Luiz Inácio às vezes se parece com um hieróglifo. Será capaz de ser decifrado somente dentro de alguns milhares de anos por algum Champollion futurístico. Quer por incompleto – como a pedra Roseta – quer por seu impressionante esforço em se parecer algo compreensível ou identificável, sua leitura se torna impossível, ao menos se tentada […]
Luiz Inácio às vezes se parece com um hieróglifo. Será capaz de ser decifrado somente dentro de alguns milhares de anos por algum Champollion futurístico. Quer por incompleto – como a pedra Roseta – quer por seu impressionante esforço em se parecer algo compreensível ou identificável, sua leitura se torna impossível, ao menos se tentada dentro das técnicas e sob a luz da ciência e da psicologia do século XXI.
Só então, depois de decifrado, se descobrirá que a seqüência pt-tucana-neo-liberal que afligiu um certo povo do hemisfério sul, ao contrário do que sempre se imaginou ou se leu nos livros de arqueologia, não foi a história de um faraó que sonhou andar sobre as águas, iluminar o terceiro mundo ou acabar com a fome na África, mas sim a azeda realidade de como um povo, levado por seus líderes máximos e suas cortes que algum dia haviam se declarado socialistas, entregou toda a soberania à vilania do império da época e aos apetites dos que detinham o poder econômico.
Descobrirão os arqueólogos que depois de garantir a fatia maior e mais saborosa da economia e do conforto do país aos banqueiros e à nobreza e nada além de vales-gás ou vales-coxinha ou valha-me Deus aos servos – os encarregados da construção de suas grandes pirâmides e do dólarduto que ligava o país ao império – , o pequeno rei salvou os presidentes do Banco Central e do Banco do Brasil da degola.
Ambos os nobres eram ligados ao BankBoston, grupo de selvagens capitalistas classificado como o segundo maior credor de seu país. Eram personagens da aristocracia e apontados pelos escribas da «ISTOÉ» e da «Veja» (papiros publicitários e ligeiramente informativos da época) como responsáveis por irregularidades na declaração de seus bens e no pagamento de impostos.
Nesse país, o do hieróglifo indecifrável, havia um acordo tácito.
Talvez o termo correto até não fosse propriamente «acordo», já que os servos jamais foram consultados sobre sua viabilidade. Esse «acordo», imposto a toda a nação, previa a existência de dois códigos penais.
O Código Penal 1, condenava os servos já na hora do nascimento. Por ser negro. E por ser branco. Por ser ladrão. E por não ser ladrão. Por ser sonegador. E por não ser sonegador. Por agir corretamente. E por não agir corretamente. Bastava o indivíduo ser pobre e não pertencer às classes privilegiadas, curiosamente as mesmas classes que produziam e aplicavam as leis. E as punições. E construíam as cadeias. E se divertiam em palácios. E batiam recordes de lucros. E riam, riam, riam, riam… Esse código, o número 1, enquadrava a todos, sob todos os aspectos e ameaçava a todos os servos com penas severas como a fome, a desnutrição, o analfabetismo, a vergonha do desemprego eterno e à pena de se passar a vida inteira cabisbaixo. E também à cadeia.
O segundo código, aceito mansamente por todos, era um livro de mil folhas em branco. Na capa de couro vinha impressa em ouro: «Código Penal 2», esse sim destinado aos membros pertencentes à aristocracia.
Mil páginas em branco. E uma última, com uma só linha impressa e uma só frase: «Bobão! Continue trabalhando na construção da pirâmide e do dólarduto. Esse livro não é pro teu bico!»