Movimento quer aliados da burguesia e reforma agrária de novo tipo Os municípios com assentamentos rurais precisam de agroindústria para processar a produção dos agricultores e abastecer os mercados locais, a exemplo das que já existem em 700 pequenas e médias cidades do interior brasileiro. Nelas, as agroindústrias das cooperativas do Movimento dos Trabalhadores Sem […]
Movimento quer aliados da burguesia e reforma agrária de novo tipo
Os municípios com assentamentos rurais precisam de agroindústria para processar a produção dos agricultores e abastecer os mercados locais, a exemplo das que já existem em 700 pequenas e médias cidades do interior brasileiro. Nelas, as agroindústrias das cooperativas do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) já beneficiam grãos, processam leite, carnes de frango, de suínos e bovinos, produzem queijos, vinhos, defumados e embutidos, castanha de caju, café e erva-mate, açúcar, conservas e doces, polpa de frutas, farinha de trigo, polvilho e cachaça de boa qualidade.
E fazem tudo isso, diz João Pedro Stédile, líder do MST, levando em conta que a reforma agrária é republicana, representa uma bandeira das revoluções burguesas ao redor do mundo desde a Revolução Francesa, para desconcentrar e fortalecer a propriedade privada.
No caso brasileiro, a reforma agrária nunca foi concretizada porque a revolução burguesa não se completou, o capitalismo manteve a concentração fundiária e não democratizou o acesso à terra. E no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, «as resistências dos ministérios da área econômica impedem a viabilização da reforma agrária, apesar de existirem 130 milhões de hectares de latifúndios improdutivos e ociosos», estima Stédile.
Por conta disso, a partir de abril de 2005, o movimento vai realizar uma empreitada «contra a política econômica neoliberal do governo e a favor de um novo projeto de desenvolvimento nacional, condição fundamental para realizar a reforma agrária e assentar 430 mil famílias no campo, conforme o presidente Lula prometeu», diz ele.
Para o líder do MST, já surgiram no País capitalistas mais avançados e, na atual etapa da História, «a saída para um novo projeto de desenvolvimento é fazermos uma aliança dos setores sociais empobrecidos, mas organizados, com os bons burgueses, os nacionalistas que pensam o País e interessados em desenvolver a Nação».
Movimento dos Trabalhadores SemTerra defende um novo projeto de desenvolvimento nacional
Da mesma forma que a reforma agrária é uma bandeira republicana para desconcentrar e distribuir a propriedade da terra, e desenvolver o País, o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra também «é um movimento republicano, não somos socialistas na acepção da palavra, lutamos por mudanças, somos radicais no sentido de ir às raízes dos problemas, mas não fiquem imaginando que somos comunistas e comemos criancinhas», diz João Pedro Stédile, líder do MST.
A expectativa de Stédile é de que «os bons burgueses que pensam o Brasil se conscientizem de que é possível construirmos uma sociedade democrática na qual todo brasileiro tenha garantido pelo menos os direitos fundamentais do trabalho, escola, casa e pão». E diz que nas palestras que faz na Associação Brasileira de Lojistas percebe um «sentimento de brasilidade entre os pequenos empresários e comerciantes; tenho conversado com o grupo da Fundação Semco, que aglutinou a Fundação DNA Brasil e constatei que há empresários brasileiros com consciência do Brasil».
Segundo o líder do MST, o empresário Antonio Ermírio de Moraes pensa o Brasil, da mesma forma que «o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi) está recuperando a origem do pensamento do Roberto Simonsen, de defesa de uma indústria nacional».
Mas, diz Stédile, «os bancos e as indústrias aliadas das transnacionais, com hegemonia no capitalismo brasileiro, estão cooptados e subordinados ao capital estrangeiro». João Pedro diz que falta um projeto nacional para o Brasil resgatar sua soberania. E recomenda que as elites «tomem umas aulas com o Delfim Netto e estudem de novo os economistas clássicos, a exemplo de John Maynard Keynes (1883-1946) e Joseph Schumpeter (1883-1950). Eles diziam que a essência da economia, para garantir a soberania de um país, é organizar a produção para atender em primeiro lugar às necessidades de seu povo».
Economista formado na PUC de Porto Alegre (RS), onde estudou com ajuda da Igreja Católica, Stédile nem na aparência lembra o demônio, como alguns veículos da imprensa já tentaram caracterizá-lo até em foto. Afinal, o seu físico encorpado, pele clara, cabelos quase loiros, barba encobrindo parte do rosto vermelho e arredondado, é típico de camponês gaúcho, descendente de imigrantes italianos.
Casado, pai de quatro filhos, «torcedor do Grêmio de nascença e corintiano por adoção», Stédile bem que inferniza os latifúndios e avisa que não vai parar. Afinal, desde pequeno labuta com os trabalhadores do campo, é o primogênito de uma família camponesa de cinco irmãos, nasceu em 1953, em Lagoa Vermelha (RS), cresceu cultivando uvas e aprendeu a apreciar bons vinhos e a respeitar o trabalho daqueles que produzem. Na época da ditadura, atuou no Sindicato dos Produtores de Uva de Bento Gonçalves, «ajudando os agricultores a calcular os custos da produção para poder brigar com as cantinas por preço melhor para a uva e o vinho».
Stédile trabalhou na Secretaria da Agricultura do Rio Grande do Sul e fez pós-graduação em Economia Política na Universidade Nacional do México. De volta ao Brasil, participou da empreitada pela redemocratização do País e da retomada das lutas sociais de 1978 e 1979, quando ocorreram ocupações de terras improdutivas no País. E em janeiro de 1984, no encontro nacional de camponeses em Cascavel (PR), foi um dos fundadores do MST.
A seguir trechos da entrevista.
Gazeta Mercantil – Por que o MST fará outra jornada de lutas?
João Pedro Stédile – Infelizmente, passados dois anos do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a reforma agrária continua a passos de tartaruga. E uma das causas da lentidão é a incompatibilidade da política econômica neoliberal do governo – que concentra renda, não gera emprego e dá prioridades apenas às exportações – com a reforma agrária, que é o antagonismo disso, pois distribui renda, gera emprego e desenvolve a economia local. Diante desse cenário, o MST está discutindo com outros movimentos sociais mobilizações para 2005 contra a política econômica e a favor de um novo projeto de desenvolvimento para o País, a única forma de viabilizar a reforma agrária. Vamos dialogar com a sociedade, fazer grandes caminhadas e iremos a Brasília pressionar o governo.
Gazeta Mercantil – Haverá ocupação de terras?
Stédile – Enquanto houver latifúndio improdutivo de um lado e contigentes de pobres sem trabalho de outro, não precisa existir o MST ou conselho de ninguém para fazer ocupação. A contradição resolve-se naturalmente, porque os sem-terra se dão conta de que a saída para seu problema imediato é ocupar a fazenda improdutiva. E o MST vai estimular, porque é uma demonstração de organização dos trabalhadores. Mas o foco da nossa luta é a mudança da política econômica e o debate de um novo projeto de desenvolvimento para o Brasil. E queremos fazer uma marcha em abril para valorizar o salário mínimo, pois não estamos satisfeitos com R$ 300 – e não venham me dizer que o MST não tem nada a ver com isso. O salário mínimo é fundamental para distribuir renda, sem a qual não se viabiliza a agricultura familiar e a reforma agrária.
Gazeta Mercantil – Só assentar famílias é fazer reforma agrária?
Stédile – De jeito nenhum. O Brasil ainda não viveu uma política de reforma agrária, porque ao longo de 500 anos, dos últimos 20 anos e nos oito anos do governo de Fernando Henrique Cardoso se manteve a concentração de propriedade da terra. Nos 20 anos do MST, com toda a luta que fizemos com outros movimentos sociais do campo, assentamos apenas 580 mil famílias, das quais 350 mil nos oito anos de Fernando Henrique. Mas a avaliação do governo FHC é negativa, porque se conquistamos a desapropriação de 16 milhões de hectares para 350 mil famílias, no mesmo período, por causa de outras políticas de concentração da propriedade, seja pela compra de terra dos vizinhos seja pela apropriação de terra pública, os grandes fazendeiros acumularam mais de 70 milhões de hectares a seu patrimônio.
Gazeta Mercantil – E com Lula?
Stédile – O balanço dos dois anos do governo Lula é pessimista. Assentou 60 mil famílias, assim mesmo maquiando dados, e bem menos do que FHC, que nos últimos anos assentou 60 mil famílias por ano.
Gazeta Mercantil – Qual a meta do presidente Lula?
Stédile – Desde que o governo Lula assumiu, estávamos convictos da sua posição favorável à reforma agrária. Ele é nosso aliado e, por isso, definimos que a luta principal nessa conjuntura é contra o latifúndio; fizemos acampamentos de sem-terra, na beira das estradas, para com a ajuda da opinião pública pressionar o governo, mas preservando-o. Hoje, junto com outros movimentos, temos mais de 200 mil famílias acampadas e pressionamos o governo para que complete o Plano Nacional de Reforma Agrária, como determina a Lei do Estatuto da Terra, pois não se pode desapropriar uma área aqui e outra lá sem fazer um plano e achar que isso é reforma agrária.
Gazeta Mercantil – O que é reforma agrária?
Stédile – Reforma agrária é uma ação pública do Estado e com um plano que direciona as políticas públicas para desconcentrar a estrutura fundiária e distribuir a propriedade da terra na linha de que a reforma agrária não é um fim em si, mas instrumento para alcançar o objetivo de distribuir renda, gerar trabalho e ativar a economia do interior do País. Para alcançar esses três objetivos, faz-se a distribuição de terras, porque com isso se incorporam à produção áreas ociosas, possibilitando que os sem-terra possam trabalhar num pedaço de chão, na agroindústria dos assentamentos e saiam da pobreza. Mas depende de um plano estratégico do Estado para dizer quais são as regiões prioritárias, os produtos que estimulará para o mercado interno, quanto haverá de crédito para os assentados e quanto vai garantir de recursos para pagar aos fazendeiros desapropriados. Além de levar dez meses para fazer o Plano Nacional de Reforma Agrária, o governo Lula o colocou na gaveta, pois o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, e sua equipe só queriam seguir a velha política neoliberal do governo FHC, desapropriar terra como compensação social e destinar recursos que assentariam apenas 80 mil famílias até 2006. Mas, a equipe do professor Plínio de Arruda Sampaio, junto com técnicos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), do Ministério da Reforma Agrária e de universidades fizeram estudos e comprovaram que havia recursos para assentar 1 milhão de famílias em quatro anos. Portanto, como dizemos no Rio Grande do Sul, o presidente Lula ficou embretado entre assentar 80 mil famílias no plano neoliberal ou assentar 1 milhão de famílias dentro de um novo projeto de desenvolvimento. Fizemos então uma marcha de Goiânia a Brasília, pressionamos o governo e, em 21 de novembro de 2003, o presidente Lula foi pessoalmente dizer aos 5 mil trabalhadores que chegaram caminhando à capital federal que o governo ia fazer a reforma agrária – não seriam nem 80 mil, nem 1 milhão de famílias, mas concordou em assentar 430 mil famílias de 2004 a 2006. Esse é o contrato social e a dívida moral que o governo Lula tem com o MST, com a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) e com os movimentos sociais.
Gazeta Mercantil – O acordo não foi adiante?
Stédile – Passou janeiro de 2004 e o governo não fez nada; em fevereiro acabou envolvido no episódio do Waldomiro Diniz e ficou engessado. Então, na mobilização do «abril vermelho» ocupamos 127 fazendas no País para chamar a atenção do governo; e o presidente Lula, assustado com a inoperância da sua administração, assina mais um acordo conosco, garantindo que não faltariam recursos para assentar as 430 mil famílias e anuncia a liberação de R$ 1,7 bilhão para a reforma agrária em 2004. Voltamos para casa satisfeitos de novo, mas a política econômica neoliberal se aprofundou, a taxa de juros aumentou de tal forma que, de agosto a novembro, o governo teve um dispêndio a mais de R$ 4 bilhões só com a elevação da taxa Selic de 16% para 17,5%. E o R$ 1,7 bilhão previsto para a reforma agrária encolheu para R$ 600 milhões. No final do ano parece que andaram liberando mais R$ 300 milhões e terminamos 2004 gastando no máximo R$ 900 milhões. Faltou dinheiro porque os recursos foram para o pagamento dos juros da dívida pública, o governo Lula está em dívida conosco e, se continuar nesse ritmo, não vai honrar seu compromisso.
Gazeta Mercantil – Por quê?
Stédile – Porque o setor conservador do governo, representado pelo ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, e pelo ministro da Indústria de Comércio, Luiz Fernando Furlan, apóiam exclusivamente a prioridade do agronegócio. E criaram a ilusão de que os acordos de livre comércio, em negociação com a Comunidade Econômica Européia e com os Estados Unidos, via Alca, abririam um mercado imensurável para as exportações agrícolas do Brasil. Como em 2003 tivemos preços agrícolas excepcionais, o agronegócio avaliou que as perspectivas para as exportações brasileiras eram infindáveis e começou a disputar conosco a reforma agrária. Mas não queríamos briga com o agronegócio, pois nosso alvo principal são os latifúndios improdutivos e ociosos, que mantêm ainda à margem do mercado 130 milhões de hectares. Mas, à medida que íamos pressionando para o governo desapropriar essas áreas, quem veio em defesa do latifúndio foi agronegócio. No recente massacre de trabalhadores sem-terra em Felisburgo, Minas Gerais, quando o fazendeirinho assassino, Adriano Chafic, de apenas 37 anos, contratou 15 pistoleiros e num sábado ao meio- dia, sob um sol ardente, foi lá com seus jagunços e atirou nos companheiros que estavam acampados numa área pública, matou cinco e deixou treze sem-terra feridos, quem veio defendê-lo não foram os latifundiários, a Confederação Nacional da Agricultura (CNA) e nem a União Democrática Ruralista (UDR). Esses ficaram quietos, envergonhados. Quem veio publicamente em defesa do fazendeiro assassino foi o senhor Roberto Rodrigues, quando disse no Jornal Nacional: «Eu acho natural essa reação do fazendeiro, porque ele tem o direito de defender com armas a sua propriedade.» Ora, além da falsa retórica do ministro, o que há por trás disso é que o agronegócio dito moderno, imaginando que o mercado internacional estaria em crescimento infindável, avaliou que, para expandir as suas vendas externas, teria de ampliar a fronteira econômica sobre o latifúndio atrasado, e se o governo desapropriasse as terras improdutivas criaria uma barreira. E decidiu bater nos sem-terra, para que a reforma agrária não saia e o latifúndio permaneça como uma espécie de área de reserva para a expansão de seus negócios.
Gazeta Mercantil – As dificuldades externas do agronegócio não tornam sem sentido fazer reserva de valor com terras improdutivas?
Stédile – Eu acho que Deus é brasileiro. E quando Deus não funciona, porque muitas vezes fica dormindo, a dialética funciona e felizmente fomos salvos por ela. O ufanismo do agronegócio foi contestado pelas próprias contradições do desenvolvimento capitalista, a cotação internacional dos produtos agrícolas baixou, porque a tendência natural é de queda nos preços das commodities. Além disso, a ficha deve ter caído na cabeça de alguns deles, quando em outubro de 2004 estavam prestes a assinar um acordo de livre comércio entre o Mercosul e a União Européia, e mesmo entregando tudo, ouviram os europeus dizerem: «Estamos satisfeitos que não haja imposto e tarifa, mas vamos reduzir as compras de carne bovina em 100 mil toneladas por ano.» Não há expansão de mercado agrícola na Europa e Estados Unidos para o açúcar, laranja, café e mesmo para a proteína animal, porque eles já comem demais. A tendência do mercado consumidor de alta renda é ir para outro tipo de produto, porque o problema do rico não é fome, é obesidade. O grande mercado de expansão para alimentos é o Brasil, com 80 milhões de pessoas que comem mal, passam fome e são subnutridas. Todas as análises mostram que há 80 milhões de brasileiros mal alimentados. E basta aumentar o salário mínimo para ter fila nos supermercados, nas padarias e nos açougues. Evidentemente que nosso mercado só vai crescer com um projeto de desenvolvimento nacional que distribua renda e aumente o salário mínimo de R$ 260 para R$ 520, como Lula prometeu na campanha.
Gazeta Mercantil – A reforma agrária continua parada?
Stédile – Continua, por várias razões. O Estado brasileiro é conservador e organizado durante 500 anos para ser a vaca leiteira dos ricos, que acumulam mamando no dinheiro público. Mesmo gerido por um presidente comprometido com partidos de esquerda, o Estado não consegue atender às demandas dos pobres, não consegue contratar agrônomo para trabalhar nos assentamentos, o Incra não funciona e a Conab não tem sequer caminhão para comprar nossa produção nos assentamentos. Mas, a principal causa para a reforma agrária estar parada é que a equipe econômica do Palocci segue aplicando a política neoliberal que só interessa aos banqueiros e às grandes transacionais exportadoras. E é criticada por todos os economistas, desde o deputado Delfim Netto e até o professor Carlos Eduardo Carvalho, porque concentra a renda e só gera uma economia voltada para o exterior, sem repercussões no mercado interno. Os dólares das exportações acabam não entrando na economia, vão para o pagamento da dívida externa e não criam dinamismo no mercado local. No município de Goiás (GO), o maior exportador de algodão do Brasil, a população é pobre e a cidade de 15 mil habitantes virou um favelão, por que a riqueza do algodão exportado não volta para lá. Por tudo isso, elevamos o tom e estamos dizendo ao presidente Lula que, se não mudar a política econômica, a reforma agrária não se viabiliza e não haverá distribuição de renda. A economia pode até crescer, mas não vai desenvolver o País no sentido de a riqueza beneficiar a maioria da sociedade.
Gazeta Mercantil – Mesmo sendo uma reforma capitalista, pois distribui e fortalece a propriedade privada, a reforma agrária não se viabiliza no Brasil?
Stédile – A reforma agrária sempre foi bandeira republicana desde a Revolução Francesa, em 1789, seu objetivo é radicalizar a democracia e o Estado republicano tem que garantir a todas as pessoas o direito à terra, se quiserem trabalhar nela. Mas, como dizia Darcy Ribeiro, nos 500 anos de nossa civilização a elite brasileira nunca quis fazer reforma agrária e preferiu um modelo de desenvolvimento dependente. Mesmo na época do Getúlio Vargas, o nacional desenvolvimentismo fez uma industrialização dependente, como nos explicou o Florestan Fernandes, porque industrializou o País, mas dependente do capital estrangeiro, e criou uma indústria para um mercado interno limitado à minoria de classe média.
Gazeta Mercantil – O mercado brasileiro é muito restrito?
Stédile – O caso da produção de máquinas é o mais patético. Hoje estão arrotando com o agronegócio, que é moderno e o salvador da economia, mas com toda a pujança, e com os preços dos produtos agrícolas lá em cima, a indústria nacional de máquinas só vendeu 36 mil unidades, as outras 30 mil tiveram que ser exportadas. E isso ocorre por que desde o início implantamos um modelo de industrialização que não desenvolve o País, enriquece alguns e não distribui renda. É por essa razão que o MST, apesar de muitos nos chamarem de radical, é apenas um movimento republicano. Não somos um movimento socialista na acepção do termo. Queremos mudanças e somos radicais no sentido de ir às raízes dos problemas, mas não fiquem imaginando que somos comunistas e comemos criancinhas. A reforma agrária é apenas uma bandeira republicana para desenvolver nosso País, para que todo mundo tenha trabalho, casa, escola e renda para comer. E esperamos que os bons burgueses, os burgueses nacionalistas que pensam o Brasil, e a Gazeta Mercantil tem sido porta- voz de alguns deles, se conscientizem de que é possível construirmos uma sociedade democrática na qual todo brasileiro tenha garantido pelo menos esses direitos fundamentais: trabalho, escola, casa e pão. Afinal, há uma classe social burguesa formada por capitalistas brasileiros e a saída nessa etapa da História do Brasil é fazermos uma aliança entre os setores sociais empobrecidos, mas organizados, com os bons burgueses, que queiram desenvolver o Brasil.
Gazeta Mercantil – Qual o setor da indústria para essa aliança?
Stédile – Há diversos industriais que pensam um projeto para o Brasil. O próprio Antonio Ermírio de Moraes pensa o Brasil e pelo menos deve se lembrar do pai dele. Fiquei muito impressionado com a entrevista recente do professor Luiz Carlos Bresser Pereira para a Gazeta Mercantil. Tenho tido diálogos com o grupo da Fundação Semco (da empresa Semco, de Ricardo Semler, que escreveu «Virando a Própria Mesa»), que aglutinou a Fundação DNA Brasil, e percebo que há empresários brasileiros com consciência do Brasil. Alegro-me de ver o Iedi recuperando o que foi na origem o pensamento do Roberto Simonsen, de lutar por uma indústria para o Brasil. Tenho feito palestras na Associação Brasileira de Lojistas e constato que há um sentimento de brasilidade entre os pequenos empresários e comerciantes.
Gazeta Mercantil – Por que parte da mídia demoniza o MST?
Stédile – A maior parte da grande imprensa é um problema social e político para a sociedade brasileira, porque pertence a grupos econômicos que sempre utilizaram os meios de comunicação apenas para ganhar dinheiro, quando a própria Constituição brasileira diz que deveriam ser um serviço público útil à sociedade. Alguns enriqueceram, a exemplo do Roberto Marinho, que em trinta anos se transformou numa das maiores fortunas do mundo. A Rede Globo surgiu na época da ditadura e o Roberto Marinho é fruto da mais-valia social que o Estado transferiu para ele como uma espécie de pagamento pelos «bons serviços prestados» e permitiu que gerasse um império financeiro. Na Europa há regras que impedem o monopólio da mídia, para garantir que as informações sejam democratizadas. Mas no Brasil é o contrário, cresce o monopólio e a articulação entre eles. Falam mal do MST e temos que agüentar. Mas a reforma agrária não se resolve na imprensa. As contradições são outras, podem continuar falando mal o quanto quiserem do MST e nem por isso o movimento vai perder, nem nossa causa deixará de ser justa por conta da opinião deles.
Gazeta Mercantil – Uma parte da mídia também identifica a proposta de reforma agrária do MST como atrasada, não moderna…
Stédile – Os atrasados são eles; são ignorantes e não sabem o que é a reforma agrária. A nossa reforma agrária incorpora tecnologia e em todos os documentos do MST nunca defendemos uma reforma agrária do século passado, pois era para aquele tempo, só dividia a terra e a última delas foi a japonesa, feita pelo exército americano, em 1946. Hoje, só dividir a terra não tira os camponeses da pobreza e não os inclui na sociedade. Por isso, no atual estágio do desenvolvimento das forças produtivas, lutamos por uma reforma agrária de novo tipo, que divida a terra para construir novas relações de produção e sociais, mas que divida também o capital. E dividir o capital não é pegar a indústria do Antonio Ermírio de Moraes e dividir. Mas, sim, dividir a acumulação da mais-valia, que está no Estado, é de todos, e que hoje volta de forma concentrada para os bancos. O capital social que está no Estado precisa chegar também aos camponeses, na forma de financiamento da produção e das cooperativas e, sobretudo para instalação de agroindústrias, que é o símbolo da nossa reforma agrária. A nossa proposta é levar a agroindústria ao interior do País, para abastecer o seu próprio mercado e sair dessa concentração burra. É preciso também dividir a educação, pois o conhecimento liberta as pessoas. No século XIX, o Emiliano Zapata fez a reforma agrária no México com analfabetos, mas agora não dá mais. Temos de distribuir a informação, até porque, hoje, para desenvolver as forças produtivas na agricultura, é preciso ter conhecimento, não pode ser mais com boi e enxada.
Gazeta Mercantil – A exportação, principalmente de produtos industrializados, não gera divisas para o País?
Stédile – Evidentemente nos interessa a exportação de produtos industriais com valor agregado, como faz a Embraer. Mas, devemos evitar que se exportem produtos agrícolas e matérias-primas sem nenhum valor agregado. No caso do minério, por exemplo, exportamos bolotas, das quais só se tira a terra, e entregamos de presente aos chineses por US$ 30 a tonelada e quando chega na China vale US$ 130. Isso é estupidez, não podemos jogar fora tantos recursos naturais que poderiam ser usados para desenvolver nosso País, produzir igualdade e bem-estar social. E recomendo à nossa burguesia tomar umas aulas com o Delfim Netto e estudar de novo John Maynard Keynes, pois dizia que a essência da economia, para garantir a soberania de um país, é organizar a produção para atender em primeiro lugar às necessidades de seu povo. Keynes foi quem nos advertiu de que as instituições do acordo de Bretton Woods só iriam carrear a riqueza do mundo para os Estados Unidos. E tinha razão, porque estamos vendo que os Estados Unidos estão com o maior déficit público e comercial do mundo, e temos que trabalhar para sustentá-los. A burguesia precisa ler Joseph Schumpeter, e estou citando só a turma dos capitalistas iluminados. Não é preciso vir para os marxistas, esses nós estudamos também.