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Getúlio Vargas – II

Fuentes: Rebelión

Tancredo Neves foi o ministro mais jovem da história do Brasil. Aos 41 anos foi indicado para o Ministério da Justiça, no governo de Getúlio, 1950/54. O político mineiro costumava dizer que coube a ele, em sua geração, segurar as alças dos caixões das três maiores figuras da política no século XX: Getúlio Vargas. João […]

Tancredo Neves foi o ministro mais jovem da história do Brasil. Aos 41 anos foi indicado para o Ministério da Justiça, no governo de Getúlio, 1950/54. O político mineiro costumava dizer que coube a ele, em sua geração, segurar as alças dos caixões das três maiores figuras da política no século XX: Getúlio Vargas. João Goulart e Juscelino Kubistchek.

Por uma dessas peças que a vida costuma pregar foi eleito presidente em 1984 e morreu antes de tomar posse. Talvez esteja aí, numa determinada dimensão, um marco do fim da era Vargas.

E, curiosamente, a ascensão da ex-UDN, com a posse do vice de Tancredo: José Sarney. Um medíocre político maranhense, típico coronel da política brasileira, ainda hoje em cargo de relevância, presidente do Senado e um dos principais aliados do governo Lula.

A antiga UDN viveu seu Estado Novo em 1964. Ao contrário da revolução de 1930, quando uma junta provisória entregou o poder a um civil, Getúlio Vargas, os militares, dessa vez, optaram por tomar a condução dos destinos do País. Implantaram a versão udenista (o moralismo pequeno burguês era a marca do partido e os ditadores acrescentaram num ou noutro momento em maior intensidade, o nacionalismo) do fascismo.

Um coronel chefe de um IPM (inquérito policial militar), constrangido, claro, por ser o carcereiro de Sobral Pinto, um dos grandes juristas da história do País, disse a ele que «vamos implantar a democracia a brasileira». Sobral respondeu: «democracia não é como peru. Não existe a moda, ou a brasileira. Ou é democracia, ou não é».

Sobral foi um dos protagonistas da resistência à ditadura Vargas e depois, à ditadura militar. Notabilizou-se pela defesa de Luís Carlos Prestes e, por extensão, de Olga Benário.

CAFÉ FILHO

O vice-presidente de Vargas era João Café Filho. Um político potiguar, um homem decente, não metia a mão no bolso de ninguém e nem desviava recursos públicos para paraísos fiscais (à época só a Suíça e a ilha de Jersey).

Não tinha, no entanto, estatura para o cargo e optou por tocar o barco ao sabor das ondas, um mar às vezes tempestuoso, ora em calmaria, poucos momentos, diga-se de passagem. Seu maior orgulho era ter sido vetado pela Liga Eleitoral Católica, uma instituição de extrema-direita e ligada à Igreja Romana, por ter se pronunciado a favor do divórcio.

Foi indicado candidato a vice, em 1950, num desses arranjos que políticos maiores costumam fazer, escolhendo aliados aparentemente apáticos, no pressuposto que vão abrir os caminhos para o futuro do chefe. No caso a indicação veio de Ademar de Barros, governador de São Paulo.

Getúlio tinha consciência de sua debilidade eleitoral naquele Estado e a indicação de Café Filho lhe assegurava o apoio de um governador popular. Ademar almejava a presidência em 1955. O velho político paulista errou duas vezes: Café Filho foi cooptado por Carlos Lacerda e Lucas Nogueira Garcez, o governador que o sucedeu, deixou-o de lado e aliou-se ao seu desafeto Jânio Quadros que, em 1954, barrou a pretensão de Ademar: retornar ao antigo Palácio dos Campos Elíseos. Foi derrotado por um bêbado maluco, Jânio Quadros, mistura de político populista com especialista em humor negro.

Café Filho presidiu, logo de saída, as eleições municipais, em outubro de 54, pouco mais de um mês depois da morte de Getúlio. PSD. UDN e PTB saíram das urnas, nessa ordem, como os principais partidos do Brasil.

O problema viria a seguir, em 1955, com a eleição presidencial.

A CAMPANHA DE 1955

Vargas esteve presente durante todo o período pré-eleitoral e eleitoral.

Juscelino Kubistchek, governador de Minas Gerais e aliado de Getúlio, foi indicado candidato a presidente na coligação PSD/PTB, partidos fundados por Vargas. João Goulart, o herdeiro de Getúlio era o candidato à vice. Registre-se que as eleições eram distintas, de presidente e de vice.

Juarez Távora, general e tenente de 1922, companheiro de Prestes na Coluna e de Getúlio na revolução de 1930 (foi ministro de Estado), era o candidato udenista. Milton Campos, ex-governador de Minas, o seu companheiro de chapa. Ademar de Barros e Danton Coelho, respectivamente, presidente e vice disputavam o legado getulista com JK. Juarez trazia a mensagem moralista da UDN. Um quarto candidato, o líder integralista, Plínio Salgado, acabou também em quarto lugar.

Lacerda transformou o País numa arena de guerra. Tentou ressuscitar todo o clima que precedeu ao suicídio de Vargas. Liderou uma cruzada nacional contra a corrupção. Apropriou-se da candidatura de Juarez e transformou-a em baluarte do anti-getulismo.

JK seguiu a receita que mais tarde o jogador argentino Nestor Rossi viria definir como «toco e me voy». Foi, como dizem os mineiros, comendo o mingau pelas beiradas, sabia tanto da força dos dois partidos que o apoiavam, como do prestígio de Getúlio, intocável e ainda inabalável.

Um livro do jornalista mineiro Adelchi Leonelo Ziller, «Marcha contra o Golpe» registrou pari e passo a campanha de JK. Descontado o ardor do jornalista em defesa de Juscelino, é um dos mais completos registros jornalísticos da campanha de 1955.

Juscelino venceu. Jango venceu.

Getúlio continuava vivo.

O CONTRA-GOLPE DE 1955

Café Filho sofre um infarto após as eleições, as pressões contra a vitória de JK eram muitas, vindas principalmente de Carlos Lacerda e da UDN. Exigiam maioria absoluta (não prevista na Constituição de 1946).

Carlos Coimbra da Luz, um deputado do PSD de Minas, mas ligado à UDN, assume a presidência interinamente e na tarde/noite do dia 10 de novembro, pouco mais de um mês depois das eleições, demite o ministro da Guerra, general Henrique Duffles Baptista Teixeira Lott, com nítidas intenções golpistas. Com o apoio da Marinha e da Aeronáutica e parcela do Exército, aceita os argumentos de Lacerda e decide dar o golpe, tornando nula as eleições.

O general Lott, um dos maiores e raros exemplos de vocação democrática em se tratando de militares, reflete sobre a situação e ainda na madrugada de 11 de novembro retoma o Ministério da Guerra, depõe Carlos Luz e convoca o presidente do Senado, o catarinense Nereu Ramos, garante o resultado das urnas, assegura a posse de Juscelino. Viria a ocorrer em 31 de janeiro de 1956.

Lacerda se refugia numa fragata da Marinha de Guerra do Brasil, ele e Carlos Luz.

Dias depois o Congresso vota o impedimento de Café Filho que, recuperado, intenta reassumir o cargo e colocar em prática nova manobra golpista.

Juscelino dá início a um novo governo impregnado de varguismo, a despeito de seu estilo e seu arrojado plano de metas.

Lacerda é anistiado, todos os golpistas o são. JK enfrenta duas tentativas de golpe, ambas oriundas da Aeronáutica: Aragarças e Jacaré-Acanga. Militares que, anos depois teriam proeminência no golpe de 1964 lideraram os movimentos, logo abortados pelo general Lott, que continuara no Ministério da Guerra.

O Brasil, após os cinco anos de Juscelino, acorda com cara nova, nova capital, em franco processo de industrialização, com o início de uma espiral inflacionária que se mostraria resistente por anos, campeão mundial de futebol, mas entregue ao bêbado maluco de São Paulo, Jânio Quadros, o aparente triunfo do lacerdismo. Jânio foi o candidato da UDN e derrotou o marechal Lott do PSD.

Lott passou a campanha inteira dizendo que Jânio levaria o País a rumos imprevisíveis e de pura inconseqüência.

Não deu outra. Uns tragos a mais e uma grande lambança.

Seu maior desafeto, ponto culminante da crise que motivou sua renúncia: Carlos Lacerda, há menos de seis meses, seu principal aliado. Lacerda, a essa altura, era governador da cidade do Rio de Janeiro, transformada em Estado da Guanabara, com a mudança da capital para Brasília.

A renúncia de Jânio ocorreu em 25 de agosto de 1961. Sete anos e um dia depois do suicídio de Vargas. O fato marcou o mês de agosto como expectativa de tragédia na política brasileira.

O GETULISMO COM JANGO

O legado de Getúlio, como uma pedra que rola ladeira abaixo, veio se ajustando às situações de momento, ganhou um viés um pouco mais acentuado à esquerda com o governo do presidente João Goulart.

O ranço udenista mais uma vez se manifestou após a renúncia de Jânio. Os ministros militares e Carlos Lacerda se pronunciaram contra a posse do vice, que estava em viagem oficial à China. Idéia de Jânio Quadros, quando em seus delírios alcoólicos, assistindo faroestes do fim para o princípio (louco) imaginava um golpe para transformar-se em ditador.

O Brasil entre um clima de comoção nacional e surge um novo protagonista no cenário nacional: o governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, cunhado de Jango, um dos herdeiros de Vargas e sem dúvida alguma um dos políticos mais sérios e corajosos que o País já conheceu.

Brizola cria a Rede da Legalidade, clama pelos ideais de Vargas, concita os brasileiros a resistirem ao golpe, recebe apoio maciço da opinião pública, começam a pipocar pontos de resistência em todo o Brasil e acaba, com o apoio do comandante do III Exército, o general Machado Lopes, assegurando a posse de Jango.

Outra figura decisiva do getulismo sai da muda e negocia o acordo entre golpistas e legalistas. O Brasil vai conhecer por breve tempo a experiência parlamentarista. Jango toma posse, Tancredo Neves, o negociador, vira primeiro-ministro. O chefe do Gabinete Militar era Ernesto Geisel, mais tarde golpista de 64 e presidente da República (ditador).

Um novo período de varguismo dessa vez sob a batuta do PTB, o partido do próprio Getúlio e comando de seu principal herdeiro, João Goulart, o Jango. Um projeto político chamado de reformas de base (dentre elas a reforma agrária). O Brasil vivia sob o impacto do processo revolucionário de Cuba e a esquerda ganha força e ocupa uma parte significativa do governo Goulart.

Pela primeira vez na história do País surge um plano econômico de longo prazo, era também um plano de metas políticas e sociais, o Plano Trienal, concebido por Celso Furtado, também primeiro ministro do Planejamento.

O líder da oposição? Carlos Lacerda, governador da Guanabara.

Vai ser derrotado em seu próprio Estado, em 1962, por Leonel Brizola.

O parlamentarismo vigorou até o início de 1963. Um plebiscito devolveu a Jango os poderes de chefe de governo, restabelecendo o presidencialismo.

João Goulart era um estancieiro gaúcho sério, decente, tranqüilo, que virou político por amizade e lealdade a Vargas de quem era vizinho no Rio Grande, em São Borja.

Como Getúlio, apreciava o chamado teatro rebolado e não raro era visto em boates em companhias de vedetes. Getúlio teve como amante uma das mais belas vedetes do Brasil, Virgínia Lane. Por vedete eram chamadas as artistas do teatro de dança e tímidos strip-teases. A UDN continuava por perto defendendo os valores morais, Deus, a pátria e a família.

Tinha acurada preocupação social e seu governo registrou ministérios incomparáveis em termos de nível intelectual ao longo de toda a história da República. Para se ter uma idéia, Roberto Lira foi o primeiro ministro da Educação. Ulisses Guimarães era o ministro da Indústria e Comércio. Hermes Lima e Evandro Lins ocupavam cargos no nível de ministro. Tancredo foi primeiro-ministro. Darcy Ribeiro, Celso Furtado, Franco Montoro, Araújo Castro, o próprio Josué de Castro chegou a ser convidado para o Ministério da Saúde (não aceitou por exercer um cargo de relevância na FAO).

Não haviam economistas falando economês. Burocratas carimbando determinações do FMI, o próprio banqueiro, Moreira Salles, era uma rara exceção no contexto da categoria: sorria e freqüentava botequins.

O governo Jango enfrenta os Estados Unidos e sua decisão de excluir Cuba da OEA. Propõe-se a fazer a reforma agrária. Em 13 de março de 1964 o presidente assina em comício na Central do Brasil, no Rio, ato desapropriando terras às margens de ferrovias, rodovias, leitos de rios, lagos, numa extensão de oito quilômetros. Nacionaliza as refinarias de petróleo. Dá dimensão real a ELETROBRAS. Cria uma lei de remessas de lucros para o exterior. Implementa programas de construção de casas populares a juros da antiga tabela price e sempre decrescentes, nunca ultrapassando determinando percentual do salário mínimo. Mas, desperta as elites e a UDN, essa sempre desperta, sobretudo Lacerda, iniciam um movimento golpista que permeia todo o período de Goulart e culmina em sua deposição, em 1964.

O segundo golpe contra o getulismo, agora com a face de João Goulart.

O início de um outro período de Estado Novo, esse sob o controle dos militares.

SINAIS DO FIM DA ERA VARGAS

CDF era uma expressão muito comum entre estudantes brasileiros nas décadas de 50 e 60, no século passado. Servia para caracterizar o sujeito enquadro, primeiro aluno da turma, roupa passadinha, engomada, cabelo bem penteado com gumex ou brilhantina e rigorosamente significava «cu de ferro».

Um professor de matemática, Paulo Henriques, um dos primeiros campeões brasileiros de tênis, brilhante em suas aulas, costumava dizer que nunca vira um CDF dar certo na vida. Tinham como característica o egoísmo, o dedo durismo, um individualismo acentuado, «são pura decoreba», afirmava.

Os principais golpistas de 1964, com raras exceções, eram CDFs. Tinham a visão mesquinha da política, do mundo, apegavam-se a valores pequeno burgueses, acreditavam piamente que o destino do Brasil era o de vir a ser os Estados Unidos num futuro próximo. Na concepção deles e até de boa parte dos brasileiros, vivíamos, em 1964, uma espécie de Estados Unidos de 1924, ou 34.

Cismaram que poderiam dar jeito no País e cumprir os seus desígnios.

Legaram dívidas interna e externa sem tamanho, violaram os direitos humanos do principio ao fim, colocaram o Brasil a reboque do processo político conduzido pelos Estados Unidos (se achavam nacionalistas, de fato Geisel era antiamericano, o único), acreditavam que todo brasileiro deveria se levantar e cantar o hino nacional, beijar a bandeira, sair marchando para o trabalho, enquanto lotavam as prisões e massacravam opositores, constituindo-se nos principais agentes da doutrina de segurança nacional em todo o continente latino-americano.

A Operação Condor assassinou líderes de esquerda e progressistas em toda a América do Sul.

O golpe de 1964 foi o triunfo da UDN, mas acabou esmagando a própria UDN e dentre os udenistas, seu principal líder e formulador da quartelada: Carlos Lacerda.

Chegam ao poder figuras como Roberto Campos (participara do governo JK e era apontado como marxista à época), conhecido como Bob Fields, ou como aquele que aumentou a propina de dez para vinte por cento. Começam mudanças na legislação trabalhista de Vargas. A maior delas, o fim da estabilidade após dez anos. O fim das indenizações por demissão imotivada.

Castello Branco é o primeiro presidente, indicação de Lacerda, muitos queriam Eurico Gaspar Dutra. Lutou na FEB (Força Expedicionária Brasileira) na II Grande Guerra, era chefe do Estado Maior do Exército e, dias antes do golpe, manifestara apoio a Jango.

Costa e Silva arvorou-se em comandante do golpe por ser o general mais velho na ativa. Figura histriônica, terminou de forma trágica seu governo: foi ali que editaram o Ato Institucional nº 5, o mais draconiano instrumento da história das ditaduras brasileiras.

Emílio Garrastazu Medice não tinha noção de coisa alguma. Vivia com o rádio de pilha grudado no ouvido, escutando jogos de futebol, sua grande paixão. O presidente de fato era Orlando Geisel, ministro do Exército e responsável pelo período mais brutal da repressão.

Irmão de Ernesto, foi decisivo para sua candidatura e eleição para a presidência.

João Batista Figueiredo terminou seu governo pedindo que o esquecessem e foi responsável por frases absurdas. «prefiro cheiro de cavalo a cheiro de gente». «Se eu ganhasse salário mínimo daria um tiro na cabeça». «Por quê que o Chico Buarque é intelectual e eu não? Conheço matemática a fundo».

Teria sido uma comédia de Charlie Chaplin, versão tropical de «O Grande Ditador».

Foi uma noite tenebrosa na história do Brasil.

E mesmo assim a sombra de Vargas esteve sempre por perto. Tancredo era um dos principais líderes da oposição. Ulisses Guimarães, o presidente do MDB, único partido de oposição. Ernesto Geisel, tenente de 22, secretário de finanças do governo da Paraíba nos primeiros momentos da revolução de 30. Cordeiro de Farias, companheiro de Prestes na coluna, signatário do manifesto dos coronéis contra João Goulart, no governo de Getúlio e Golbery do Couto e Silva, considerado o cérebro da ditadura, também signatário do mesmo manifesto.

Do berço do varguismo, a revolução de 30, como se vê, nasceram também a UDN e o fascismo brasileiro.