É difícil dizer se a recuperação de pontos preciosos nos índices de aprovação do governo vai ser suficiente para uma vitória eleitoral em outubro, nas eleições municipais. O fato é que o governo continua jogando um jogo perigoso e enfiando cada vez mais a cabeça na boca do leão. A opção de Lula por governar […]
É difícil dizer se a recuperação de pontos preciosos nos índices de aprovação do governo vai ser suficiente para uma vitória eleitoral em outubro, nas eleições municipais. O fato é que o governo continua jogando um jogo perigoso e enfiando cada vez mais a cabeça na boca do leão.
A opção de Lula por governar negociando com o Congresso e, assim, com forças que nem conservadoras são, mas corporativas (bancada dos latifundiários, bancada dos banqueiros e assim por diante) e representantes das piores corporações do País, começa a se mostrar temerária, em alguns aspectos até irresponsável, quando fica claro que o governo Lula não tem o controle da máquina estatal.
Os oito anos de desmandos e corrupção do governo Fernando Henrique resultaram em bem plantados núcleos tucanos dentro dessa máquina. A invasão da sede da Caixa Econômica Federal por agentes da Polícia Federal deixa evidente a existência de duas forças antagônicas na instituição.
Uma que segue a orientação do governo, via ministro Márcio Thomaz Bastos, da Justiça e outra que recebe ordens de São Paulo, do comando tucano. No caso a invasão da sede da CEF se deu atendendo a determinação de José Serra, candidato a prefeito de São Paulo. A pesquisa do Data Folha, onde o candidato aparece em segundo lugar, superado por Marta Favre, acionou o alarme e a necessidade de produzir escândalos, fato que é corriqueiro na ação de Serra e dos tucanos.
Correndo por fora na política de Lula de privilegiar o Congresso, a disputa pelo poder atropela o presidente, mostra uma força efetiva dentro do aparelho estatal, a de FHC e sua turma e tem recados claros.
O governo está empenhado em acabar com a CPI do Banestado. Uma comissão que tem levantado dados impressionantes sobre altas figuras da República e do mundo dos negócios e que, agora, partiria para um levantamento sobre os principais banqueiros e quejandos no setor das finanças. A CPI, originalmente, apura remessas ilegais de dólares para o exterior.
O argumento do governo, claro, da turma do ministro Palocci, é que acabando a CPI fica mais fácil repatriar os mais de 100 bilhões dólares em bancos estrangeiros, via acordo, uma espécie de anistia branca.
Isso interessa tanto ao governo, muito mais aos tucanos, já que um dos que enviaram recursos se valendo de artifícios legais, foi o comando da campanha do ex-presidente FHC. A hipótese de convocação de Fernando Henrique para esclarecer a história de sobras de campanhas estava ficando cada vez mais real e como tanto um lado como o outro têm telhados de vidro, acabam se entendendo e todos saem impunes.
O presidente da CPI é o senador Antero de Barros, ligado a FHC, do partido dele. O relator é o deputado José Mentor, do PT. Não aceita o acordo e está sendo responsabilizado por jogar lama no sempre enlameado reduto de banqueiros, tucanos, a turma que detém o controle acionário do Estado brasileiro.
Quando assumiu o governo da Venezuela, eleito pelo voto popular e com propósitos de mudanças, Hugo Chávez percebeu, de pronto, a impossibilidade de mudar qualquer coisa numa estrutura podre, corrupta e controlada pelas 256 famílias de homens e mulheres mais importantes do seu país.
Optou por buscar respaldo popular, enfrentar o Congresso dominado por oligarquias, mudar o perfil do Judiciário e isso desembocou numa assembléia nacional constituinte, que, por sua vez, reordenou o Estado venezuelano, abriu portas para mudanças efetivas e confirmou, em nova eleição, o mandato do presidente Chávez.
Passa por aí a ação golpista dos banqueiros, empresários, das elites venezuelanas, mais que natural, do patrão, os Estados Unidos. A máquina estatal na Venezuela foi posta a serviço da vontade popular.
Lula não. Falou tudo isso e deixou de lado o movimento popular, optando pelas forças políticas tradicionais. Podres, atreladas a interesses corporativos e seguindo fielmente a cartilha neoliberal.
O resultado desse equívoco está aí. Duas polícias federais. Uma do governo, outra tucana. Um Congresso cada vez mais exigente e que emascula qualquer projeto governista que possa significar mudança, como no caso da expropriação automática de terras onde seja encontrado trabalho escravo (expropriação para fins de reforma agrária). Foi o preço pago para aprovar o salário mínimo. O acordo com a bancada ruralista.
Por conta disso Lula se vê na contingência de buscar novas cartolas, tirar novos coelhos, produzir novos efeitos especiais, o que equivale a andar na corda bamba com os caras cutucando por baixo.
No caso de FHC e sua turma é o dilema que Roberto Campos colocou para Maluf em 1984: «vale a pena investir cem milhões de dólares numa campanha presidencial, pois um mandato de quatro anos significa um bilhão».
Sem forças que não o aparente crescimento econômico (que só beneficia elites), o governo continua obediente ao receituário do FMI e tocando as reformas neoliberais. Dia 18 o STF (Supremo Tribunal Federal) julga a constitucionalidade ou não da cobrança de contribuição de inativos, vale lembrar. Ministros que eram contra já estão a favor.
Lula luta duas lutas a um só tempo. A primeira delas para viabilizar seu governo, desde o primeiro momento, tentando mostrar que é capaz de cumprir acordos, aceitar regras do capital internacional e distribuir cestas básicas, digamos assim, atenuando a gravidade dos problemas sociais brasileiros.
A segunda delas contra tucanos. O apetite pantagruélico de FHC e sua turma pelo poder, pelos negócios. Querem voltar ao comando.
O preço disso talvez não seja visível agora, mas vai ser estúpido e pago pelos brasileiros mais à frente. Pode ser até que o presidente seja reeleito, a lógica manda dizer que sim.
O problema é que tudo continua como dantes. Não mudou nada. Nem perspectivas existem de mudanças. Do ponto de vista do mundo dos negócios Lula tem até conseguido vitórias. Mas de Pirro. Não percebe que existe um limite que, se ultrapassado, um piparote de Washington derruba tudo. Até porque são tantas as trapalhadas de John Kerry como candidato que o terrorismo de Bush tem chances reais de continuar.
É por isso que não percebe a importância do referendo de domingo na Venezuela. Que não reage à ocupação da Colômbia por forças norte-americanas. Que envia tropas ao Haiti. Que quer encerrar a CPI do Banestado. Que começa a ficar encurralado em sua própria teia.
Lula fez uma opção equivocada e o preço está sendo pago pelas forças populares.
E nem falei da briga de foice no escuro dentro do próprio governo. Que é outra história, outra conversa.
E tampouco do projeto de criação do Conselho Federal de Jornalismo para excluir a opinião pública de qualquer controle sobre os meios de comunicação.
Ou da reforma universitária, tocada pelo ministro Tarso Genro.
Vem aí a privatização da Amazônia, depois da entrega do petróleo, na sexta licitação de bacias sedimentares.
Os caras são irresponsáveis em seus delírios de mandatários divinos.
Parece que é moda hoje.