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Ocidente e oriente – Guerra de posição e guerra de movimento

Fuentes: Rebelión

A distinção entre as sociedades ocidentais e orientais – entre sociedades capitalistas política e economicamente desenvolvidas e sociedades capitalista política e economicamente atrasadas – já se encontrava nas últimas formulações de Lênin quando afirmava que na Rússia era mais fácil tomar o poder do que na Europa ocidental, mas seria muito mais difícil mantê-lo. Isto […]

A distinção entre as sociedades ocidentais e orientais – entre sociedades capitalistas política e economicamente desenvolvidas e sociedades capitalista política e economicamente atrasadas – já se encontrava nas últimas formulações de Lênin quando afirmava que na Rússia era mais fácil tomar o poder do que na Europa ocidental, mas seria muito mais difícil mantê-lo. Isto o teria levado a repensar a própria estratégia a ser utilizada no ocidente.

À partir daí o comunista italiano Antônio Gramsci concluiu: «Parece-me que Ilitich compreendeu que era necessária uma mudança da guerra de movimento, aplicada vitoriosamente no Oriente em 1917, para a guerra de posição, única possível no Ocidente (…) Isto me parece o significado da fórmula da ‘frente única'».

Mas qual seria a distinção entre o oriente e o ocidente? Afirmou ele: «No Oriente, o Estado era tudo e a sociedade civil era primitiva e gelatinosa; no Ocidente, entre Estado e sociedade civil havia uma relação equilibrada: quando há um abalo, imediatamente se percebe uma robusta estrutura da sociedade civil. O Estado era apenas uma trincheira avançada, por trás da qual estava uma robusta cadeia de fortalezas e casamatas; a proporção varia de Estado para Estado, como é evidente, mas precisamente isso requeria um cuidadoso reconhecimento de caráter nacional».

No ocidente, «a sociedade civil tornou-se uma estrutura muito complexa e resistente as irrupções catastróficas do elemento econômico imediato (crises, depressões , etc.): as superestruturas da sociedade civil são como sistema de trincheiras na guerra moderna». Ali o exercício normal da hegemonia é caracterizado «por uma combinação da força e do consentimento que formam equilíbrios variados, nos quais jamais a força predomina muito sobre o consentimento».

Esta distinção teve a sua própria história: «No período seguinte a 1870 (…) todos estes elementos se transformaram. As relações de organização do Estado (…) tornaram-se mais complexas e sólidas e a fórmula de 1848 da ‘revolução permanente’ foi re-elaborada e superada na ciência política pela fórmula da ‘hegemonia civil’ (…) A sólida estrutura das democracias modernas – tanto as organizações estatais como as associações complexas da sociedade civil – é para a arte da política o que as «trincheiras» e fortalezas permanentes do front são para a guerra de posição (…) Esta questão se coloca para os Estados modernos, mas não para os países atrasados ou para as colônias, onde formas que em outros lugares foram superadas e se tornaram anacrônicas estão ainda em vigor».

Gramsci chegou a definir dois tipos distintos de estratégias revolucionárias: a guerra de movimento e a guerra de posições. Localizando a primeira como a estratégia mais adequada a sociedades de tipo oriental – como a Rússia – e a segunda nas sociedades de tipo ocidental. Uma leitura unilateral dos textos políticos de Gramsci conduziu ao eurocomunismo. Ou, em outras palavras, os eurocomunistas se apropriaram reformisticamente de alguns textos de Gramsci.

No entanto, alguns autores corretamente já alertaram para o perigo da absolutização dos termos ocidente e oriente. Pois, na verdade, não se tratava de uma divisão geográfica, mas sim histórico-política. Rejeitavam, por conseguinte, absolutização das estratégias de guerra de posição e de guerra de movimento. As sociedades concretas articulam, em maior ou menor medida, elementos de ocidentalidade e orientalidade e, portanto, a estratégia da guerra de posição e de movimento não devem ser excludentes nos processos revolucionários reais. O que nelas se diferencia é a tônica dada a um ou outro aspecto, tendo em vista a correlação de forças existente. Pois, diante do acirramento da luta de classes, sociedades ocidentais podem se tornar bastante autoritárias. Onde se localizaria Portugal em 1974, quando da eclosão da Revolução dos Cravos – típica guerra de movimento?

Dentro da estratégia de guerra de posições Gramsci anunciou a tese segundo a qual «um grupo social pode e mesmo deve ser dirigente antes de conquistar o poder governamental (esta é a condição para a conquista do próprio poder); em seguida, quando ele exerce o poder e o mantém solidamente em suas mão ele se torna dominante, mas também continua a ser dirigente».

Em outra passagem afirmou: «A supremacia de um grupo social se manifesta de duas formas, como ‘dominação’ e como ‘direção intelectual e moral’. O grupo social é dominante sobre os grupos inimigos, os quais tende a ‘liquidar’ ou submeter pela força das armas, e dirige os grupos que lhe são próximos ou aliados».

Aqui ele deixou claro o caráter de classe do Estado e sua função repressiva sobre as classes adversárias e inimigas. Assim, não confundiu direção e hegemonia sobre o conjunto das classes subalternas e dominação sobre o conjunto da sociedade de classes. Ele sabia muito bem que as concepções socialistas jamais poderão ser hegemônicas entre as classes proprietárias.

O que não fica claro na passagem acima é que mesmo a hegemonia, política e ideológica, sobre o conjunto das massas trabalhadoras só poderá se efetivar diante de uma crise de hegemonia – condição da crise revolucionária. Em situações normais as idéias dominantes serão sempre as idéias das classes dominantes – no capitalismo, a hegemonia política-cultural e moral pertencerá a burguesia. Encarar isto de outra maneira nos conduziria ao reformismo.

A partir da distinção entre sociedade de tipo oriental e ocidental e da necessidade de, no ocidente, construir uma estratégia de acumulação lenta e gradual da hegemonia na sociedade civil, alguns teóricos socialistas passaram a relativizar, ou mesmo negar, o caráter de classe do Estado nos regimes democráticos sob o capitalismo – deixando de entende-lo como instrumento de dominação de uma classe sobre outra.

Muitos procuraram elaborar uma estratégia, gradualista, na qual a conquista de hegemonia se confundia com o crescimento da influência da esquerda nos aparatos privados ou públicos – através de eleições. Uma conquista molecular do Estado democrático, transformando-o num Estado a serviço dos trabalhadores. O Estado democrático seria assim uma simples forma sem conteúdo, que poderia ser preenchido indiferentemente pelas diferentes classes que disputariam a hegemonia na sociedade.

Efetivamente, esta leitura pode ser feita à partir de citações isoladas dos Cadernos do Cárcere, mas é incompatível com o conjunto da produção teórica de Gramsci – pré ou pós-carcerária. Para ele mesmo nas democracias burguesas mais avançadas, embora os elementos de consentimento sejam dominantes, o elemento coerção continua sendo o determinante e, em última instância, irremovível. Embora só aparecendo nas fronteira do sistema a violência estatal-classista ele é latente e permanece de prontidão nos tribunais, quartéis e delegacias. Durante as crises revolucionárias rapidamente o que é latente e invisível aos olhos da sociedade adquire uma projeção surpreendente. Democracias podem rapidamente se transformar em ditaduras, mais ou menos abertas. Algumas delas foram chamadas eufemisticamente de «regimes fortes».

* Augusto César Buonicore é historiador, doutorando em Ciências Sociais pela Unicamp, membro da Comissão editoral das revistas Princípios e Debate Sindical, do conselho editorial da revista Crítica Marxista e do Comitê Central do PCdoB.