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Entrevista a Eurico Figueiredo

«O Brasil não vai bem»

Fuentes: Jornal do Brasil

Orgulhoso do confortável apartamento, no Bairro Peixoto, Copacabana, que montou à custa de anos de trabalho, Eurico de Lima Figueiredo ainda assim não hesita em assumir novos compromissos com a ciência política. Acumula, a partir deste mês, a função de coordenador da Pós-Graduação do curso à de coordenador-executivo do Núcleo de Estudos Estratégicos na Universidade […]

Orgulhoso do confortável apartamento, no Bairro Peixoto, Copacabana, que montou à custa de anos de trabalho, Eurico de Lima Figueiredo ainda assim não hesita em assumir novos compromissos com a ciência política. Acumula, a partir deste mês, a função de coordenador da Pós-Graduação do curso à de coordenador-executivo do Núcleo de Estudos Estratégicos na Universidade Federal Fluminense. De seus 58 anos, os últimos 34 dedicou a estudar o jogo do poder ensaiou entrar na política em 1982, coordenando a campanha de Miro Teixeira (MDB) ao governo do Rio, mas abandonou de vez a idéia quando o estado elegeu Moreira Franco (PMDB), em 1987. Gaúcho devido a uma das transferências de seu pai, que era militar, para o município de Cachoeira do Sul, Eurico Figueiredo tem hoje sotaque carioca.
Às vésperas do Natal, com a casa enfeitada, o estudioso formado pela UFRJ e anistiado político em 2002 concluiu que a população brasileira não percebe, em seu cotidiano e menos ainda nas compras de fim de ano, os supostos números positivos da economia brasileira, tão festejados em recentes discursos presidenciais e ministeriais. Num balanço da primeira metade do mandato de Luiz Inácio Lula da Silva, o especialista avalia que o governo, até aqui, só foi bom para as elites. Na política econômica, a frase de Lula que marcou sua posse, em 2002, pode ser hoje invertida, acredita o cientista político: Foi o medo que acabou vencendo a esperança , sentencia. O próximo ano será decisivo para os planos de reeleição de Lula, diz Eurico Figueiredo, e o presidente sabe disso. Sabe também e assim mostrou sabedoria política, acredita o analista que a democracia brasileira não está consolidada: O Exército não pode ser tratado a ferro e fogo .
– Lula fez recentemente uma reunião para que ministros apresentassem os principais projetos. A intenção seria bolar »a cara do governo Lula» com vistas a 2006. Que cara seria essa?

– O governo Lula é pragmático, do ponto de vista econômico e político, surpreendendo seus militantes e a sociedade. Ninguém supunha que ele fosse simplesmente avançar ou, como dizem alguns, continuar a política de Fernando Henrique Cardoso. Na medida em que ele passou a administrar a política macroeconômica de FH, conseguiu, perante certos atores, principalmente internacionais, uma grande confiabilidade. Há indicadores muito favoráveis ao Brasil: o dólar caiu; o risco-Brasil despencou; as exportações aumentaram. No entanto, ainda não há o quarto indicador favorável: o investimento estrangeiro continua de caráter especulativo, aquele que vem, aproveita-se da circunstância e vai embora. Do ponto de vista político, tudo o que o PT criticava nos governos anteriores passou a fazer: utilizar a máquina do Estado, a caneta e o Diário Oficial, a cooptação – em suma, todos os expedientes que caracterizavam a vida política anterior.

– Então é um governo pragmático e contraditório.

– Tão contraditório que chamo de esquizofrenia petista, em que a cabeça foi para um lado e o corpo da militância permaneceu o mesmo. Isso implicou uma amputação – do grupo que formou o P-SOL – que ele tem sido capaz de administrar com certo êxito, porque tem aprovado o que quer, haja vista a reforma da Previdência, que FH não foi capaz de fazer em oito anos. Ele fez em menos de dois. Uma reforma muito difícil, que penaliza os velhos. O que aconteceu com os funcionários públicos? Ao invés de terem seus salários aumentados, tiveram-nos reduzidos, porque passaram a pagar previdência. É uma injustiça social. O primeiro aspecto é pragmático. O segundo é uma indagação: Seria possível fazer diferente? Essa é a questão. Os críticos dizem que sim, que ele poderia ter uma política à la Kirchner, que barganhasse condições para que o acordo com o FMI não fosse tão severo e que pudéssemos ter condições para uma política de crescimento econômico. Tivemos, em 2003, uma política pífia de crescimento econômico. Parece que agora não foi negativo, houve alguns resultados positivos, mas aqueles com efeitos sociais, não. A massa salarial do trabalhador diminuiu e o desemprego cedeu muito pouco.

– Lula deu declarações otimistas nas últimas semanas, exaltando números positivos da economia nacional.

– São positivos para os setores tradicionalmente beneficiados pela economia, para as elites. A agroindústria e o setor financeiro estão ótimos. A indústria cresceu um pouco. Mas não houve ainda condições de esses efeitos chegarem à sociedade como um todo, nem à classe média. Tenho perguntado às pessoas, nas compras de Natal, se agora está melhor do que no ano passado. Por incrível que pareça, dizem que está igual ou pior. Ou seja, não bate o que eu vejo e leio. Temos uma política econômica que é extremamente restritiva e excludente. Quem está satisfeito com ela? Pouquíssimos. O próprio setor produtivo está fora porque com esses juros não tem espaço para crescer. A massa de trabalhadores não está satisfeita. A classe média, com uma carga tributária enorme. Para não falar no setor informal ou nos excluídos, os sem-terra. Quem está dentro e fora? Os de dentro são os de sempre.

– O governo foi bom até agora para as elites?
– Sim. Tem contado com apoio muito grande de certos setores do sistema de comunicação. Alguns poucos jornais são mais críticos. Há explicações financeiras, econômicas para isso, mas o Brasil não está bem.

– Assistimos neste fim de ano a uma ruptura das alianças que ajudaram a pôr Lula no poder: PMDB, PPS… O que isso significa?

– Significa, primeiro, que precisamos de reformas. Na medida em que o grande administrador da política é o Diário Oficial, com nomeações e recursos liberados, as pessoas vão de um partido para outro em função de suas conveniências pessoais, e não do país. É preciso um sistema partidário mais representativo. Em segundo lugar, os atores políticos farão a grande aposta este ano. Se o Brasil cresce, a posição do governo fica forte, portanto a expectativa de se prolongar no poder é maior. Essa expectativa cria uma espécie de gravidade política, que aglutina os partidos e dá mais sustentabilidade ao governo. Por outro lado, temos observado indicadores de que a disputa será acirrada.

– Essa instabilidade é um risco para os planos de reeleição de Lula?
– As disputas dentro do PMDB significam que estão pensando: »Temos condições de chegar lá». Há uma posição do PPS: »Podemos lançar outros candidatos que vêm por fora, Cristóvam Buarque ou Jefferson Peres, dois homens íntegros». Supõe-se ainda uma junção com o PDT. Por outro lado, o PFL está fomentando a candidatura de Cesar Maia. Significa que o partido pretende ser uma opção.

– O que esperar do Congresso em 2005?
– A regra é que o primeiro ano seja muito bom, porque o presidente está com a faca e o queijo na mão, leia-se a caneta e o Diário Oficial, e ainda não tem desgaste. O segundo ano é problemático, porque começa a chegar à metade do caminho e ainda tem eleições municipais. O terceiro é o decisivo para o governo. O que ele fizer se projeta no quarto. As eleições serão em outubro de 2006 e as convenções são entre abril e junho: ou seja, serão só quatro meses para arrumar as forças políticas no último ano. Então, 2005 para Lula será vital, e ele sabe disso. Esse pragmatismo dele tem dado muito certo. Tenho um amigo da bolsa que detestava o Lula e disse agora que vai botar uma estátua do presidente em casa: »Nunca ganhei tanto». Acredito que Nova York pense a mesma coisa. Lula terá muito apoio. Mas ele não nos apresentou um projeto de nação, não mostrou se fará alguma coisa para resgatar a grande dívida do país, que é a social.

– Neste segundo ano de governo, caiu, de certa forma, a bandeira da ética sustentada pelo PT: caso Waldomiro Diniz, escândalo dos »vampiros», operações da PF que revelaram envolvimento de integrantes do governo em corrupção.
– A corrupção existe e o ser humano é suscetível. O poder realmente corrompe e o poder absoluto corrompe absolutamente. Existia esse puritanismo no PT, do »nós não fazemos». O Sartre usava a expressão »prostitutas respeitosas». O PT não foi uma renovação nos costumes políticos brasileiros. Uma das coisas que caracterizava o governo Lula era a plataforma social, mas ele propõe o programa Fome Zero, que é tão complexo que não fez nada. Aí, começou a fazer aquilo que criticava no Anthony Garotinho (PMDB), a farmácia popular.

– Como avalia as atitudes de Lula em relação aos registros do período militar?

– Ele percebeu que a construção da democracia é muito mais complexa do que se supõe. O episódio da nota do Centro de Comunicação do Exército (que chamou de »revanchismo» a divulgação de imagens de torturados) foi emblemático. O certo teria sido ele demitir todos, o ministro da Defesa, o comandante do Exército e o do Centro de Comunicação, porque deram a nota à revelia do presidente. Lula viu-se obrigado a conciliar. Aqueles que achavam que a democracia estava consolidada tiveram de reler a situação. Não podemos tratar a corporação militar a ferro e fogo nem podemos deixar de prosseguir na marcha rumo à democracia.

– A democracia não está sólida?
– Não. Politicamente, só estará consolidada quando todas as instituições da sociedade, inclusive as militares, estiverem subordinadas ao princípio da República. Obedece-se ao presidente da República porque todos admitiram o resultado do pleito.

– Foi um retrocesso manter no cargo o autor da nota do Exército?
– Não, mostrou que Lula entendeu que não tinha força política para tomar uma posição. Foi sabedoria política, porque ele poderia ter ocasionado uma grande crise institucional. Quem achou que já vivíamos independentes da nossa história republicana errou. Os militares continuam sendo importantes. O presidente Lula sabe disso.

– O que falta para se consolidar a democracia no Brasil?
– O que vai legitimar a democracia entre nós, no Brasil e na América Latina como um todo, é a questão social: uma democracia que não seja apenas retórica mas um instrumento de modificação social. Todos os governos, de 1985 para cá, devem isso. Lula prometeu mais. Criou uma expectativa maior do que os outros.