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O caso Herzog e a fala do general

Fuentes: Rebelión

O governo Lula está diante de duas situações no mínimo delicadas. A fala intempestiva e absurda do general Augusto Heleno Ribeiro, comandante das tropas de ocupação no Haiti e a divulgação de fotos de Wladimir Herzog, assassinado pela ditadura militar em 25 de outubro de 1975, nas dependências do DOI-CODI, em São Paulo. O presidente […]

O governo Lula está diante de duas situações no mínimo delicadas. A fala intempestiva e absurda do general Augusto Heleno Ribeiro, comandante das tropas de ocupação no Haiti e a divulgação de fotos de Wladimir Herzog, assassinado pela ditadura militar em 25 de outubro de 1975, nas dependências do DOI-CODI, em São Paulo.

O presidente cobrou do ministro da Defesa explicações sobre a fala do general e sobre a nota do comandante do Exército, general Francisco Albuquerque, a propósito das fotos divulgadas via Internet dos momentos que antecederam a morte de Herzog.

A nota desagradou a Lula. O general Albuquerque fala em defesa do golpe militar de 1964, segundo ele ação das forças armadas «debaixo de grande clamor popular» e defende os procedimentos adotados no caso do jornalista assassinado: «as medidas tomadas pelas Forças Legais foram uma legítima resposta à violência dos que recusaram o diálogo, optaram pelo radicalismo e pela ilegalidade e tomaram a iniciativa de pegar em armas e desencadear ações criminosas».

Para Lula a nota dá a impressão que o Brasil ainda é governado pelos militares e com as mesmas características de violência e truculência do regime.

O ministro José Viegas, cuja saída vem sendo anunciada de tempos em tempos por falta de comando sobre os militares, após conversa com o presidente disse que vai pedir explicações tanto ao general comandante das forças invasoras no Haiti, como ao comandante do Exército.

Augusto Heleno Ribeiro, o general do Haiti, já se antecipou e disse que foi «mal interpretado». Para o governo, no entanto, o general não poderia ter falado sem consultar seus superiores. E, entre eles o ministro da Defesa. Não compete ao general dar palpites sobre políticas do governo ou tomar posições como as que tomou, já que apenas um funcionário designado para funções específicas. Nada mais que isso.

Wladimir Herzog trabalhava na Tevê Cultural de São Paulo onde foi procurado na véspera de sua morte por dois agentes do DOI-CODI e intimado a prestar esclarecimentos sobre sua ligação com o Partido Comunista Brasileiro. Combinou com os agentes comparecer às dependências do «açougue» no dia seguinte e de fato o fez.

Na manhã de 25 de outubro o comando militar de São Paulo anunciou que o jornalista havia se suicidado. O velho e clássico enforcamento com um cinto. Já àquela época o fato chocou o País e pouco tempo depois a morte de Manoel Fialho, um operário, nas mesmas condições e no mesmo lugar, levou o presidente/ditador Ernesto Geisel a demitir o comandante do II Exército, general Ednardo de Mello, diante da repercussão desastrosa do fato.

As fotos divulgadas pela Internet e publicadas no jornal «Correio Braziliense», de Brasília, mostram Herzog nu numa cela do DOI-CODI. O jornalista, que era judeu, foi sepultado em um cemitério da comunidade judaica do Brasil, na cidade de São Paulo, na área reservada às mortes ditas normais. Há um setor específico para suicidas. O rabino Henry Sobel, à época, declarou haver constatado no corpo de Herzog sinais de tortura e percebido que não era como oficialmente se pretendia um caso de suicídio.

A autópsia feita pelo médico Harry Shibata, a estrela da repressão no Brasil, em cada dez casos de mortes estranhas em prisões da ditadura era convocado a assinar laudos dando o veredito de suicídio, em pelo menos onze. Teve seu registro cassado depois do fim da ditadura.

O deputado federal do PDT, Mário Heringer, presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, disse que vai propor a reabertura das investigações sobre mortos e desaparecidos no período da ditadura militar. Admitiu que as fotos estavam nos documentos da Câmara e o jornal teria publicado cópias das cópias, o que acaba garantindo a autenticidade das mesmas.

O atual ministro dos Direitos Humanos, Nilmário Miranda, do PT, foi presidente daquela comissão e, seu trabalho fui fundamental para que muitos fatos e casos de tortura e assassinatos em prisões da ditadura viessem a público. O assunto, segundo Mário Heringer, vai ser encaminhado ao governo para uma tomada de posição.

Um dado interessante no caso: as fotos foram enviadas ao ex-presidente Fernando Henrique e ao seu então ministro da Justiça, Íris Resende (candidato do PMDB a prefeito de Goiânia e disputando o segundo turno), além do secretário de Direitos Humanos, José Gregori, sem que nenhuma providência tivesse sido tomada. Pelo contrário. O assunto foi escondido do público.

Clarice Herzog, mulher de Wladimir, logo após o enterro do marido, afirmou à imprensa que iria buscar reparação na Justiça. Clarice disse que não estava pensando em indenização pecuniária, mas em deixar consignada nos anais do Poder Judiciário uma condenação explícita do regime por tortura e morte de prisioneiros sob sua guarda.

Essa explicação veio em resposta a críticas de setores da esquerda que não concordavam com ações no Judiciário, por entender que isso cingia a luta às regras do regime.

A sentença foi dada e confirmada por tribunais superiores. O registro da morte de Wladimir Herzog por tortura nas instalações do DOI-CODI de São Paulo está no processo movido por Clarice.

Grupos de familiares de presos políticos da ditadura militar criticaram o governo Lula, assim que as fotos foram divulgadas, pela lentidão nos processos de indenizações e mesmo busca de dados sobre vários desaparecidos e ainda não localizados. O caso mais conhecido é o do ex-deputado Rubem Paiva, assassinado nos primeiros momentos do golpe, na sede do DOPS, outro «açougue» da ditadura, esse no Rio de Janeiro.

A reação de Lula sinaliza na direção de uma crise entre o governo e os militares que, até hoje, não admitem ter agido fora do estado de direito e tampouco aceitam o rótulo de torturadores. O assunto ainda é tabu no Brasil. Vai surgindo aos poucos, como agora, sugerindo um novelo cheio de nós e que vai se desenrolando gradativamente.

Em 1987, o deputado Pimenta da Veiga, tucano, apresentou uma proposta à Constituição então sendo discutida, que tornava públicos documentos oficiais no País no limite máximo de 25 anos. Pimenta da Veiga, ao sentir a reação dos militares e bem ao seu estilo de total falta de caráter, declarou que a proposta «era só para causar polêmica». Foi ministro das Comunicações de FHC.

O próprio FHC, visando resguardar qualquer revelação sobre seu governo, o mais corrupto da história do País, baixou decretos assegurando que nada viria a público, pelo menos enquanto estivesse, ele, correndo riscos. A versão brasileira de Menem garantiu inclusive uma lei de foro privilegiado, com aval de Lula, para não ser preso assim que saísse do governo.

Como Lula vai fazer para resolver o problema não sei. O presidente tem caminhos naturais. Primeiro, no caso do general, demiti-lo do comando das tropas invasoras no Haiti. No caso Herzog, dos presos políticos torturados, assassinados e dos desaparecidos não existe outra alternativa que não trazer ao conhecimento geral todos os acontecimentos. Todos os documentos existentes.

É época de colocar a nu o período da ditadura militar, como começa a acontecer em vários países da América do Sul, ou já acontece, faz tempo, caso da Argentina (apesar da lentidão alguns generais e oficiais torturadores estão presos).

A única impunidade existente é a dos torturadores e não como afirmam remanescentes da ditadura, dos que teriam se oposto ao regime.

Pela natureza do governo Lula o embate com os porões da ditadura ainda bem vigilantes e atuantes é difícil e não deve acontecer. No máximo um bode expiatório, pode ser o general Augusto Heleno Ribeiro. O resto panos quentes.

Se o governo tiver ainda o menor compromisso com a história do presidente e do seu partido não vacila.

Boa parte das investigações sobre a Operação Condor, que eliminou líderes exilados latino-americanos, caso do general Pratts, opositor de Pinochet, ou do ex-presidente boliviano Juan José Torres, está encravada na dificuldade de obter dados no Brasil. A couraça em torno dos ditadores e dos torturadores continua quase impenetrável.

O brasileiro Leonel Brizola não chegou a ser assassinado, como estava determinado, já que, antes do crime, o presidente dos Estados Unidos, Jimmy Carter ofereceu asilo e garantias a ele. Até hoje não existe uma conclusão sobre a morte do ex-presidente do Brasil, Juscelino Kubistchek, morto em condições misteriosas num acidente de trânsito, na estrada que liga São Paulo ao Rio de Janeiro.