Nos dias 5 e 6 de junho, num Encontro Nacional em Brasília, foi lançado um novo partido encabeçado pelos parlamentares expulsos do PT e por intelectuais oriundos desse partido. O Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) surge como fruto de um aborto do debate sobre a construção de um novo partido em função da experiência dos […]
Nos dias 5 e 6 de junho, num Encontro Nacional em Brasília, foi lançado um novo partido encabeçado pelos parlamentares expulsos do PT e por intelectuais oriundos desse partido. O Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) surge como fruto de um aborto do debate sobre a construção de um novo partido em função da experiência dos trabalhadores com o PT. Para todos os que acreditaram que a partir das expulsões dos «radicais» seria superar a triste experiência que significou o PT, para orientar a vanguarda para a construção de um partido que lute pela independência política dos trabalhadores, o PSOL aparece como uma amarga derrota. Não se pode dizer, porém, que isso constitua uma surpresa. De fato, após um curto início que podia alentar algumas esperanças, cedo se esboçaram as tendências fundamentais no processo: o isolamento dos setores que queriam que os próprios trabalhadores determinassem seus rumos, e o predomínio absoluto das disputas de aparatos entre os dirigentes da ESD (estes que hoje fundam o PSOL), e a direção do PSTU. A dinâmica do Encontro de Brasília foi apenas o coroamento desse processo abortado. Nele se consolidaram definitivamente não apenas a divisão a partir das alturas, como também a hegemonia dos setores reformistas no amálgama oportunista que forma o partido.
Um Encontro de cartas marcadas para referendar os acordos de cúpula
Desde que racharam com o PSTU, os dirigentes do PSOL tentavam rebater as críticas sobre o andamento burocrático que impunham ao movimento alegando que «a base teria espaço no Encontro de lançamento, onde tudo seria discutido». Longe disso, o que se viu em Brasília foi a mera repetição da lógica burocrática dos outros atos da ESD, com um agravante fundamental: desta vez não se tratava apenas de mais um debate, mas do Encontro que determinaria as linhas estratégicas gerais de toda a atuação do partido. O programa, o estatuto e uma Executiva Nacional foram votados durante os dois dias de Encontro, impostos do alto pelos parlamentares e seus conselheiros reformistas, apesar de que nenhuma discussão aprofundada tenha sido realizada. Como resultado, um partido que nasce como mera justaposição oportunista de tendências sem qualquer tentativa de síntese política.
Algumas frases soltas de esquerda não podem ocultar o verdadeiro caráter do PSOL
Não se trata, contudo, de subestimar a capacidade retórica dos intelectuais e parlamentares que dirigem hoje o PSOL. Existem muitos militantes que duvidam que esse novo partido seja mais um defensor da conciliação de classes, mesmo reconhecendo que existem notórios reformistas em sua direção central. É por isso que a primeira coisa que precisa ficar clara é que é impossível coexistirem pacificamente reformistas e revolucionários, pois cada um possui uma estratégia e um programa inconciliável com o outro e é inevitável o predomínio de algum dos dois setores.
Insistimos que não pode haver a menor concessão «tática» na atitude dos explorados perante os exploradores. Por isso, não podemos nos enganar por algumas frases ocas sobre o «socialismo» no programa do PSOL. Elas convivem, «pacificamente», com outras bem mais substanciais que dão a linha do que será esse partido. É assim que vemos na página central do site do PSOL: «Embora indignados com as injustiças sofridas por nosso povo, estamos também felizes por ter decidido dar o passo inicial desta caminhada, conscientes da necessidade de se forjar uma alternativa econômica e política para o país.» Daqui já se desprende o conjunto da política do PSOL: um partido «decidido» a forjar «uma alternativa econômica e política» para o país, e não a combater para que os trabalhadores e as massas oprimidas tomem o poder. Por mais que fale em socialismo, é por uma «alternativa econômica e política» sem ruptura, por dentro do capitalismo, que luta o PSOL.
Para quem duvida, é só perguntar: qual a relação entre essa «alternativa para o país» e as lutas dos trabalhadores? Podemos encontrar uma pista na entrevista concedida pela própria Heloísa Helena – que, bem entendido, se coloca na «ala esquerda» do partido. Falando sobre as invasões de terra, diz ela: «As ações desses movimentos [MST, MTST e CPT] só existem porque não há governo com sensibilidade, competência e coragem política para fazer cumprir a Constituição Federal e, portanto, promover a reforma agrária. Assim, acaba havendo toda essa turbulência que tanto incomoda o povo brasileiro.»1 Ou seja, não apenas se coloca contra a luta direta dos trabalhadores rurais, como capitula à propaganda burguesa que contrapõe o «povo brasileiro» aos trabalhadores em luta, e pretende delegar à «sensibilidade e competência» dos governantes a necessidade de transformação social que só pode ser realizada pela luta independente dos trabalhadores.
O PSOL não pode falar em nome da independência política dos trabalhadores
Como ver mais do que uma frase vazia no programa do novo partido quando afirma defender «o resgate da independência política dos trabalhadores e excluídos»? A falta de convicção com que os dirigentes do PSOL tentam falar de independência política é tão grande que eles mesmos logo a seguir se sentem obrigados a acrescentar: «Não estamos formando um novo partido para estimular a conciliação de classes.» E ainda: «nosso partido rejeita os governos comuns com a classe dominante.» Porém o maior problema com o PSOL é que não se pode confiar em uma palavra do que escrevem. Como podem ser contra a conciliação de classes se a própria Heloísa Helena, principal figura pública do partido e candidata a presidente em 2006, continua a fazer parte da corrente política chamada Democracia Socialista (DS), que além de estar dentro do PT tem um ministro que faz parte do governo? O PSOL se recusa a exigir que Heloísa Helena rompa com a DS ou que a DS rompa com o governo.
Tanto é assim que a mesma Heloísa Helena já confirma com meses de antecedência seu apoio para a prefeitura de Maceió ao candidato do PPS, um partido burguês que faz parte do primeiro escalão do governo com Ciro Gomes. Como se a idéia de uma «burguesia progressista», que Marx refutou já em 1848, pudesse ter algum sentido no Brasil do século vinte e um. É o programa do PSOL que não pode ser levado a sério, ou foi o atual ministro da Integração Nacional de Lula e exministro da Fazenda de FHC que deixou de ser um político burguês?
A intervenção do PSOL na luta real dos trabalhadores
A falta de compromisso do PSOL com a independência política dos trabalhadores pode ser vista com ainda maior clareza através da intervenção desse partido nas lutas efetivas que os trabalhadores têm travado. O exemplo mais gritante foi esse ano na greve dos servidores públicos federais, setor em que está concentrada grande parte da base do PSOL. Através de sua localização na direção da Fasubra, federação dos servidores das universidades, que dirige em acordo com o PCdoB e um setor da direita do PT, o PSOL patrocinou um acordo espúrio em separado com o governo e traiu abertamente a greve dos trabalhadores.
No movimento sindical é onde esse novo partido mais claramente aparece como continuidade pura e simples do modo petista de militar, manobrando a base dos trabalhadores para manter o perfil «combativo», mas sempre pronto a negociar pelas costas com o governo e a patronal.
O papel estratégico da candidatura Heloísa Helena
Apenas os ingênuos poderiam achar que todos os esforços envolvidos em erguer um novo aparato partidário estariam suspensos no ar. Em meio à confusão plantada pelas direções, existe algo concreto a unir tamanhos interesses divergentes: a candidatura de Heloísa Helena para a presidência em 2006, e o espaço parlamentar que o PSOL pretende ganhar na esteira de sua principal figura pública. Esse é o elemento material que solda a aliança entre setores tão heterogêneos.
Por isso os dirigentes do PSOL negociam hoje com setores da esquerda petista uma futura união, após a ruptura «preparada» para depois das eleições desse ano. Nestas eleições, desgraçadamente, os dirigentes do PSOL vão chamar o voto em diversos candidatos do PT em função de seus acordos oportunistas, mostrando que ainda estão ligados por mil laços a esse partido traidor da classe. Tanto é assim que não há qualquer tentativa de esconder o quanto o novo PSOL deve ao velho PT. Pelo contrário, existe um apelo direto à ideologia petista. É o que se vê no slogan, lançado por eles: «Uma esperança outra vez, Heloísa 2006», que virou até estampa de camisa. A mesma «esperança» num salvador da pátria eleito pelo voto «democrático» e com a benção da Igreja e da famigerada «burguesia progressista»?
A aliança sem princípios entre revolucionários e reformistas só interessa à burguesia
O quanto o PSOL está longe de preencher o conteúdo do que os marxistas costumamos chamar de partido, e o quanto ele se assemelha a uma frente eleitoral sem princípios, pode ser visto pelas declarações de Milton Temer, membro da Executiva nacional do PSOL. Claramente identificado com o setor «moderado» do partido, seu tom de satisfação não nos deixa mentir: «a busca do consenso (…) será o critério da determinação dos pontos programáticos e estatutários a serem adotados no encontro de Brasília», o que representa segundo ele um «exemplo inédito num partido de tendências». E não é para menos: se o partido é de tendências, quer dizer que não há um nível mínimo de acordo para uma atuação centralizada em todo o partido, e cada uma delas deve lutar com unhas e dentes por suas próprias posições! Se no PSOL o grau de acordo não é suficiente para que as tendências se dissolvam, mas ao mesmo tempo nenhuma delas manifesta a decisão de lutar até o final por suas posições (única razão para manter as tendências separadas), preferindo buscar um «consenso» oco e estéril, é porque por um lado a hegemonia reformista no partido já foi imposta, sustentada sobre um «acordo geral» baseado no interesse meramente eleitoral, e por outro lado porque nenhum dos setores minoritários luta seriamente para dar uma perspectiva revolucionária para o partido.
Por um verdadeiro partido revolucionário
O que os dirigentes do PSOL não podem entender é que, diferente de todo o período em que a estrela petista ocupou o imaginário dos trabalhadores em busca da transformação social, a atual experiência com o PT abre espaço para o desenvolvimento de uma nova subjetividade operária e popular. Isso fará com que os próximos anos no Brasil sejam muito mais convulsionados socialmente do que o previsto pelos esquemas de um punhado de dirigentes oportunistas que pretendem «cavalgar» as massas em luta. É com a bandeira da revolução que os operários avançados e a juventude primeiro, e os milhões de explorados e oprimidos em seguida, devem substituir a estrela partida do PT. E não com um novo «sol» da conciliação de classes.
Confiando apenas em suas próprias forças, e lutando por um verdadeiro partido revolucionário, os trabalhadores e a juventude devem rejeitar a estratégia do PSOL. Afinal, com um «novo partido» que dá as costas para a independência de classe dos trabalhadores, e abre os braços para os acordos de cúpula com dirigentes petistas e para a colaboração com a burguesia, que tipo de «esperança» podemos ter?
1 Entrevista concedida ao Jornal do Comércio de Recife, 25/04/04.