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Memória, Resistência e Luta

Fuentes: Rebelión

Nem um passo atrás!Madres de la Plaza de Mayo Entre 8 e 9 de dezembro último, Buenos Aires assistiu à 24ª Marcha da Resistência. Durante 24 horas, a rotineira e incansável ronda das Mães da Praça de Maio foi reforçada por inúmeras outras organizações. As Madres de Hebe de Bonafini e outros movimentos de esquerda […]

Nem um passo atrás!
Madres de la Plaza de Mayo

Entre 8 e 9 de dezembro último, Buenos Aires assistiu à 24ª Marcha da Resistência. Durante 24 horas, a rotineira e incansável ronda das Mães da Praça de Maio foi reforçada por inúmeras outras organizações.

As Madres de Hebe de Bonafini e outros movimentos de esquerda seguiram com manifestações até dia 12 reiterando, neste ano a consigna contra o pagamento da dívida e(x)terna e indecente (as variáveis ficam por minha conta, a consigna era somente – No al pago de la deuda).

A «pirâmide» de mayo (na verdade um obelisco), estava completamente coberta por cópias de fotos dos desaparecidos durante a ditadura. Lembro que no caso argentino são estimados em trinta mil os assassinados. Um massacre.

Coincidentemente no Brasil assistimos aos lastimáveis episódios envolvendo não somente a memória dos nossos desaparecidos, como a novela sobre a liberação da documentação correspondente àquele período tétrico.

Convém lembrar que também por esses dias no Chile foi indiciado o gorila Pinochet. Ainda que muito pouco, é mais do que a sorte que até o momento bafeja os seus parceiros brasileiros no crime.

A começar pelo episódio Araguaia, é absolutamente lastimável a postura do governo brasileiro. A Justiça Federal tem sido mais eficiente (!!!) do que o governo em ouvir os clamores dos familiares. Até a empresa de Roberto «Kane» Marinho se permite brincar de arapongagem (nunca abandonaram a prática) e encontrar arquivos queimados e intactos melhor do que o próprio governo. Pensando bem, não é impossível que as fontes para os atuais «achados» sejam as mesmas parceiras durante o golpe, talvez alguém movido por remorso ou «despertando» da amnésia.

Os achados da Globo denunciam a indolência do governo (não se trata de despreparo, lembro que este governo está reaparelhando os instrumentos institucionais de inteligência). Que parece estar brincando com varetas, como que temeroso de incomodar seus antecessores, os inquilinos do Planalto nos anos de chumbo (sintomática a queda de Viegas). Alguns deles ainda por aí recebendo condecorações e redigindo memorandos em nome das forças armadas.

Também não havemos de nos admirarmos se as respostas protocolares dos membros do governo, não funcionem justamente como sinal de alerta que motiva a queima de documentos. Minha impressão é que o governo alerta: façam a faxina porque estamos chegando. Digamos que para bom entendedor o governo já deu todos os sinais.

Se não é o que está ocorrendo, o governo tem muito a aprender com o Chile e Argentina. Mais uma vez Kirchner dá uma aula de governo aos brasileiros com atitudes singelas, quase burocráticas, mas que demonstram justamente o que falta ao governo brasileiro: vontade política.

Claro que o repúdio aos milicos na Argentina supera em muito o sentimento brasileiro. A ponto de que até mesmo Chavez precisou de muita paciência para conquistar a confiança de Hebe, hoje, uma radical (como em tudo) defensora da «revolução» bolivariana.

Não é o caso de entrar nas disputas internas dos vizinhos, sobretudo das madres argentinas. Mas lá existe uma distinção entre os familiares de desaparecidos. Alguns ficam constrangidos e até mesmo negam o envolvimento de seus parentes com atividades de esquerda. Já outro segmento assume a vocação «subversiva» dos parentes e até mantém erguida suas bandeiras históricas (como é o caso exemplar de Hebe e suas amigas).

As atitudes do governo brasileiro me levam a compará-lo com o espasmo reacionário (com o perdão do juízo de valor) do primeiro segmento. Parecem que se envergonham de terem tomado parte mesmo que lateralmente das contendas contra a opressão. O governo age como se ao reduzir o ritmo das apurações esperasse os parentes e o país esquecerem. Mas a história não esquece.

De outro lado é notável como a atitude canalha de se destruir documentos públicos não leve o governo a um mínimo de surpresa ou mesmo estarrecimento, o que apenas corrobora a tese do alerta aos quartéis. Que reagisse ao menos pela insubordinação, já que não parece próprio cobrar-lhe qualquer solidariedade que seja, menos ainda empatia. No caso da insubordinação de petistas o governo demonstrou saber usar mão pesada. Ou será que só bravateia com os que não teme?

O poder corrompe ou garroteia os pusilânimes.

Pusilânime o governo, bem entendido, pois dos facínoras não há que se esperar comportamento diverso. A covardia de quem persegue e tortura é subproduto da mesma cepa de quem busca agora destruir as provas de seus crimes. Eram homens para torturar mas não são o suficiente para arcar com a conseqüência de seus atos. Em geral os sádicos são covardes, além de dementes, é claro. Se orgulharam-se tanto do que faziam e faziam tão bem ao país, porque não se apresentam agora?

Claro que o pusilânime se equipara ao facínora quando encobre ou não busca punir seus crimes.

Perdoem-me os familiares, mas é forçoso também ponderar que o movimento iniciado na gestão anterior do neoliberalismo de remunerar os familiares disfarça a intenção de por um preço na dor. As famílias agem conforme seus interesses ou necessidades, mas é preciso não confundir o devido e necessário ressarcimento financeiro com a necessidade de se esclarecer a responsabilidade institucional.

A solução da Anistia formal, já no descenso da ditadura servia muito mais como álibi à impunidade do que como resposta ao que mais dia menos dia assomava inevitável.

Que a justiça arbitre a retribuição financeira é aceitável, mas ao Executivo compete esclarecer o ocorrido na história do país e, enquanto gestor principal do Estado, assumir a responsabilidade por tamanha irresponsabilidade. O Estado precisa garantir ao país que, já que num regime supostamente democrático, o ocorrido é premente e decididamente condenável. O Estado também precisa afirmar que tortura, nunca mais.

Não adianta tropeçar na língua (para os que podem, claro) ou nas evasivas e cinismos. O país exige decisão e diligência nesse caso.

Pois nada paga «o pesar do tempo que se perdeu e das vidas que custou» à história do país e à organização da sociedade brasileira e latina. Essa é também uma distinção nos movimentos argentinos.

Uma das organizações presentes na jornada de lutas Argentina é a dos filhos de desaparecidos (H.I.J.O.S.) Na faixa que portavam na Praça constava algo como: «Não esquecemos, não perdoamos, não reconciliamos. Lutamos pelo julgamento e castigo dos genocidas da ditadura».

Não se trata de invocar a vocação trágica típica do sentimento argentino. Talvez pela atrocidade ocorrida, estima-se que não haja uma só família Argentina sem ao menos um ente desaparecido, os irmãos vizinhos aprenderam da forma mais dolorosa que não se trata apenas da vida de pessoas queridas. Para além da dor familiar, há um sentimento de dor nacional que impõe a identificação pelo sofrimento.

Olhando para o exemplo argentino, não há como não desprezar ainda mais o comportamento governamental brasileiro, tratando a questão como se fosse uma querela administrativa que alguma atribuição de rubrica ou edição de nova medida possa solucionar, o governo corrobora o pensamento neoliberal de que os mortos nas guerras dos mercados são resumíveis em números, e na melhor das hipóteses estatísticas. Antes mesmo de se apresentar como liderança política os governantes precisam demonstrar que fazer parte desse povo e compartilha suas apreensões. O que nos leva a outra conclusão:

Por mais que pareça impossível, há coisas ainda piores no governo Lula do que a submissão ao FMI.