Vários críticos têm apontado para problemas dramatúrgicos no filme Olga, obra dirigido por Jayme Monjardim. Falta de substância histórica e overdose emocional são os argumentos mais ressaltados. Talvez exista uma certa razão para estes comentários. O filme exibe, em determinadas passagens, excessivo recurso a clichês e à linguagem melodramática. Mas estas são questões menores para […]
Vários críticos têm apontado para problemas dramatúrgicos no filme Olga, obra dirigido por Jayme Monjardim. Falta de substância histórica e overdose emocional são os argumentos mais ressaltados. Talvez exista uma certa razão para estes comentários. O filme exibe, em determinadas passagens, excessivo recurso a clichês e à linguagem melodramática. Mas estas são questões menores para quem tem o coração do lado esquerdo do peito. Qualquer objeção é pequena diante da empreitada de levar à tela, com paixão e delicadeza, a vida da heróica militante comunista.
Um dos mais ácidos comentários veio de José Geraldo Couto, publicado na Folha de S.Paulo em 20 de agosto. Além das objeções estéticas, lá pelas tantas afirma que a obra está marcada por um «maniqueísmo simplório que faz de todos os policiais brasileiros vilões com pesados capotes e bigodinhos sinistros». Há nesta observação de Couto um anticomunismo pouco disfarçado, que se sustenta sobre a teoria dos dois demônios. A julgar por suas palavras, havia heróis e vilões de ambos os lados – se o filme assim o reconhecesse, maniqueísta não seria. A eqüidistância seria o ponto da sensatez.
Seu argumento cheira mal. Na época, era o discurso dos que se portavam, envergonhados, como cúmplices pretensamente neutros do nazismo. Este foi o truque de Chamberlain e Deladier, governantes da Inglaterra e da França, para recusar uma frente única com a União Soviética, contra Hitler. Empolgavam-se, na verdade, com a idéia do chefe alemão dirigir todas suas forças para destruir o primeiro país socialista. Mas sempre em nome de uma posição equilibrada entre os extremos.
O fato é que só havia dois lados. Nada importa se, nas fileiras inimigas, incorporaram-se filhos e pais sensíveis, gente de boa índole. Estavam a serviço da barbárie e do crime contra a humanidade. Como bárbaros e criminosos devem ser retratados. Seu papel na história, portanto, só pode ser lembrado com repulsa e horror. Eles eram o perigo a ser abatido sem piedade. O filme de Monjardim este ponto de vista: abraça, com emoção, a epopéia dos que fizeram frente à brutalidade.
Olga Benário representa uma geração que se entregou, até as últimas conseqüências, à construção de um mundo novo. Era gente disposta a matar ou morrer. Lutadores que viveram uma época de tudo ou nada. Homens e mulheres foram além das contendas sociais em seus países. Muitos deram sua vida para deter o franquismo na guerra civil espanhola. Apresentaram-se para resistir aos nazistas na França ocupada. Perfilaram-se ao lado das tropas vermelhas que quebraram as forças alemãs na Batalha de Stalingrado.
Alguns destes militantes feitos de ferro e de flor vieram ao Brasil. Olga esteve nas primeiras filas de combate. Sua missão era ajudar o Partido Comunista e seus aliados a deterem a escalada fascista através de levante cívico-militar, com o objetivo de estabelecer um governo popular-revolucionário.
A insurreição de 1935, o instrumento desta política, revelou-se grave erro, cujos efeitos se arrastaram por décadas. Mas os que se levantaram em armas eram feitos de uma têmpera especial. Acreditavam visceralmente que a dignidade e a liberdade eram valores superiores à vida. Vários deles – como Apolônio de Carvalho e David Capistrano – juntaram-se às milícias que lutaram, sem fronteira, contra o nazifascismo. Outros pagaram com sangue e calabouço por sua opção.
A oligarquia jamais suportou a superioridade moral destes combatentes. Dedicou-se a difamar Luiz Carlos Prestes e seus companheiros, expurgando-os da memória nacional. Olga, o filme, contra a maré, resgata o compromisso histórico e a valentia destes lutadores. E vai além: desnuda a face historicamente criminosa das elites brasileiras. Em tempos tão cínicos e medíocres como os atuais, jovens e antigos amigos do povo deveriam assistir de peito aberto esta bela obra, que conta de quando éramos heróis.
Nós éramos, como escreveu Olga em sua última carta, os que lutávamos pelo «bom, pelo justo e pelo melhor do mundo».
25 de agosto de 2004