Morre o último grande homem púbico de uma geração de lutadores. Não importa que tenha cometido erros. Os acertos foram maiores. Dimensão de estadista. Íntegro, dono de uma coragem invulgar e parte da História do Brasil desde que eleito governador do Rio Grande do Sul, em 1958. Brizola terá sido o primeiro brasileiro a investir […]
Morre o último grande homem púbico de uma geração de lutadores. Não importa que tenha cometido erros. Os acertos foram maiores. Dimensão de estadista. Íntegro, dono de uma coragem invulgar e parte da História do Brasil desde que eleito governador do Rio Grande do Sul, em 1958.
Brizola terá sido o primeiro brasileiro a investir contra o capital estrangeiro nos meios de comunicação. A Globo, construída com capital do grupo Time/Life nunca o perdoou por isso. Tinha essa característica. Sabia identificar os reais inimigos do povo brasileiro.
Quando Juscelino recusou um repasse de verbas devido ao seu Estado, o Rio Grande, decretou uma espécie de secessão e emitiu títulos da dívida púbica aos quais conferiu poder de moeda. Ficaram conhecidos como «brizoletas». Juscelino recuou.
Em 1961, logo após a renúncia de um bêbado maluco que ascendeu à presidência no velho estilo golpista da UDN, enfrentou de peito aberto no Palácio Piratini a ameaça de generais e udenistas que se opunham à posse do vice- presidente, João Goulart.
A Cadeia da Legalidade foi um dos grandes exemplos de compromisso com a democracia em seu sentido lato. Varreu o País de norte a sul, incendiou corações legalistas, vontades e espíritos.. Os militares lhe devotaram um ódio sem tamanho, manifestado no golpe de 1964, quando foi perseguido e eleito inimigo número um da ditadura militar.
Em 1962 veio para o Rio de Janeiro enfrentar a máquina lacerdista. Carlos Lacerda, notório golpista de extrema-direita, era o governador da Guanabara. Brizola trouxe consigo Aurélio Viana, um deputado socialista de Alagoas e juntou-se a Elói Dutra, deputado federal do antigo PTB e derrotaram Lacerda. Recebeu uma das maiores votações da história para a Câmara dos Deputados. Aurélio foi eleito senador e Elói, vice-governador.
Advertiu reiteradas vezes ao presidente Goulart, seu cunhado, do golpe maquinado nos porões dos quartéis e nos gabinetes da ex-UDN. Tentou de todas as formas resistir. É um exemplo de coragem a carta que enviou a Niomar Sodré, presidente do «Correio da Manhã», 45 dias após o golpe. Vagou pelo País no desespero de quem sabia o quão escura seria a noite da ditadura.
Foi para o Uruguai onde penou e amargou o mais sofrido exílio. Não aceitou aderir à Frente Ampla (Lacerda, Jango e Juscelino). Abraçou a causa socialista, só entendia a luta política como meio para a libertação da classe trabalhadora.
Foi o único exilado brasileiro confinado, no ódio que lhe devotavam os ditadores.
Alvo da famigerada Operação Condor, ação assassina das ditaduras latino-americanas, as do Cone Sul, mais precisamente, conseguiu fugir do Uruguai e abrigar-se na Europa, justiça seja feita, com ajuda do então presidente dos Estados Unidos, Jimmy Carter.
Brizola voltou ao Brasil por conta da anistia e mesmo assim continuou maldito aos olhos dos militares. Sua candidatura ao governo do Estado do Rio, em 1982, não foi aceita por Valter Pires, ministro do Exército. Queria uma lei que impedisse o engenheiro, como era chamado, de ser candidato.
Havia perdido a legenda do PTB em manobra de Golbery, fundara o PDT e vence eleições em que começara com menos de 3% das intenções de voto. Mesmo assim tentam roubar-lhe a vitória.
O escândalo Pro-consult, empresa montada para a totalização de votos, transforma votos brancos em votos favoráveis a Moreira Franco, candidato da ditadura. A Globo é cúmplice da tentativa de fraude.
Uma ação corajosa e que desmoraliza a direita anula a manobra e Brizola vira governador do Estado do Rio. Faz um governo com ampla aprovação popular o que lhe vale, em 1990 a eleição em primeiro turno.
Aliado a Darcy Ribeiro, seu vice- governador, cria os CIEPS, instrumentos voltados para a educação integral e popular.
Perde as eleições de 1989 para a presidência, depois de largar como favorito. Collor de Mello é eleito e mesmo tendo sido alvo das críticas de Lula no primeiro turno sai da derrota afirmando que «vamos apoiar o sapo barbudo». Foi decisivo na campanha do petista, ainda que o atual presidente tenha sido derrotado.
Perde as eleições presidenciais de 1994, mas adverte o País, durante toda a campanha, que a candidatura de FHC «vem de longe», aludindo ao Plano Real e ao projeto neoliberal. Vira vice de Lula em 1998.
Leonel Brizola nunca engoliu o sapo barbudo. Ateve-se às circunstâncias do momento político.
Carismático, íntegro no trato da coisa pública, faz parte de uma estirpe de brasileiros que aos poucos vai deixando a cena.
Eleito governador do Rio, em 1982, dois anos antes das eleições indiretas que levaram Tancredo ao governo (morreu antes da posse), afirma a seus mais próximos assessores, quando consultado sobre eventuais adversários numa eventual campanha presidencial: «o perigo vem de Minas». Era profético. O governador de Minas era Tancredo. Brizola mostrou-se maior que seus adversários. Foi capaz de gestos de harmonia, de entendimento. Teve grandeza em todos os momentos de sua vida. Viveu dramas familiares intensos e se mostrou à altura de todos os desafios que se apresentaram.
Deixa a lição da coragem. Nem o estilo de caudilho apaga sua importância em momentos decisivos de nossa História. Morre sendo crítico do governo Lula. Percebeu que o petista não passa de um grande equívoco. Perdas acontecem todos os dias. Ganhos nem sempre. Mas perdas são inevitáveis. Quem faz parte de uma geração, como a minha, 59 anos, é capaz de avaliar e sentir o tamanho da perda de Leonel Brizola.