 1954, saiu da toca o povo e foi para as ruas manifestar apoio a Vargas. Manifestar sua revolta contra os opositores do presidente, responsabilizados pela sua morte.

A República do Galeão, hoje com certeza de forma deliberada, ao chamar a si a apuração do atentado contra Lacerda, apenas transformou um crime num fato político e deu a eles fatos o rumo que quis. Muita coisa deixou de ser apurada exatamente pela vesgueira dos militares brasileiros, sobretudo da Aeronáutica, àquela época.

O tal acendrado patriotismo cheirava a canalhice na concepção do inglês Samuel Johnson.

Um fato que merece registro é de capital importância para o futuro imediato, foi à recepção de Juscelino Kubistchek a Vargas, em Minas, dias depois do crime da Tonelero, em plena República do Galeão, na última vez que o presidente saiu do Palácio do Catete, hoje Museu da República.

A morte de Vargas não matou o getulismo e a carta testamento deixada pelo presidente se transformou em principal alavanca para as forças getulistas.

«Saio da vida para entrar na história». Uma verdade inconteste numa das mais citadas frases do documento.