A posição que os comunistas brasileiros assumiram em relação ao segundo governo Vargas causa perplexidade em grande parte dos estudiosos brasileiros. A sua definição como «títere do imperialismo norte-americano» soa estranho aos nossos ouvidos, que já se acostumaram com a caracterização deste como antiimperialista e até mesmo como democrático e popular. Um estudo mais profundo […]
A posição que os comunistas brasileiros assumiram em relação ao segundo governo Vargas causa perplexidade em grande parte dos estudiosos brasileiros. A sua definição como «títere do imperialismo norte-americano» soa estranho aos nossos ouvidos, que já se acostumaram com a caracterização deste como antiimperialista e até mesmo como democrático e popular.
Um estudo mais profundo do conjunto das medidas implementadas durante este governo nos conduz a afirmar que existiam graves limitações na análise dos comunistas. O segundo governo Vargas não era um governo subserviente ao imperialismo norte-americano. Por outro lado, não era também um governo de caráter essencialmente antiimperialista. Era, na verdade, um governo burguês permeado por inúmeras contradições e em permanente disputa entre as correntes entreguistas e nacionalistas. No entanto, no decorrer do tempo, a correlação de forças entre as duas tendências se deslocou num sentido favorável ao nacionalismo.
O importante é contatar que este resultado não estava dado desde o início do processo. Em alguns momentos a luta pareceu perdida para as correntes que defendiam um projeto de desenvolvimento nacional autônomo. A correlação de forças pró-nacionalismo foi sendo construída através de acirrada luta política – que se traduziu também numa luta de idéias entre os defensores de programas econômicos distintos e contrapostos. Foi se redefinindo também nos choques permanentes entre os interesses do país e os interesses do imperialismo norte-americano, que se colocava contra qualquer tipo de alternativa industrialista.
Tendo em vista as etapas desta luta podemos, à grosso modo, dividir o governo Vargas em duas fases distintas. Uma primeira fase – entre 1951 a 1953 – marcada pela política de conciliação com as correntes entreguistas e com os interesses geopolíticos norte-americanos e uma segunda fase – entre 1953 e 1954 – na qual predominou uma atitude mais decidida no sentido dar curso a construção de um modelo de desenvolvimento nacional autônomo. Neste momento entrou em conflito aberto com o projeto do imperialismo, e de seus aliados no país, e acabou sendo derrubado por um golpe de Estado.
O PÊNDULO PARA DIREITA
A candidatura Vargas se gestou fora dos grandes partidos, como o PSD e a UDN. O seu surgimento estava ligado às necessidades de certos setores da burocracia de Estado (militares nacionalistas) e da burguesia industrial – que advogavam uma ativa política pró-industrialização. Esta última ainda se encontrava dividida. Setores importantes alimentavam desconfianças em relação à política social varguista e sua tentativa de incorporar os trabalhadores urbanos.
No entanto, a principal base de sustentação da campanha de Vargas, e responsável direta pela sua estrondosa vitória eleitoral, eram as massas populares. Os trabalhadores, cansados da política excludente e antioperária do general Dutra, se voltaram para aquele que se propunha reintegra-los na arena política, como «cidadãos». Ele obteve 48,7% do total de votos seguido pelo Brigadeiro Eduardo Gomes com apenas 29,7%.
A composição do primeiro ministério foi uma tentativa de construir a unidade das diversas frações da burguesia, sob a direção dos setores industrialistas. Dele participavam o general nacionalista Estillac Leal e João Neves da Fontoura, conhecido por suas posições abertamente pró-imperialistas. No ministério destacavam-se ainda dois representantes do empresariado paulista Ricardo Jafet, presidente do Banco do Brasil e o banqueiro Horácio Lafer, Ministro da Fazenda. Ao PTB, partido pelo qual havia sido eleito Vargas, coube apenas o Ministério do Trabalho.
Governar com forças tão díspares era uma equação difícil de ser resolvida. Logo em março de 1951 o governo estabeleceu uma política cambial restritiva, criando dificuldades para a importação de mercadorias julgadas não essenciais. Medidas como esta acarretaram uma forte oposição das frações comerciais da burguesia e de seus aliados: as classes médias tradicionais. Estes se tornaram porta-vozes do liberalismo econômico e da oposição ao intervencionismo estatal. Sua expressão política foi a UDN.
O conflito de interesses atingia também a área econômica. Os dois representantes dos empresários paulistas viviam as turras. Horácio Lafer era um grande industrial com vínculos com o capital estrangeiro e no Ministério da Fazenda defendeu uma política econômica contencionista. Jafet, ligado ao setor de metalurgia, pelo contrário, defendia o crédito fácil. As divergências eram mais amplas. Podiam ser observadas, por exemplo, no processo de aprovação do decreto-lei de controle sobre a remessa de lucros ao exterior. Este nasceu sob inspiração direta do presidente do Banco do Brasil e tinha por finalidade estancar a sangria de divisas. Mas, o ministro da Fazenda se esforçou para que ele não fosse posto em prática. A lei se tornou letra morta e acabou sendo anulada em janeiro de 1953. Neste mesmo mês Jafet se demitiu criticando, entre outras coisas, as manobras visando esvaziar o Banco do Brasil em benefício de grupos financeiros privados.
Esta composição nitidamente conservadora foi duramente criticada pelos nacionalistas e comunistas. Afirmou o dirigente comunista Diógenes Arruda Câmara: «Se Dutra só pode manter a ditadura através do acordo-interpartidário, Getúlio forma um ministério de ‘conciliação nacional’, visando a união sagrada das forças reacionárias». Segundo Maria Celina de Araújo: «Na prática, as metas esboçadas na campanha fracassaram em grande parte, não se traduzindo em política efetivas do Governo. Apesar da manutenção de um discurso nacionalista, constata-se que o Brasil teve que ceder efetivamente aos interesses norte-americanos, particularmente ao capital estrangeiro e aos recursos naturais do país (…) Essas contradições (…) tornam os governo vulnerável a crítica de todos os lados».
Portanto, o que caracterizou os dois primeiros anos do governo Vargas não foi a tentativa de romper com o imperialismo norte-americano e propor uma alternativa de construção de um capitalismo nacional. Ocorreu sim uma tentativa de conciliar com as forças conservadoras e pró-imperialistas. Isto acarretou a primeira grande crise governamental e a saída de Estillac Leal.
Sob a Guarda Norte-Americana – O Acordo Militar e a Guerra na Coréia
O início do governo Vargas se deu numa conjuntura internacional de agravamento da guerra fria que exigia um alinhamento imediato do país ao lado de um dos dois contendores: URSS e EUA. As classes dominantes latino-americanas, e seus respectivos governos, já haviam se definido – colocando-se sob a guarda do imperialismo norte-americano. A Guerra da Coréia, recém-iniciada, começou adquirir contornos dramáticos. O perigo de uma nova guerra mundial – agora nuclear – estava colocado no horizonte imediato da humanidade.
Na Conferência dos Chanceleres Americanos, realizada em março de 1951, o representante brasileiro, João Neves da Fontoura, deixou clara a posição brasileira diante do novo quadro internacional Segundo ele, os EUA estavam convocados «a opor o escudo de sua consciência democrática e das suas possibilidades materiais aos atentados que se preparam nas trevas». Atacou a fidelidade dos comunistas à URSS e à sua negação da idéia de pátria. Por isto mesmo «representariam um perigo para a segurança interna das nações latino-americanas». Concluiu conclamando o combate internacional às «ideologias subversivas» e aos partidos que operavam sob o comando de «potências estrangeiras». Sinais evidentes que os comunistas brasileiros, vivendo na ilegalidade, não deviam esperar nenhuma complacência do novo governo.
Por outro lado, o representante brasileiro, acenando com o perigo comunista, convocou a um maior investimento de capitais americanos no processo de industrialização do país. O professor Moniz Bandeira constatou, corretamente, que as palavras do representante brasileiro espelhavam «o estado de ânimo da burguesia brasileira, na qual a solidariedade de classe (cooperação com os Estados Unidos no caso da guerra contra a União Soviética) não excluía a luta pelos seus próprios objetivos de desenvolvimento (montagem de indústria de base e de meios de produção)». Vargas procurava tirar vantagens econômicas desta subordinação político-militar.
Naquele momento, o principal interesse dos norte-americanos – além do apoio militar na Coréia – era o acesso aos minerais estratégicos necessários à sua indústria bélica. Isto exigia a eliminação de todos os entraves burocráticos existentes na legislação brasileira. O Ministério das Relações Exteriores se mostrou favorável à eliminação destes obstáculos, mas solicitou como contrapartida «créditos bancários (…) para as medidas de execução de um programa racional de industrialização». Insistiu também para que os norte-americanos instalassem empresas visando a industrialização das matérias primas estratégicas, especialmente as areias monazíticas.
Em abril de 1951 o Presidente norte-americano Harry Truman solicitou que o Brasil enviasse tropas para a Coréia. O Conselho de Segurança Nacional decidiu-se pelo envio de mensagem ao Congresso que sugeria a «utilização de bases, portos e passagem de tropas pelo território nacional», e propôs iniciar um processo de «preparação psicológica do povo tendo em vista organizar e manter intensa ação anticomunista de contrapropaganda e contra-sabotagem». O general Góis Monteiro ficou encarregado de elaborar planos visando, entre outras coisas, «a participação das forças armadas brasileiras na defesa do continente americano e a formação de uma grande unidade a ser colocada à disposição da ONU, com o emprego inicial, na Europa».
A pressão americana sobre o governo brasileiro para o fechamento de um acordo militar recrudesceu após a explosão da terceira bomba atômica soviética em outubro de 1951. Esta pressão resultou no estabelecimento do Acordo Militar Brasil-Estados Unidos. Através deste o Brasil aderia, incondicionalmente e indiscriminadamente, a toda e qualquer ação de guerra que os Estados Unidos empreendesse em defesa do chamado mundo livre. Ele continha cláusulas econômicas que obrigavam o país a adotar medidas de proteção aos produtos e capitais norte-americanos e a vender manganês, urânio e areias monazíticas a um preço abaixo do seu valor no mercado internacional.
A discussão sobre o conteúdo do acordo se deu as margens do Ministério da Guerra, encabeçado por Estillac Leal. Isto acarretou sua demissão. No confronto entre as tendências internas do governo a ala nacionalista perdeu o seu maior representante. Em 2 de junho de 1952 o governo ainda firmou um outro acordo – secreto – pelo qual a força-aérea norte-americana ficou autorizada a fazer fotos do território brasileiro, com o objetivo de elaboração de um plano estratégico de defesa continental. A indignação dos setores nacionalista chegou ao seu ápice. O governo balançava perigosamente para a direita. Neste momento, a opinião dos comunistas de que o governo Vargas não seria nada mais que um «títere do imperialismo norte-americano» não parecia tão estapafúrdia assim.
A saída de Estillac Leal do Ministério da Guerra deixou o campo completamente livre para que os setores mais conservadores das Forças Armadas assumissem todos os principais postos dentro do governo, reforçando ainda mais o perfil conservador do governo. Acirrou-se o movimento de «caça as bruxas» dentro da forças armadas, com a indiferença de Getúlio Vargas. Um dos resultados foi a derrota acachapante da chapa situacionista, encabeçada pelo ex-ministro, no Clube Militar. Este passou a ser um dos articuladores do golpe que ocorreria alguns anos depois.
A própria campanha em defesa do monopólio estatal do petróleo, que tinha ampla hegemonia dos setores militares nacionalistas, foi reprimida pelo governo. Ocorreu, por exemplo, ato de violência policial contra a IIª Convenção Nacional de Defesa do Petróleo, realizada em julho de 1951. A campanha O Petróleo é nosso! era associada a ação solerte dos comunistas.
Vargas, na mensagem ao Congresso Nacional na abertura da sessão legislativa de 1953, afirmou: «Ainda no campo da segurança pública ha que registrar a usual ação preventiva e repressiva do governo contra as atividades subversivas, no curso da qual se empenhou o Ministério da Justiça e Negócios Internos, em colaboração com as autoridades militares em reprimir a prática de atividades subversivas nas Forças Armadas, especialmente nos contingentes sediados no Distrito Federal. Um inquérito policial-militar foi aberto e procedeu-se várias diligências, tendo-se formado, no Exército, na marinha e na Aeronáutica, a presunção de culpabilidade de dezenas de indiciados, sendo vários oficiais». Portanto, a chamada esquerda militar foi sacrificada, pelas mãos de Vargas, no altar da guerra fria. A ala nacionalista passou a ter reforçada a sua desconfiança em relação ao presidente.
O governo proibiu a realização de manifestações e encontros do movimento de partidários da Paz. Em março de 1952 os comunistas tentaram organizar a Conferência Continental Pela Paz, mas ela foi proibida. No mesmo ano, em sua mensagem anual ao Congresso Nacional, Vargas afirmou: «Na mesma linha de ação subversiva vale destacar as iniciativas e os movimentos conhecidos como ‘ação pró-paz’, que constituem o mais recente disfarce da atividade comunista. Os movimentos ‘pró-paz’ (…) conseguem, de um lado, submeter à influência do comunismo setores da população que repudiariam sua ação ostensiva. Por outro lado, dificultam a repressão das autoridades, porque visam, nominalmente, a propósitos perfeitamente legais. Não obstante, esses movimentos têm sido cuidadosamente fiscalizados pelas autoridades e, ainda recentemente, o Ministério da Justiça decidiu proibir a realização do I Congresso Continental da Paz». Este teve que se realizar em Montevidéu. Não sem razão o PCB relacionou a decisão governamental à pressão política norte-americana.
As contrapartidas econômicas foram pífias. Em julho de 1951 foi constituída uma comissão mista Brasil-Estados Unidos e em dezembro de 1953 foi extinta unilateralmente pelo governo norte-americano. As relações se azedaram com a eleição do general republicano Eisenhower. Ela representou a consolidação dos setores da grande burguesia industrial e dos grandes financistas que tinham interesses em manter a divisão internacional do trabalho e que, portanto, não tinham qualquer interesse em investir na industrialização dos países periféricos.
A Campanha do Petróleo é Nosso!
Em dezembro de 1951 o projeto criando a Petrobrás foi enviado ao Congresso Nacional. O projeto governamental a estabelecia como empresa mista – que aceitava a participação de capital privado nacional e estrangeiro. Por isto foi alvo de um duro ataque dos setores nacionalistas. O Clube Militar, ainda nas mãos da esquerda, qualificou o projeto como «profundamente nocivo à soberania nacional e à segurança militar de nossa Pátria». A Convenção Nacional de Defesa do Petróleo denunciou-o como «impatriótico e de índole entreguista». Em janeiro de 1952, o deputado nacionalista Euzébio Rocha apresentou um substituto excluindo o capital privado da exploração do petróleo nacional.
A pressão nacionalista fez o governo recuar e estabelecer o monopólio sem a participação do capital estrangeiro, mantendo o caráter misto – admitindo a presença do capital privado nacional. O recuo do governo isolou os nacionalistas radicais. O projeto foi aprovado na Câmara dos Deputados em setembro de 1952. No Senado o projeto foi alterado favoravelmente aos trustes norte-americanos. No entanto, as emendas privatistas foram derrubadas e o projeto estabelecendo o monopólio estatal foi aprovado em julho de 1953. A lei criando a Petrobrás foi assinada por Vargas em 3 de outubro de 1953.
Esta foi a maior vitória das forças nacionalistas coligadas e uma derrota importante do imperialismo norte-americano. O governo, naquele momento, estava em conflito aberto com os setores antiindustrialistas e entreguistas da burguesia brasileira e em pleno processo de radicalização da sua política nacionalista.
O PÊNDULO PARA A ESQUERDA
A luta operária e a radicalização do governo
Em março de 1953 eclodiu uma das maiores greves operárias da história brasileira. Durou cerca de um mês e envolveu 300 mil trabalhadores paulistas. O Partido Comunista teve um papel destacado neste movimento que teve um forte impacto sobre a vida política nacional. Centenas de trabalhadores foram presos e espancados pela polícia. Poucas semanas depois entraram em greve nacional mais de 100 mil marítimos. Estas greves criaram as condições para que se constituísse um embrião de central sindical, o Pacto de Unidade Intersindical (PUI), sob hegemonia comunista.
Em meio ao movimento grevista realizou-se uma reunião do Comitê Nacional do PCB. O informe de Prestes manteve a visão negativa em relação ao governo de Vargas que continuou sendo definido como «um governo de traição nacional, um governo de guerra, de fome e de reação (…) que procura levar o país ao fascismo» e concluía conclamando para a necessidade de «desencadear contra o atual governo a luta firme e sistemática que o desmascare e o isole das massas». Era este o sentido das greves dirigidas pelos comunistas.
Em 15 de junho de 1953, visando recobrar o terreno perdido no movimento sindical, Vargas indicou João Goulart para o Ministério do Trabalho. A reforma ministerial, no entanto, foi mais abrangente e alterou seis dos sete ministros civis. Vargas trouxe para o ministério os seus velhos companheiros do movimento de 1930, como Osvaldo Aranha, José Américo de Almeida e Vicente Rao, além de Tancredo Neves. A reforma derrubou o americanófilo João Neves da Fontoura do Ministério das Relações Exteriores e o neoliberal Horácio Lafer do Ministério da Fazenda. Neste mesmo processo houve o fortalecimento da Assessoria Econômica da Presidência da República, comandada por Rômulo de Almeida. Estava aberto o caminho para a radicalização da política nacionalista.
Em outubro de 1953 Vargas sancionou a lei que estabeleceu o monopólio estatal do petróleo. Em 20 de dezembro Vargas denunciou os excessos na remessa de lucro das empresas estrangeiras instaladas no Brasil e em janeiro de 1954 assinou decreto que estabeleceu um limite de 10% para remessas de lucros e dividendos para o exterior. Neste período foi criada a Eletrobrás e aprovado um ousado plano de eletrificação.
A resposta conservadora não esperou. Em pleno processo de reestruturação ministerial a oposição udenista denunciou um financiamento feito pelo Banco do Brasil ao jornal Última Hora, único órgão de imprensa favorável ao governo.
Diante do crescimento do movimento grevista, no início de fevereiro de 1954, Goulart apresentou a proposta de reajuste de 100% no salário mínimo. Um valor 54% acima da inflação acumulada desde o último reajuste. Levantou-se uma onda de protesto da burguesia e dos setores conservadores da sociedade. A UDN lançou um manifesto denunciando Goulart como subversivo. No dia 8 de fevereiro oficiais das forças armadas lançaram o documento conhecido como «Memorial dos Coronéis». Surgiram acusações de que Vargas e Jango queriam instaurar uma República Sindicalista no Brasil.
Diante da pressão conservadora o governo ensaiou um recuo e destituiu Goulart. No entanto a destituição não aplacou a oposição de direita, apoiada pelo imperialismo norte-americano. Em abril de 1954 João Neves da Fontoura, ex-ministro de Vargas, denunciou uma suposta articulação de um pacto entre os governos brasileiro, chileno e argentino para se opor aos interesses dos Estados Unidos na região, seria o Pacto ABC. Em 16 de junho UDN solicitou impedimento de Vargas, que foi derrotado por uma ampla margem de votos.
Vargas decidiu manter a radicalização do regime, visando aproximá-lo das classes populares. No primeiro de maio de 1954, num ato inesperado, fez um discurso no qual afirmou: «Hoje vocês estão com o governo. Amanhã vocês serão o governo» e apresentou o decreto de reajuste de 100% do salário mínimo, índice que havia sido o motivo para destituição de Goulart poucos meses antes.
O governo fazia uma inflexão significativa na sua estratégia e apontava para uma aliança preferencial com as classes populares. Era o fim da política de conciliação. Se o PCB não compreendeu este movimento ocorrido em meados de 1953, após a reforma ministerial, a burguesia brasileira sim. Constituiu-se assim uma frente-única conservadora contra Vargas, que acabou acarretando a sua destituição.
No seu projeto de programa publicado em dezembro de 1953, quando Vargas já havia avançado na sua guinada à esquerda, o PCB erroneamente ainda afirmava: «O governo Vargas tudo faz para facilitar a penetração do capital americano em nossa terra, a crescente dominação dos imperialistas norte-americanos e a completa colonização do Brasil pelos Estados Unidos (…) A política externa do governo Vargas é ostensivamente ditada pelo Departamento de Estado norte-americano, sendo a delegação brasileira na ONU mundialmente conhecida por sua atuação subserviente ao governo dos Estados Unidos».
Segundo os comunistas brasileiros o governo de Vargas continuava sendo «um governo de preparação de guerra e de traição nacional, um governo inimigo do povo». Continuava sendo «um instrumento útil e necessário aos imperialistas americanos e que facilitava a completa colonização do Brasil pelos Estados Unidos». E concluía: «O povo brasileiro levantar-se-á contra o atual estado de coisas, não admitirá que o governo de Vargas reduza o Brasil a colônia dos Estados Unidos. O atual regime de exploração e opressão a serviço dos imperialistas americanos deve ser destruído e substituído por um novo regime, o regime democrático e popular». Isto era escrito quando o imperialismo já estava em franca ofensiva visando derrubar o governo Vargas e substituí-lo por um governo títere.
O golpe contra Vargas
A tentativa de assassinato do jornalista oposicionista Carlos Lacerda e a morte de um major da aeronáutica, ocorridas em 5 de agosto de 1954, seriam os pretextos encontrados para que um golpe fosse dado contra Getúlio. Apesar do envolvimento do chefe da guarda pessoal do presidente as investigações feitas pelos próprios inimigos do governo não comprovaram qualquer envolvimento direto de Vargas no atentado.
No dia nove de agosto o jornal Correio da Manhã pediu que Vargas renunciasse. «A renúncia do Presidente da República, afirmou o jornal, não significa um derrota, nem uma humilhação. Deixará o governo sem ser deposto ou vencido (…) Um regime não é um homem, e está nas mãos do Senhor Getúlio Vargas o gesto patriótico de um sacrifício pessoal para que se mantenha de pé o regime e íntegra a constituição, juntamente com a ordem pública e a tranqüilidade dos espíritos». A mesma conclamação era feita pelo conjunto da grande imprensa brasileira – a exceção do jornal Última Hora. A oficialidade das Forças Armadas, dirigida pelos setores entreguistas, já se movimentava para derrubar o governo constitucional.
Em 24 de agosto, diante do golpe militar em curso, o presidente se suicidou. As condições de sua morte e, especialmente, o forte teor nacionalista de sua carta-testamento levaram a uma verdadeira rebelião popular nas grandes cidades brasileiras. As redações dos jornais e sedes dos partidos oposicionistas foram atacadas pela multidão enfurecida. O povo também tentou atacar a embaixada norte-americana, encarada como principal articuladora do golpe de Estado. O líder civil da campanha contra Getúlio, e pivô da crise que levou ao golpe e ao suicídio, Carlos Lacerda, foi obrigado a se esconder e depois deixou o país.
Até o dia do golpe os comunistas se aferraram na sua postura de oposição sistemática ao governo. Em 6 de março, pelas páginas do jornal Voz Operária, Diógenes Arruda reafirmou a opinião de que Vargas era «um instrumento servil dos imperialistas norte-americanos». No dia 12 de agosto o jornal comunista paulista Notícias de Hoje afirmou que o conflito político de Vargas com a oposição entreguista, encabeçada pela UDN, era «uma luta entre dois bandos perfeitamente idênticos» pois os dois grupos defenderiam «uma política de submissão completa aos monopólios norte-americanos e ao governo de Washington».
No mesmo dia do golpe e suicídio de Vargas o jornal comunista Imprensa Popular publicou uma longa entrevista com Luís Carlos Prestes no qual ele afirmava: «O sr. Vargas já confessou repetidamente que não se sente bem nas suas roupagens de presidente constitucional, mas falta-lhe ainda a força indispensável para realizar o golpe de Estado, liquidar os últimos vestígios constitucionais implantar a ditadura terrorista que almeja. Neste sentido, a ameaça maior vem da UDN, que cinicamente ainda pretende passar por oposicionista e que tem a frente um grupelho de generais fascistas (…) procuram apresentar-se como salvadores da pátria e pensam ainda poder enganar o povo, criar um ‘novo governo’ (…) que lhe permita, melhor que Vargas, realizar a política de traição nacional, de fome e reação impostas pelos trustes norte-americanos e pelo governo dos Estados Unidos». Prestes concluiu que era necessário «defender a constituição e impedir qualquer golpe de Estado e militar, venha de onde vier». Em meio do golpe das forças entreguistas, ligadas a UDN, Prestes ainda tinha dúvida de onde ele viria.
Os comunistas brasileiros, mesmo diante da ofensiva reacionária pró-americana contra Vargas, não conseguiram ver diferenças entre os programas político e econômico dos dois grupos conflitantes. Vargas continuava sendo, no plano interno, o principal inimigo. Por esta posição anti-Vargas os comunistas também acabaram sendo alvos da fúria popular. No Rio Grande do Sul o jornal comunista Tribuna Gaúcha teve sua sede depredada.
Dando uma guinada abrupta na sua tática os comunistas tentaram se aproximar das massas e dos políticos getulistas. Um documento publicado logo após a morte de Vargas afirmava: «O momento exige que trabalhistas e comunistas se dêem fraternalmente as mãos e que juntos lutem em defesa das leis sociais conquistadas» e apelava para que os «operários e operárias, camaradas trabalhistas» reforçassem «as fileiras do Partido Comunista». O Partido não faria nenhuma autocrítica das posições equivocadas assumidas diante do governo Vargas, especialmente nos seus últimos meses, quando ele era alvo de uma sórdida campanha de desestabilização.
No entanto, sob o impacto da morte de Vargas e redução das tensões internacionais, a tática comunista se tornou mais flexível e menos sectária. O Partido passou a propor uma política de alianças que envolvessem outros partidos como o PTB e o PSB e mesmo de setores progressistas de outros partidos. Infelizmente as lições daquele trágico 24 agosto de 1954 não foram suficientes para impedir que os mesmos erros fossem comedidos às vésperas do fatídico 31 de março de 1964.
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*Augusto César Buonicore é historiador, doutorando em Ciências Sociais pela Unicamp, membro da Comissão editoral da revista Princípios e Debate Sindical, do conselho editorial da revista Crítica Marxista, do Comitê Central do PCdoB e do Conselho de Redação da revista Debate Sindical.