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O Império que não cabe em si e o Mundo que cabe na Doutrina Bush

Fuentes:

Que mundo é esse que absorve tão complacentemente uma ordem internacional construída à base da mentira, do suborno e da força bruta? Um mundo que se diz livre mas que se submete, resignado, a uma tirania financeira e militar em nome dessa mesma liberdade. A reeleição de George W. Bush legitima um sistema de vigilância […]

Que mundo é esse que absorve tão complacentemente uma ordem internacional construída à base da mentira, do suborno e da força bruta? Um mundo que se diz livre mas que se submete, resignado, a uma tirania financeira e militar em nome dessa mesma liberdade. A reeleição de George W. Bush legitima um sistema de vigilância e de entabulamento da vida pública, legitima o direito de atacar antes de ser, ou mesmo, poder ser atacado, legitima uma nova corrida armamentista coordenada por grupos mafiosos, legitima massacres preventivos em qualquer parte do mundo. Então devemos bater palmas, também preventivamente?

A Doutrina Bush foi entronizada como Doutrina-Mundo. Os neoconservadores transformaram suas idéias fascistóides em idéias dominantes ajustando o cenário norte-americano e global,contando com a ação inteligente e profissional de seus terroristas de aluguel, camuflados como «cruzados muçulmanos anti-ocidentais».

A claquete oficial

Diante da notícia da reeleição, primeiro alivio, depois júbilo nas altas rodas. As bolsas subiram em forma de brinde ao anfitrião. Tiranias e máfias franqueadas, Governos de Israel e Rússia, celebram a prorrogação de seus pactos de sangue e dinheiro. Arafat tinha que morrer, ou não tinha mais porque viver, depois dessa notícia; e assim foi. Os Governos da Europa não moderaram suas saudações pois W.Bush prometera repartir devidamente, com os capitais europeus, o espólio do Iraque e de outros países que venham a ser marcados com o estigma de integrante do «eixo do mal». A China, tornada plataforma produtiva das transnacionais e maior gestora mundial de gado humano, enviou circunspetos cumprimentos ao Chefe por sua recondução.

O Governo brasileiro, do qual se esperava pelo menos alguma eqüidistância, enviou «calorosas felicitações» ao companheiro Bush. Lula, que cumpre um papel sub-imperialista bastardo no Haiti, comemora em sua mensagem «a convergência e aproximação entre Brasil e os EUA». Associando-se voluntariamente ao predador-mor, a presa, dócil e auxiliar, faz por merecer não ser devorada.

O senso comum que triunfa

E quanto à reação «popular»? Afora os pequenos recortes de organização independente e de pensamento crítico, crescentemente isolados e criminalizados, só se viu benevolência diante da consolidação da Ordem Imperial. A «feminilidade», na acepção clássica, da sociedade é proporcional à impenetrabilidade dos círculos concêntricos do capital. As oligarquias financeiras e seus aparatos bélicos vão cuidar dos negócios e do mundo para nós todos, que domesticados nos restringimos ao gineceu das coisas intercambiáveis. Ali ficamos, ansiosos e receptivos, à espera de mais um novo ciclo de mercadorias «fabulosas», resultado das inovações tecnológicas e organizacionais que virão na esteira da Guerra Global ao terrorismo». GWT para os controladores do Pentágono, ou «essa nova guerra que está tendo aí» como prefere, ou consegue, dizer o grande público.

Depois de todas as tradições engolidas e recicladas como lixo cultural viramos um plácido vomitório a espera do próximo esguicho. Até as emanações mais radicalizadas do liberalismo americano são facilmente deglutidas e mercadorizadas, como por exemplo a crítica cinicamente escandalizada de Michael Moore. Não é mera casualidade que o mercado tenha literalmente comprado o discurso feminista e o das chamadas minorias étnicas e sexuais. A ótica emergente desses segmentos é instrumentalizada para sustentar o triunfalismo de uma civilização de consumo incapaz de se justificar por outros meios.

Nossas mulheres seriam mais livres que as deles? E o black power então, seria a Condoleeza? Quanta honra pertencer a um mundo que jogou fora todos os papéis coletivamente construídos em função de clichês disseminados pela mídia! Podemos ser o que quisermos desde que façamos exatamente o que o onipotente Mercado determinar. Quem são os «fanáticos suicidas» mesmo?

A letargia sôfrega do refém

A futilidade se esparrama em todas as direções, sem salões ou cortes que consigam confiná-la. Ser chique é ser planejadamente fútil, ou seja, como devemos estar «em dia» com nosso padrão de consumo. Aos poucos vamos todos virando estéreis primadonas administrando uma combinação «originalíssima» de estilos de vida, e respectivas marcas, escolhidos no shopping mais próximo.

Naturalmente o lugar a que todos devem afluir para poderem escolher e atualizar o que são e como devem ser. Espelhos distorcidos por todas a partes capturam de nós os fragmentos que convém. E assim nos vemos neles, inteirados e pontilhados a partir de expectativas já construídas. A vitrine, sempre mais viva que tudo ao redor, consumidores e seus gostos natimortos, diz quem comanda. Não são os marketeiros dedicados à venda final que manipulam, eles só fazem sinalizar atalhos, facilitando a captura e fidelização de mais um nicho de mercado. A tarefa do marketing , a de se pensar o campo de influencia e o escopo de identificação de uma mercadoria, instalou-se nos centros decisórios últimos. Serviços e produtos são concebidos para serem veículos de poder e controle.Tanto mais somos rebocados e tripulados pelas mercadorias quanto mais nos impregnamos delas e as utilizamos como mediadoras exclusivas de nossas emoções.

Uma população assim, que perdeu a capacidade de produzir suas mediações culturais, torna-se refém daqueles que controlam os instrumentos de socialização e de auto-interpretação dos indivíduos. Como reféns estamos virtualmente exterminados, pois nunca sabemos onde e quando poderá explodir uma bomba ou quem será o próximo decapitado. Nossas vidas não estão nas mãos dos nossos seqüestradores oficiais mas, sustentadas por um fio, nas daqueles que pretensamente os combatem.

O inominável tem nome

O 11 de setembro é o mito de origem de uma globalização baseada na miserabilização dos povos e no patrocínio da guerra permanente. A ordem mundial anti-terror rememora e magnifica sua gênese.Presta homenagem à perseguição que lhe confirma e magnífica. A invasão do Afeganistão e do Iraque que lhe são sucedâneos, procuram prolongar seus efeitos.

Os seqüestros de militares e civis dos países aliados dos EUA e as sabotagens na infra-estrutura produtivo-comercial das transnacionais que operam no Oriente Médio servem para que os Governos convençam seus «públicos internos» a radicalizarem a ofensiva contra os «terroristas», na mesma medida. Abafam os últimos muxoxos contra o envio de tropas e ainda acertam a fatia correspondente dos novos cotistas que passam a investir na guerra. O terrorismo,intencionalmente, anômalo produz instituições e regras políticas compatíveis com ele. Só a supremacia de um Império mundial anti-terror pode proporcionar estabilidade para os negócios e para o «lazer». O inimigo, previsivelmente, imprevisível que ameaça tudo que nos é familiar e conhecido exige, às inversas, um novo mundo em que ele não mais precisará existir. Os comparsas mercenários da AlQaida e outras sub-redes, fantasiosamente apocalípticas, estão, na verdade, construindo pari passo um novo renascimento.

Os EUA trarão «democracia, desenvolvimento mercados livres e livre comércio para todos os cantos do mundo». «Democracia» das intervenções unilaterais e globalização privatista são de hora em diante os únicos modelos «aceitáveis», diz a Doutrina que nos governará por séculos e séculos. Amém?

Sociólogo, membro da ATTAC-Brasil. [email protected]