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Entrevista a Paulo Metri

«Lula vai prestar um desserviço à sociedade se levar a sexta rodada adiante»

Fuentes: Surgente

O engenheiro Paulo Metri, de 59 anos, esteve cedido à Agência Nacional de Petróleo (ANP), praticamente desde sua fundação, no início de 1998, até junho de 2001, quando foi devolvido ao seu órgão de origem. O motivo de sua saída? Publicou, junto com o senador Roberto Saturnino Braga, um artigo na Gazeta Mercantil, intitulado «Uma […]

O engenheiro Paulo Metri, de 59 anos, esteve cedido à Agência Nacional de Petróleo (ANP), praticamente desde sua fundação, no início de 1998, até junho de 2001, quando foi devolvido ao seu órgão de origem. O motivo de sua saída? Publicou, junto com o senador Roberto Saturnino Braga, um artigo na Gazeta Mercantil, intitulado «Uma nova imprevidência à vista», criticando as rodadas de licitações, que estavam sendo realizadas sem atender aos interesses da sociedade brasileira. Portanto, Metri está na luta contra os leilões criminosos da ANP desde 2001.O Sindipetro-RJ também está e chama os petroleiros para assumirem a vanguarda dessa luta.

Surgente – Por que esse atual choque do petróleo é diferente dos anteriores?
Paulo Metri
Nos dois choques da década de 1970, havia a possibilidade de rápido acréscimo da produção de petróleo, se necessário, o que hoje, devido à instabilidade política das regiões produtoras e aos níveis de demanda, é difícil garantir. Naquela década, o aumento súbito dos preços em duas ocasiões deveu-se, essencialmente, a motivos políticos. O choque atual é estrutural, ocorrerá gradualmente, mas terá conseqüências mais profundas e duradouras.

Surgente – Qual o potencial de conflito entre países sobre essa questão?
Metri –
É enorme, basta ver a presente guerra do Iraque e a disputa comercial entre Japão e China sobre o petróleo da Rússia. O Oriente Médio e a região do Mar Cáspio serão áreas de conflitos constantes. A cientista social Ana Esther Ceceña do Instituto de Investigaciones Econômicas do México, em trabalho apresentado no II Fórum Social Mundial, intitulado «Estratégias de dominação e mapas de construção da hegemonia mundial», após pesquisa em documentos do Departamento de Defesa dos EUA, observou que, dentre os interesses vitais declarados do país, em torno dos quais se estrutura toda a sua atividade de Defesa, há a necessidade de assegurar acesso incondicional às fontes de energia e aos recursos estratégicos.

Surgente – Qual a avaliação que se tem hoje sobre o volume de reservas mundiais?
 Metri – As reservas ainda disponíveis variam muito, dependendo de quem as estima. Elas variam de um trilhão de barris a mais de dois trilhões. O governo americano e as grandes empresas petrolíferas procuram transmitir a sensação de tranqüilidade nesse mercado, negando a possibilidade de escassez nos próximos 40 anos. Eles visam garantir que os países que estão realizando a abertura dos seus setores petrolíferos, como é o caso do Brasil, não irão paralisar essa abertura ou realizá-la em termos mais vantajosos. É sabido que, em 1988, os países da OPEP aumentaram em 20% a 40% suas reservas para poderem ter maior cota de exportação, pois essa cota passou a ser definida a partir da participação da reserva do país na reserva total da OPEP. Por outro lado, o conceito transmitido pelo geólogo americano M. K. Hubbert, há mais de trinta anos, diz que o importante não é quanto petróleo resta, mas o momento a partir do qual a sua produção será declinante. Esse conceito deve ser observado. Ele provou que a produção de petróleo de uma região ou a mundial segue uma curva que passa por um máximo. Isso porque, depois do máximo, o preço do barril passa a ser sempre crescente. Esse ponto máximo da produção mundial ocorrerá bem antes da data da exaustão do petróleo. É estimado ocorrer entre 2010 e 2015.

Surgente – Que fatores fazem com que o preço do barril do petróleo oscile tanto? A perspectiva é de queda, estabilização ou alta?
 Metri – O preço varia por aspectos conjunturais, como guerras em curso e um inverno mais rigoroso no hemisfério norte. Além de questões de fundo, como a não descoberta de novos campos gigantes há mais de vinte anos, o pouco empenho das grandes economias de migrarem para fontes alternativas e o crescimento do PIB mundial, inclusive de novas economias como a chinesa, que surge com grande voracidade para consumir petróleo. A grande tendência com relação ao preço será a do crescimento devido aos fatores estruturais. No entanto, podem existir oscilações em torno desta grande tendência devido a aspectos conjunturais.

Surgente – No texto produzido pelo senhor, César Benjamin e pelo Rômulo Tavares Ribeiro, vocês citam Paul Roberts, que diz: «Estamos no limiar de um novo tipo de guerra, entre aqueles que têm energia suficiente e aqueles que não têm, mas estão cada vez mais dispostos a sair para buscá-la». Para ele, a corrida por uma fatia das últimas grandes reservas de petróleo e gás natural será o tema geopolítico dominante do século XXI. O senhor concorda?
Metri –
Sim. Já mencionei, em uma pergunta anterior, que um dos interesses vitais dos EUA é ter garantido o abastecimento de energia e outros recursos estratégicos. Em análises sobre a guerra no Oriente Médio, pode-se ler que os países desenvolvidos cobram o controle do acesso ao petróleo da região ser exercido por grupos não hostis a eles. No mesmo texto produzido pelo César, pelo Rômulo e por mim, citamos uma frase do Brigadeiro Sérgio Xavier Ferolla que diz: «Numa situação de grande tensão mundial, com crescente escassez de petróleo, no futuro, as forças armadas brasileiras não terão poder de dissuasão para evitar que plataformas de petróleo operadas por empresas estrangeiras, em nosso mar territorial, entreguem suas produções para petroleiros que a levem diretamente para o exterior». Essa preocupação válida mostra bem o teor explosivo do abastecimento futuro de petróleo. Aliás, por essa razão, o Brigadeiro Ferolla sugere que os legisladores brasileiros deixem só a Petrobrás atuar na nossa plataforma continental.

Surgente – Alguns especialistas prevêem que, em 2010, atingiremos o auge da produção e teremos então o inevitável declínio na oferta. Quais as conseqüências disso?
 Metri – Obviamente, o fato de se ter ultrapassado o máximo da produção influencia o preço do barril puxando-o para cima. Existirá verdadeiro leilão da insuficiente produção mundial, com o conseqüente impacto na economia mundial, devido ao aumento do preço de um de seus principais insumos. Procurar-se-á instalar fontes alternativas do dia para noite, mas elas estarão num patamar de preços acima do anterior do petróleo. Os países emergentes serão os que mais sofrerão nessa situação de preços altos.

Surgente – Qual a situação do Brasil diante desse quadro?
Metri – O Brasil poderia ter uma situação cômoda, visto que temos o petróleo necessário para suprir o País, no mínimo, nos próximos 25 anos, incluindo, aí, o petróleo já descoberto e o a descobrir. Mas, infelizmente, graças à exportação de petróleo por quem o descobrir, que a lei 9.478 permite e às rodadas de licitações do governo brasileiro, realizadas através da Agência Nacional do Petróleo – ANP, cujas áreas têm sido arrematadas, na sua maioria, por empresas estrangeiras, esse horizonte de auto-suficiência irá se reduzir, drasticamente. Por isso, essas rodadas de licitações têm sido consideradas como verdadeiros crimes de lesa-pátria.

Surgente – Como o senhor avalia a alteração da regulamentação do setor petróleo em nosso país?
Metri –
Esse novo modelo do setor de petróleo só pode ter sido uma das imposições dos países centrais, colocada através do FMI, para o Brasil poder ter sua dívida externa negociada, nos primeiros anos da década passada, dado o grau de benefício que acarreta para aqueles países, em detrimento da sociedade brasileira. Fez parte das iniciativas para desconstrução do Brasil como nação, ocorridas no período neoliberal. O Brasil tinha um modelo que estava dando certo. O monopólio estatal e a Petrobrás descobriam, transportavam e refinavam petróleo e entregavam os derivados para distribuição a preço até inferior ao internacional. Se não fosse triste, traria até felicidade ouvir o povo argumentar, hoje: «Por que os derivados devem subir com o aumento do barril do petróleo no mercado internacional?» «A Petrobras utiliza o petróleo que ela própria produz.» Implícito está, nessas frases, que o povo sabe que a Petrobras produz petróleo a preço inferior ao do mercado mundial. Petrobras esta, que só existe com a grandeza que tem, graças ao monopólio estatal que permaneceu no País durante mais de 40 anos.

Surgente – Vocês afirmam no documento produzido, que a sexta rodada de licitações da ANP é um erro estratégico no setor petróleo. Por que?
Metri –
Por tudo que já foi dito e porque, nesta rodada, serão entregues áreas contendo de 3,3 (estimativa oficial) a 6,6 bilhões de barris de petróleo (estimativa de técnicos do setor), ou seja, estamos leiloando áreas que darão um lucro líquido entre US$ 89 bilhões e US$ 134 bilhões, partindo-se da estimativa oficial de descobertas e dependendo do preço futuro considerado para o barril de petróleo. Isso, sem mencionar o valor estratégico para o Brasil de possuir esse petróleo. Notar que uma empresa estrangeira ao descobrir e produzir petróleo no Brasil, pela lei 9.478, paga as chamadas «participações governamentais» (impostos e taxas), mas fica dona do mesmo, podendo até exportá-lo, sem possibilidade de mudança das regras no futuro. Os contratos de concessão são atos jurídicos perfeitos que prevalecem por 30 anos. Assim, o petróleo descoberto por essas empresas não pode ser acrescentado às reservas do País, ou seja, ele não irá contribuir para o abas-tecimento nacional. Para ser bem preciso, ele pode até vir a ser consumido no País, mas, antes, terá que ser comprado pelo preço internacional, o que não é grande vantagem.

Surgente – Os leilões começaram no governo FHC sob fortes críticas do PT. A quinta rodada já se deu no governo Lula e agora o governo mantém a sexta rodada de licitação. Como o senhor vê essa postura do governo Lula?
Metri –
A bem da verdade, não me lembro
do PT, como partido político, se posicionar contra os leilões, durante o governo FHC. Lembro-me, sim, de pessoas ligadas ao setor do petróleo ou de energia, que eram integrantes do PT e se posicionaram contra os leilões, e hoje, estranhamente, estão caladas ou os apoiando. Com relação à quinta rodada, pode-se argumentar que, quando Lula tomou posse, ela já estava marcada e o ato de suspendê-la seria análogo a «rasgar contratos». Agora, com relação à sexta rodada, o governo Lula, se a levar adiante, irá prestar um grande desserviço à sociedade brasileira.

Surgente – Os argumentos apresentados para defender o leilão são relevantes?
Metri –
Não. Como pode ser observado em detalhe, no trabalho citado, não há escassez de recursos para investimento por parte da Petrobras, não há dificuldade tecnológica que o empresário estrangeiro poderia ajudar a suplantar, é uma balela dizer que há necessidade de mais competição no setor para baratear o preço dos derivados e, finalmente, não é verdade que é necessário manter a relação reservas sobre produção constante para garantir a auto-suficiência por mais tempo. Aliás, esse último argumento tem sido usado pelo atual governo, os outros foram usados pelo governo FHC. Já foi dito que, devido à lei 9.478, a reserva possuída por empresa estrangeira no Brasil não pode ser contada como reserva à disposição para o suprimento nacional em situação garantida. Ela é tão garantida quanto uma reserva da Arábia Saudita ou da Nigéria ou da Rússia, desde que existam os dólares para comprá-la. Então, um aumento de reservas dentro do território nacional, através de empresas estrangeiras, não significa mais petróleo à disposição para o consumo nacional.

Surgente – Quais as conseqüências para o povo brasileiro se o Brasil passar a condição de exportador de petróleo?
Metri –
A curto prazo, haverá maior geração de dólares que permitirá ao governo pagar mais serviço da dívida. A médio prazo, quando o Brasil tiver de importar petróleo porque o nacional já foi exaurido, época em que o preço do barril estará muito alto, talvez tenhamos um «paradão», que é análogo ao «apagão» só que no setor dos combustíveis. Não me atrevo a descrever, por ser muito triste, o que seria um «paradão» no Brasil.

Surgente – Por que, no documento produzido, vocês afirmam que o governo Lula resolveu tratar o petróleo como uma commodity comum?
Metri –
Porque foi negado ao petróleo o seu valor estratégico atual. Pela própria definição, commodity não possui valor estratégico.

Surgente – Por que, para vocês, a posição brasileira diante desse quadro está na contra-mão do que ocorre no mundo? Metri – Porque, enquanto outros países fazem guerra para garantir o seu suprimento, enquanto a China e o Japão aumentam suas ofertas para ter a exclusividade de consumo do petróleo russo do projetado oleoduto siberiano, nós entregamos uma parcela do pouco petróleo que nos resta e que irá, certamente, fazer falta, em futuro próximo, por uns trocados.

Surgente – O Brasil possui um planejamento energético de caráter estratégico? E que tipo de planejamento seria necessário?
Metri –
O País ainda não se recuperou da agressão neoliberal sofrida no período de 1990 a 2002, quando a atividade de planejamento foi execrada no País. O Brasil já teve um planejamento energético de razoável grau de qualidade. No setor elétrico, ele está sendo recuperado e a Petrobrás acabou de publicar o seu planejamento empresarial. No entanto, falta um planejamento da área de combustíveis que vai, certamente, recomendar a mudança da lei 9.478 por ser impossível atender aos interesses da sociedade brasileira estando essa lei em vigor. Alem disso, tal planejamento de cunho estratégico irá recomendar a paralisação de rodadas de licitações por não atenderem também aos mesmos interesses.