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O rei está nu

Fuentes: Jornal do Commercio

Uma história não comprovada conta que os americanos tiveram, no início dos vôos espaciais, um problema com as esferográficas por não escreverem na gravidade zero. Teriam consumido alguns milhares de dólares para desenvolverem uma caneta em que a tinta fluía mesmo sem gravidade. Segundo a tal história, os russos resolveram o mesmo problema, usando lápis, […]

Uma história não comprovada conta que os americanos tiveram, no início dos vôos espaciais, um problema com as esferográficas por não escreverem na gravidade zero. Teriam consumido alguns milhares de dólares para desenvolverem uma caneta em que a tinta fluía mesmo sem gravidade. Segundo a tal história, os russos resolveram o mesmo problema, usando lápis, nos vôos espaciais. Esse caso, verídico ou não, serve para mostrar como a solução de um problema pode ser mal encaminhada, uma vez que se buscava, simplesmente, fazer anotações nos ambientes sem gravidade e não desenvolver canetas especiais para tais ambientes.

Na penúltima reunião, o Comitê de Política Monetária decidiu aumentar a taxa básica de juros da economia para 16,75% ao ano. Uma das razões alegadas para o aumento, segundo a ata da reunião, foi que a protelação por parte da Petrobras do reajuste dos derivados, como resultado da alta do preço do petróleo no mercado internacional, é um fator de pressão inflacionaria. Os noticiários da imprensa destacaram que a empresa reclamou por ter sido acusada de protelar o aumento de preço dos derivados, mas assumiu como verdadeiro, de forma implícita, que eles devem ser aumentados por causa do aumento externo do petróleo.

Não estaria o problema sendo mal identificado, nesse caso, também? A discussão se prende à época e ao quantitativo do aumento de preços, quando deveria ser analisado se há necessidade desses aumentos. No caso brasileiro, dependendo apenas de visão política, o preço dos derivados poderia ser reajustado somente quando o custo médio do barril da Petrobras ou a taxa dos tributos incidentes variasse e, dessa forma, não seriam repassados os aumentos dos preços do mercado internacional, como se a totalidade do petróleo a ser refinado no Brasil fosse importada. Portanto, o preço interno dos derivados não precisa estar alinhado às cotações internacionais.

O preço médio do barril da Petrobras, produzido em nosso país, sem incluir tributos e o lucro da empresa, gira em torno de US$ 13, podendo, portanto, chegar ao mercado na faixa dos US$ 27 a US$ 30. Assim sendo, não faz sentido calcular os valores dos derivados, como se o barril entregue para as refinarias custasse o dobro, na faixa dos US$ 50, que é a atual cotação do mercado internacional.

Cerca de 90% do petróleo fornecido para as refinarias brasileiras é nacional e essas refinam, praticamente, a totalidade dos derivados consumidos no País. Alem disso, no próximo ano o Brasil atingirá a auto-suficiência em petróleo. Dessa forma, o preço internacional do barril, na verdade, influencia muito pouco o custo dos derivados a serem consumidos internamente.

Não se justifica impor ao País o modelo especulativo internacional, que proporciona lucros fabulosos para as empresas petrolíferas, principalmente quando uma das razões para tal procedimento é buscar maximizar os dividendos dos acionistas, muitos dos quais estrangeiros, em detrimento da população. Alem do mais, uma política de não repasse do preço inflado do petróleo externo é a que melhor beneficia a sociedade, na medida em que ajuda a conter a inflação e, oferecendo insumos básicos baratos, torna os produtos brasileiros mais acessíveis e competitivos no mercado internacional.

O interessante é que a abertura do setor de petróleo no Brasil foi preconizada como necessária para baratear o preço dos derivados, à medida que a competição entre as empresas levaria naturalmente à diminuição dos preços. Está acontecendo exatamente o contrário, pois não consideraram que a produção de petróleo no mundo é dominada por um oligopólio de empresas estatais e privadas, que não querem ver o preço do barril baixar, alem das naturais condicionantes de oferta e demanda, em um mercado que já vislumbra, em futuro não remoto, a escassez do produto.

O problema que se apresenta para a Petrobras, ao desvincular o aumento dos derivados de petróleo da cotação internacional, é que, como decorrência do modelo aberto e globalizado do setor, criado com a reforma das leis, na década de 1990, qualquer empresa poderá exportar os derivados nacionais, comprados a preços baixos, auferindo grandes lucros. Como a distribuição dos derivados é feita por várias empresas, que os adquirem da Petrobras, a maneira óbvia de proibir tal exportação é mudar a legislação vigente, de forma que volte a existir no País o sistema centralizado, em que só a empresa estatal, cumprindo programas de governo, possa importar e exportar petróleo e derivados.

Encontra-se em julgamento no Supremo Tribunal Federal uma ação direta de inconstitucionalidade, interposta pelo governador do Paraná, Roberto Requião, questionando a atual lei do petróleo que, extrapolando sua abrangência, não respeita o preconizado no artigo 177 da Constituição Federal. Se o Supremo aceitar os patrióticos e fundamentados argumentos dessa ação, toda a questão estará solucionada, com o retorno do monopólio estatal no setor do petróleo, que nunca foi extinto na Constituição Federal.

Alem de todos os argumentos jurídicos, técnicos e econômicos possíveis, é importante ressaltar que o suprimento de petróleo para um país como o Brasil, pelas características de PIB, extensão territorial, população etc., deve ser planejado considerando aspectos geopolíticos e estratégicos, que menosprezam os contratos e as leis que regem o abastecimento pelas livres forças do mercado. As situações de instabilidade no Oriente Médio, na costa oeste da África, na Venezuela e em outras regiões produtoras bem atestam a complexidade e os riscos que envolvem tal suprimento, diretamente correlacionado com a própria soberania da Nação brasileira.

18/11/04
* Sérgio Xavier Ferolla, Tenente-Brigadeiro-do-Ar, membro da Academia Nacional de Engenharia e da Academia Brasileira de Engenharia Militar. Paulo Metri, Conselheiro do Clube de Engenharia e da Federação Brasileira de Associações de Engenheiros