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O novo sindicalismo na Venezuela

Fuentes: Rebelión

O referendo revogatório na Venezuela, marcado para 15 de agosto, terá a participação de um movimento há muito distante das causas populares nesta nação vizinha – a do sindicalismo classista que, finalmente, retornou ao cenário político. A recém-fundada União Nacional dos Trabalhadores (UNT) está plenamente engajada nas «patrulhas eleitorais», instrumento unitário forjado pelo povo venezuelano […]

O referendo revogatório na Venezuela, marcado para 15 de agosto, terá a participação de um movimento há muito distante das causas populares nesta nação vizinha – a do sindicalismo classista que, finalmente, retornou ao cenário político. A recém-fundada União Nacional dos Trabalhadores (UNT) está plenamente engajada nas «patrulhas eleitorais», instrumento unitário forjado pelo povo venezuelano para alistar novos eleitores e divulgar o «no» à revogação do legítimo mandato do presidente Hugo Chávez. A jovem central sindical está liderando a campanha «tirem as mãos da Venezuela», em defesa da democracia, da soberania nacional e da justiça social, contra as oligarquias golpistas e a ingerência do imperialismo estadunidense.

Segundo Stalin Pérez Borges, dirigente da central, «as nossas organizações de bases, que agrupam quase dois milhões de trabalhadores vinculados à UNT, têm centenas de milhares de seus afiliados participando das patrulhas eleitorais… Todos concordam que o inimigo principal do nosso processo revolucionário, que conspira neste referendo, é o energúmeno George Bush, que habita a Casa Branca na espúria condição de presidente dos EUA. Ele é quem representa a ideologia e a estratégia dos opositores; os seus organismos e representantes legais e encobertos é que financiam e levam adiante a sua política e tática golpistas. Todos eles formam um complô imperialista e devem ser derrotados no referendo» [1].

Para a nova central, o referendo definirá o futuro do país e terá reflexos no continente. Por isso, a UNT está «convidando os dirigentes sindicais classistas e internacionalistas do mundo inteiro para que nos acompanhem nesta decisiva batalha, que não é apenas eleitoral, mas sim uma profunda expressão da luta de classes». Como resposta à ação do Centro Carter e da OEA, que insistem em desestabilizar o governo de Hugo Chávez, a central pretende facilitar o acesso à capital de entidades sindicais, movimentos sociais e personalidades democráticas de vários países para que presenciem in loco o referendo. «Assim, nós poderemos demonstrar a justeza da nossa consigna: ‘A luta é pela humanidade e por nosso futuro'».

VIRADA HISTÓRICA

A União Nacional dos Trabalhadores teve sua origem em 5 de abril de 2003, num ato político em Caracas que unificou várias correntes sindicais contrárias à ação direitista e corrupta da Central dos Trabalhadores da Venezuela (CTV). Num primeiro momento, ela teve a adesão da Força Bolivariana dos Trabalhadores, Autonomia Sindical, Bloco Sindical Classista e Democrático, de sindicatos democráticos e de expressivas federações regionais, como a do setor público, dos metroviários e dos químicos. O acordo unitário serviu como alavanca para o congresso de fundação da UNT, em 1 e 2 de agosto passado, com a participação de mais de 1500 delegados eleitos em todo o país, representando 120 sindicatos e 25 federações regionais.

O congresso firmou uma declaração de princípios enfatizando que a UNT é um «movimento autônomo, democrático, solidário e internacionalista, classista, independente e unitário». Também afirma que a nova central «luta pela transformação do sistema capitalista numa sociedade autogestionária» e por «um novo modelo de desenvolvimento anticapitalista e autônomo que emancipe os seres humanos da exploração de classe, da opressão, da discriminação e da exclusão». Entre outras bandeiras, ela defende a nacionalização dos bancos, o controle dos trabalhadores sobre as empresas fechadas pelos capitalistas, o não pagamento da dívida externa e a redução da jornada de trabalho para 36 horas semanais [2].

A partir da sua fundação e da postura classista em defesa da «revolução bolivariana», a UNT atraiu várias entidades antes vinculadas à CTV, que hoje é «praticamente uma casca vazia», segundo Orlando Chirino, outro dirigente da nova central [3]. Em 17 de abril passado, com a presença de 4 mil lideranças, a UNT lançou uma campanha com o objetivo de elevar o índice de sindicalização no país – passando dos atuais 15% para 80% dos trabalhadores venezuelanos. Já no 1º de Maio, ela comemorou outras duas importantes vitórias. A primeira foi o anúncio presidencial do aumento de 30% no salário mínimo e da extensão da proibição de demissões imotivadas nas empresas. A segunda, bastante festejada, foi sobre os avanços na incorporação à entidade da CUTV, outra expressiva central de oposição aos velhos burocratas da CTV.

O fortalecimento da UNT, que hoje já conta com a adesão de 500 sindicatos e 37 federações regionais – inclusive das duas maiores entidades representativas da estratégica categoria dos petroleiros (Fedepetrol e Sinutrapetrol) -, marca uma virada histórica no sindicalismo venezuelano. É fruto do processo de caráter revolucionário aberto neste país vizinho, especialmente a partir da eleição do presidente Hugo Chávez em dezembro de 1998. O avanço da chamada «revolução bolivariana», a mais radicalizada experiência de enfrentamento ao neoliberalismo na América do Sul, tem tido profundos impactos no mundo sindical. Ela forjou novas lideranças classistas e serviu para desmascarar a postura reacionária e burocrática da CTV.

DERROTA DOS GOLPISTAS

Durante 40 anos, desde a queda da ditadura do general Marcos Jimenez em 1958, a CTV foi sustentáculo do bipartidarismo que dominou o país, formado pela Ação Democrática (AD, social-democrata) e Comitê de Organização Política Eleitoral Independente (Copei, social-cristão). Aos poucos, seus dirigentes foram incorporados ao pacto conservador, com a missão de conter as lutas operárias e eliminar todos os focos de contestação ao regime. Como prêmio, centenas de «sindicalistas» da CTV receberam cargos nababescos em diretorias de institutos previdenciários, de autarquias estatais e até de bancos oficiais. Já as lideranças contrárias ao peleguismo foram excluídas das eleições sindicais, demitidas de seus empregos e, inclusive, assassinadas. A própria OIT registrou várias queixas contra a «ausência de liberdade sindical» no país [4].

A vitória de Hugo Chávez acabou com o sossego da corrompida burocracia sindical. Sem contar com uma consistente base social organizada, Chávez incentivou núcleos de oposição à CTV, apoiou a criação da Força Bolivariana de Trabalhadores e privilegiou as relações com a CUTV. Diante da furiosa reação dos pelegos, o governo convocou, em dezembro de 2000, um referendo para avaliar o papel do sindicalismo. Dos 2,63 milhões de votantes, 72,3% optaram pela «renovação das direções sindicais num prazo de 180 dias e a imediata suspensão de seus mandatos». Mas uma manobra da CTV, com ostensivo apoio da Ciosl (Confederação Internacional das Organizações Sindicais «Livres»), abortou este processo de renovação.

A direção ilegítima da CTV, eleita em novembro de 2001 num processo fraudulento não reconhecido pela Comissão Nacional Eleitoral, teve participação direta no golpe fascista de 11 de abril de 2002, aliando-se à poderosa federação patronal – Fedecamaras. No dia do golpe, Carlos Ortega, secretário-geral da central, liderou a passeata que marchou contra o palácio presidencial de Miraflores. Fracassado o golpe de estado, a partir de gigantescas manifestações populares pelo retorno de Hugo Chávez, a CTV passou a articular o «paro nacional», deflagrado em dezembro de 2002. Segundo recentes denúncias, esta paralisação recebeu financiamento direto do governo dos EUA através do Fundo Nacional pela Democracia (NED).

Esta nova ação golpista, na verdade um locaute patronal, causou enormes prejuízos à economia nacional – o PIB teve uma queda de 27% no primeiro semestre de 2003 -, mas também foi derrotada. A maioria dos sindicatos, inclusive dos petroleiros, colocou-se frontalmente contra a ação reacionária da CTV. Diante do fechamento das empresas, os trabalhadores as ocuparam e mantiveram a produção num processo de auto-gestão. Carlos Ortega teve a sua prisão decretada e se exilou na Costa Rica. Recentemente, ele participou de um protesto antichavista em Miami (EUA) e propôs a formação de grupos armados terroristas. Por este motivo, o governo da Costa Rica anunciou que pretende expulsá-lo do seu território.

Como afirma a UNT, «a direção ilegítima e não eleita da CTV, ao haver participado do golpe de estado de abril de 2002 contra o governo democrático do presidente Chávez e ao ter se aliado aos patrões no ‘paro nacional’ e na sabotagem petroleira de dezembro de 2002, perdeu o direito de representar os trabalhadores venezuelanos». Como se observa, o processo revolucionário na Venezuela abriu uma nova e promissora fase para o sindicalismo nesta nação vizinha, que agora se empenha na campanha pelo «não» no referendo de 15 de agosto e precisa contar com a nossa ativa solidariedade internacionalista.

* Altamiro Borges é jornalista, membro do Comitê Central do PCdoB, editor da revista Debate Sindical e organizador do livro «Para entender e combater a Alca» (Editora Anita Garibaldi).

NOTAS

1- Stalin Pérez Borges. «Un caracter antiimperialista e internacionalista en la Batalla de Santa Inés».

2- «A situación sindical en Venezuela». Boletim da UNT, maio de 2004.

3- René Benedico Luzón. «UNT: otro sindicalismo es posible». Rebelión, 08/07/04.

4- Altamiro Borges. «Golpismo e peleguismo na Venezuela». Vermelho, 22/12/02.