O deputado José Bonifácio, da antiga banda de música da UDN e uma das figuras de destaque no regime militar (o tal a quem recomendaram que fosse mais Andrada que Zezinho e não adiantou, morreu Zezinho), costumava dizer que «emprego de deputado é o melhor do mundo». E explicava: «não tem horário, o patrão está […]
O deputado José Bonifácio, da antiga banda de música da UDN e uma das figuras de destaque no regime militar (o tal a quem recomendaram que fosse mais Andrada que Zezinho e não adiantou, morreu Zezinho), costumava dizer que «emprego de deputado é o melhor do mundo». E explicava: «não tem horário, o patrão está longe, só precisa ir atrás dele de quatro em quatro anos e ganha bem».
A democracia como aprendemos e a conhecemos está falida. É farsa. Esse diagnóstico não é só de José Saramago, mas de qualquer um com o mínimo de bom senso.
O Congresso Nacional, por exemplo. É como sino de madeira. Por mais que badale, não ecoa. Clube de amigos e inimigos cordiais, onde os que teimam em desafiar a ordem natural das coisas acabam num canto, sem espaço, tragados pela voracidade mesquinha da política do dia a dia. Um ou outro consegue escapar. Se isso acontece, ganha logo epítetos do tipo radical, inconseqüente, estrela, como estão tentando fazer com a senadora Heloísa Helena, que ousou desafiar o mandatário maior, investido de poder e luminosidade divinos.
Para ser ter uma idéia do que significam eleições, basta dar uma olhada na imensa e esmagadora maioria de candidatos a vereador nas muitas cidades brasileiras. É ano de eleições municipais. É outro emprego atraente.
A disputa ganha um caráter ridículo. Há um candidato, deve ser um sujeito direito, lógico, mas sem a menor noção de nada, que pichou os muros de sua região com a sua marca registrada: «fulano, frango da Vânia». Outro: «beltrano dos remédios». E vai por aí afora.
O que faz um vereador? A exceção daqueles que usam o mandato para o trabalho de organização e formação no movimento popular, os outros, a esmagadora maioria, não faz nada. Ou por outra: distribui remédios, paga enterros, dá cestas básicas, o clientelismo políticos mais deslavado e praticado à luz do dia sem qualquer preocupação em esconder tal prática.
Os que entendem o mandato como instrumento para a construção de um outro mundo possível tentam nadar no pântano da política mesquinha e sobreviver em meio à mediocridade.
Numa determinada Câmara Municipal houve, em legislaturas passadas, quem quisesse aprovar um projeto de lei que obrigava os cavalos e burros que puxam carroças e transitam pelas ruas a usar fraldas.
É relevante entender o quanto custa um mandato de vereador numa cidade de porte médio e nas grandes cidades. A percepção da falência das câmaras municipais como instituição de representação popular fica mais visível aí.
Para se ter uma idéia, desde o advento da nova lei de propaganda gratuita, os candidatos aparecem nos programas de televisão, sobretudo nesses, em rápidas tomadas, proclamando suas virtudes. Aquelas que falei: cestas básicas, bolsas de estudo, remédios, etc. E pagam uma nota, pois a tal propaganda é montada como se fosse um comercial para vender sabão em pó, ou refrigerante, ou cerveja, custa caro.
O sujeito estufa o peito e diz: «eu sou fulano dos remédios, todos os dias atendo e distribuo remédios à população carente, me ajude a continuar fazendo isso». E lógico, que ninguém é de ferro, um baita salário.
A luta por conselhos populares como forma de representação no âmbito dos municípios é uma das tarefas do movimento popular. Não há sentido em manter câmaras com custos elevadíssimos, discutindo sexo dos anjos e praticando uma política sórdida, que só serve aos donos, às elites.
Numa determinada legislatura, uma vereadora resolveu distribuir cadernos, lápis de cores e lápis comuns com borrachas. A fila foi interminável. Foi obsequiada por um a empresa que ganhou obséquios, por outro lado, do marido, então prefeito da cidade. Como se registrassem protestos, à noite, na sessão do legislativo, foi definitiva: «você está é com inveja do meu sucesso».
Sucesso. Essa a palavrinha chave. ´
O exercício do mandato popular se mede em torno do sucesso.
A sociedade capitalista não é só podre. É também ridícula, mas isso muda pouco.
Essa constatação sozinha não leva a lugar nenhum.
É necessário começar a discutir questões como essa no limite dos municípios. Ali está a realidade do dia a dia. O cotidiano de cada um. A família, o emprego, o lazer, o resto. Estado e União são ficções jurídicas que só serão modificados se modificada também a base.
As eleições serão em outubro. Até lá vamos conviver com muita coisa séria, muitas disputas importantes, mas que, na estrutura jurídico e institucional do País, não vai levar a lugar nenhum.
A maior parte está atrás do melhor emprego do mundo.