Trabalho forçado. Servidão involuntária. Cativeiro. Superexploração. Cárcere privado. Quase escravo. Semi-escravo. Escravidão branca. Subumano. Regime Forçado. Trabalho degradante. Escravidão da miséria. Entre 1972 e 2002, a imprensa brasileira usou 25 maneiras diferentes de se referir ao que hoje é definido pelo Estado brasileiro como «trabalho escravo», termo empregado em 1995 pelo então presidente Fernando Henrique […]
Trabalho forçado. Servidão involuntária. Cativeiro. Superexploração. Cárcere privado. Quase escravo. Semi-escravo. Escravidão branca. Subumano. Regime Forçado. Trabalho degradante. Escravidão da miséria. Entre 1972 e 2002, a imprensa brasileira usou 25 maneiras diferentes de se referir ao que hoje é definido pelo Estado brasileiro como «trabalho escravo», termo empregado em 1995 pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso numa entrevista radiofônica. Fernando Henrique, na ocasião, ainda fez uma distinção: o que difere a forma atual de escravidão daquela do século 19 é que o escravo do passado sabia quem era seu senhor e o atual não sabe.
Aquilo que o padre Antônio Vieira demonstrava ser uma «perversão da igualdade da natureza», a categorização do ser humano em senhor e escravo, é o tema de um grande estudo hoje publicado pela editora Civilização Brasileira, «Pisando Fora da Própria Sombra – A Escravidão por Dívida no Brasil Contemporâneo», de Ricardo Rezende Figueira.
Figueira, que é padre, trabalhou durante 20 anos na Diocese de Conceição do Araguaia. Doutor em Ciências Humanas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, publicara anteriormente pela editora Vozes o livro «A Justiça do Lobo: Posseiros e Padres no Araguaia e Rio Maria: Canto da Terra».
No Pará, entre 1969 e 2004, foram identificadas 445 fazendas que utilizaram o recurso do trabalho escravo. Essas fazendas são identificadas em gráfico no trabalho do padre Figueira, que se vale também de um apurado trabalho de medir as diferentes motivações – tanto de peões, «gatos» (os aliciadores da mão-de-obra e fazendeiros) na aplicação desse sistema.
Entre os peões, apesar de considerar que o fim das coisas é sempre o mesmo, sempre a barbaridade da exploração, o padre Figueira também registra a contradição. «Alguns resistiam, outros aderiam por medo, por dúvida, por senso de oportunidade ou conversão à lógica daquele sistema de trabalho, considerando-o justo.»
Gatos – O mecanismo de ascensão, assinala o autor, é encontrável nos mecanismos de «atravessamento» da atividade, e os gatos (empreiteiros contratados pelos fazendeiros, em geral homens armados e violentos) podem ser subdivididos em diversas categorias, como o reta-gato e o gatinho. O poder dos empreiteiros pode ser ampliado. Alguns adquirem terras e se tornam médios proprietários, comerciantes, donos de garimpos e entram na vida política.
A maior parte desses «gatos» e empreiteiros passou e ainda passa incólume pelo cerco da Justiça, pelas condições geográficas e políticas das regiões onde atuam, ou pela própria conivência das autoridades.