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Os comunistas e os movimentos sociais

Fuentes: Rebelión

Na sua longa trajetória, com acertos e erros, os partidos revolucionários sempre procuraram reforçar a sua intervenção nas chamadas frentes de massas – ou nos movimentos sociais, conforme a terminologia atual, bem mais consentânea. Para um partido que luta pela superação do capitalismo e pela conquista do poder político – que tem um projeto de […]

Na sua longa trajetória, com acertos e erros, os partidos revolucionários sempre procuraram reforçar a sua intervenção nas chamadas frentes de massas – ou nos movimentos sociais, conforme a terminologia atual, bem mais consentânea. Para um partido que luta pela superação do capitalismo e pela conquista do poder político – que tem um projeto de ruptura revolucionária e não acredita nas ilusões reformistas ou na via meramente institucional -, o vínculo permanente com as camadas populares, a mediação da consciência socialista com as suas ações imediatas e o incentivo à sua organização classista, são questões estratégicas.

Para um autêntico partido comunista, a ligação estreita com o povo e com suas lutas conforma sua própria razão de existência. Como alertava Vladimir Ilitch Lênin, «não cabe falar em papel dos comunistas como vanguarda da revolução quando nem sequer conhecemos a fundo o estado de espírito das massas, nem sabemos fundir-nos com as massas, pôr em movimento essas massas… É preciso aprofundar e ampliar continuamente o nosso trabalho e influência entre as massas. Sem isso, deixa-se de ser comunista» [1].

DEFENSIVA ESTRATÉGICA

Mas nem sempre é fácil desenvolver estes vínculos. A burguesia, através da feroz repressão ou de meios persuasivos mais sutis, sempre procurou bloquear a fusão do consciente com o espontâneo. Na fase mais recente, com a crise do socialismo, a avalanche neoliberal e as mutações no trabalho, essa ligação ficou ainda mais truncada. O movimento operário e socialista vive hoje um prolongado processo de defensiva estratégica. Apesar dos avanços recentes da resistência mundial ao neoliberalismo, os movimentos sociais ainda patinam na dispersão, nas escaramuças localizadas, na ausência de bandeiras unificadoras.

No reino do mercado e da ideologia neoliberal-individualista, a luta política é menosprezada; o ceticismo é difundido; o fatalismo viceja. Mesmo nos «novos movimentos sociais» que repercutem na mídia e na sociedade – como nas ações diretas contra ícones da globalização; nos protestos de Seattle ou de Gênova; na guerrilha zapatista no México; ou no Fórum Social Mundial – há muita confusão. Setores rejeitam a luta pelo poder político, negam a perspectiva socialista e priorizam o viés movimentista. Intelectuais de prestígio, como John Holloway, escrevem best-sellers pregando «mudar o mundo sem tomar o poder».

As dificuldades decorrentes dessa fase de defensiva atingem também formas tradicionais de organização popular. Por várias razões, muitos destes movimentos (sindical, comunitário, estudantil) passam por um processo de burocratização e de institucionalização. Sua capacidade de dirigir as lutas diretas, de massas, diminui. Até sua aparente politização padece da ausência de rebeldia. Diante da crise de representação e legitimidade, eles se voltam para dentro, atolam-se no aparelhismo. De meios, viram fins em si mesmos.

Deformações próprias dos movimentos particularistas, que só atuam sobre o imediato e não adotam uma perspectiva mais ampla, onde vinga o taticismo e sucumbe a estratégica, multiplicam-se. No sindicalismo, por exemplo, dirigentes gastam tempo e energia em disputas fratricidas por liberações, carros e celulares. Outros movimentos também são afetados, inclusive com perda de autonomia diante do Estado. Forma-se um caldo de cultura para a corrupção, o carreirismo, a busca de saídas individuais. Os valores ideológicos mais elevados e generosos, o espírito coletivo e a ação transformadora entram em declínio!

TERCEIRO SETOR?

Essa crise dos movimentos sociais tradicionais e mesmo dos partidos de militância, decorrente de causas objetivas e subjetivas bem palpáveis, talvez até ajude a explicar o florescimento de formas diferentes de organização societária – como os movimentos de ação direta citados e, principalmente, as famosas ONGs. No Brasil, já existem mais de 150 mil organizações não-governamentais – filantrópicas, ambientalistas, de direitos humanos. Segundo estudo intitulado «Guia da Filantropia», elas envolveriam mais de 258 mil abnegados voluntários, que operam diretamente com um contingente de 12 milhões de brasileiros [2].

No restante do mundo, com a onda neoliberal de negação do Estado, esse movimento – também batizado de «terceiro setor» – germinou a partir dos anos 70. A maior parte das ONGs recebe incentivo financeiro das poderosas corporações e recursos do Estado. O «não-governamental» é bastante relativo! Nos EUA, elas administram recursos superiores a 7% do PIB e já controlam 56% dos serviços de assistência social, 44% dos serviços de saúde e 48% dos cursos de formação profissional. Na Europa, com a profunda crise do Welfare State, vários serviços públicos essenciais, antes universais, foram repassados para as ONGs.

Dada a sua crescente influência, esse fenômeno gera justificadas inquietações. Intelectuais de esquerda, como James Petras, acusam as ONGs de aparelhos do imperialismo e de «aríetes do neoliberalismo» [3]. Mas é preciso evitar leituras unilaterais, sectárias. Afinal, o fenômeno é complexo e relativamente novo. Por um lado, tais organizações podem revelar uma maior vitalidade da sociedade na luta pela «cidadania»; por outro, muitas vezes elas são estimuladas com o objetivo da privatização da política, da negação da luta pela transformação social, da valorização das limitadas e fragmentadas ações assistencialistas.

Em certo sentido, são fruto da própria crise dos movimentos sociais organizados numa fase de defensiva estratégica da luta revolucionária. Sérgio Haddad, dirigente da Abong (Associação Brasileira das ONGs) e adepto do movimentismo, teoriza: «Nosso avanço respondeu à crise do Estado, mas também ao abalo de formas tradicionais de representação, como partidos e sindicatos. As ONGs estimulam outra relação entre o poder público e a sociedade civil, dando nova noção à política – menos hierarquizada e corporativa».

Descontado o ufanismo, é certo que tais organizações têm absorvido o esforço de militantes da esquerda política e social. Segundo pesquisa da Abong, 89% dos voluntários das ONGs que admitiram ter alguma identidade partidária confessaram simpatias pelo PT. «São pessoas cansadas dos impasses vividos pelo movimento sindical e partidos políticos em função de seu culto ao Estado», argumenta Luiz Antonio de Carvalho, diretor da Fase – uma influente e antiga ONG católica. Conforme reconhecem, o foco destas «organizações não-governamentais» é local, sem qualquer visão totalizante de superação do capitalismo.

PAPEL DOS COMUNISTAS

Constatados os dilemas dos «novos e antigos» movimentos sociais, cabe avaliar crítica e autocriticamente a ação dos comunistas nessa frente estratégica. Lênin já ensinou que «a atitude de um partido político ante seus erros é um dos critérios mais importantes e seguros para se julgar a sua seriedade e o cumprimento efetivo de seus deveres para com sua classe e para com as massas trabalhadoras. Reconhecer abertamente os erros, pôr a nu as suas causas, analisar a situação que os originou e discutir atentamente os meios de corrigi-los: isso é o que caracteriza o partido sério; isso é educar e instruir a classe e, depois, as massas».

No caso do Partido Comunista do Brasil, há consenso de que a sua trajetória recente apresentou aspectos positivos, mas também negativos. O PCdoB avançou em seu trabalho junto às massas, na sua intervenção nas lutas sociais, na conquista de espaços de disputa da hegemonia na sociedade. É só lembrar que com a cisão do movimento comunista nas décadas de 50/60 e com a feroz repressão do regime militar, o partido sofreu um corte na sua vinculação de massas. Com o tempo, em função da sua linha política ajustada, do seu projeto revolucionário e da forma leninista de organização, ele cresceu e adquiriu maior influência.

Depois do PT, é indiscutivelmente o partido que tem hoje a maior presença nos movimentos sociais. Ele é a principal força no movimento universitário e secundarista; conta com uma organização reconhecida na frente juvenil; ampliou seus espaços, ainda que timidamente, no sindicalismo; realiza ricas experiências de trabalho comunitário; tem uma política definida na luta emancipacionista das mulheres; procura se estruturar no combate anti-racista; e passa a atuar em outros espaços, como nos conselhos da criança e adolescente, nos conselhos de saúde e nos movimentos culturais. Não dá para negar o seu avanço!

No entanto, na fase recente observam-se maiores entraves ao reforço e à renovação do trabalho partidário junto aos trabalhadores e as massas. Os 20 anos de atividade legal do partido, que representaram um saldo altamente positivo no que se refere à afirmação da sua identidade, à ampliação da sua influência política e à formação de novos quadros, também fomentaram novas contradições. Como já foi diagnosticado, há um descompasso crescente entre o aumento da influência política e a capacidade organizativa e ideológica do partido. Isto se reflete nas dificuldades para elevar os seus vínculos com as massas, em estimulá-las à luta e organizá-las, em desenvolver a mediação entre a consciência socialista e as lutas imediatas.

BALANÇO CRÍTICO

Nesta fase «legal», o partido procurou ampliar a sua presença institucional e disputou várias eleições. De maneira acertada, concentrou as suas energias para obter êxitos neste terreno indispensável à disputa pela hegemonia numa sociedade complexa como a brasileira. Essa opção, entretanto, cobrou seu preço. Como já alertou Walter Sorrentino, secretário nacional de organização do partido, os próprios êxitos obtidos na frente institucional estimularam certas distorções. «As pressões pela atuação na esfera parlamentar e de governo reduzem, por vezes, a atenção e o esforço dedicados à luta dos movimentos sociais».

Há uma percepção inquietante de que a intervenção dos comunistas nos movimentos sociais está aquém das possibilidades e das necessidades. É frágil a nossa capacidade de formular bandeiras mobilizadoras e unificadoras, em dar diretivas concretas para as ações diretas, em dirigir as lutas em curso. Muitas vezes, o partido «apóia» as lutas existentes, o que é um fato positivo, mas revela certa passividade que rebaixa seu próprio papel de vanguarda. Direções partidárias pouco discutem e planejam a intervenção nas frentes de massas; no máximo, fixam alguns responsáveis, que isolados tende a compartimentar esse trabalho; e muitas vezes até adotam práticas utilitaristas, acionando os militantes somente nos períodos eleitorais.

Na outra ponta, os militantes que atuam nas frentes de massas, em especial com cargos eletivos, tendem a menosprezar o papel do partido revolucionário. No caso do movimento sindical, são mais sindicalistas do que comunistas! Tal ironia serve aos militantes das outras frentes, também absorvidos pelas urgências do cotidiano e pelas responsabilidades de direção de suas entidades – que são reais, mas devem ser bem mais calibradas. Com isso, não percebem as reais potencialidades, mas também os limites destes movimentos, que lutam contra os efeitos da exploração e não contra suas causas – que decorrem da lógica capitalista.

Sem visão totalizante, sem perspectiva da transformação social, diminuem as suas defesas imunológicas. Eles ficam mais vulneráveis às deformações endógenas destes movimentos – como corporativismo, economicismo, localismo, aparelhismo e outros ismos que, em síntese, conduzem ao puro reformismo. Valores ideológicos burgueses, individualistas e mesquinhos, passam a contaminar a nossa atuação. A instituição, sindical ou outra qualquer, passa a ser um fim em si mesmo; não um meio, um instrumento para intervenção organizada do partido visando a elevação da consciência socialista. A sobrevivência nas estruturas, com seus privilégios próprios, passa a nortear, mesmo que de forma inconsciente, a sua ação.

A preocupação com a construção do partido, a valorização da elaboração coletiva e do funcionamento democrático de suas instâncias, cai no vazio. Esta visão limitada reforça ainda mais a compartimentação dos vários movimentos. Cada sindicato cuida da sua base, rebaixando a cultura intersindical e classista; o mesmo ocorre nos outros movimentos. Para piorar, estas frentes quase que não se relacionam, tornam-se estanques, o que dificulta a construção de uma maior unidade popular. Com o avanço da exclusão social, eles se afastam das grandes massas, não apresentam um discurso para a sociedade em seu conjunto.

Em resumo: os problemas são sérios e preocupantes! Eles ocorrem numa via de mão-dupla, sendo que a responsabilidade maior cabe às direções do partido. Exigem uma revolucionarização da nossa prática, um repensar da nossa intervenção nestes movimentos. A experiência histórica da luta do proletariado indica que sem a existência de um partido forte, de vanguarda e de massas, não se forja um movimento social revolucionário. Urge, portanto, fortalecer este instrumento indispensável à transformação da sociedade – construindo um partido ajustado politicamente, sadio ideologicamente e estruturado organicamente.

PARTIDO E MOVIMENTOS

Nesse ponto, duas polêmicas afloraram nos últimos tempos e contaminam nosso cotidiano. Elas envolvem a relação partido/movimentos sociais e a relação luta institucional/luta de massas. Atualmente, existe uma violenta ofensiva ideológica para desmoralizar a atuação política – viveríamos no reino do mercado e do individualismo hedonista – e para desacreditar a instituição-partido. Este não teria mais função, a disputa esquerda versus direita teria sido superada, as ideologias estariam enterradas – seria o «fim da história».

A tese da negação dos partidos acabou encontrando eco inclusive em setores da própria esquerda. Diante das dificuldades da ação partidária, dos problemas que são reais, alguns passaram a defender a pureza dos movimentos, «mais democráticos», menos burocratizados, mais voltados à ação direta. No Fórum Social Mundial esta visão surgiu com ímpeto. Apologistas do chamado movimentismo criticaram a presença dos partidos políticos e rejeitaram qualquer resolução que apresentasse o socialismo como alternativa.

Na prática, independentemente das intenções, tais posturas negam a luta pela conquista do poder político e pela superação do capitalismo e apostam todas suas energias nos próprios movimentos – muitas deles, inclusive, com suspeito apoio financeiro de corporações capitalistas. Eduard Bernstein, mentor da social-democracia, já dizia que «o movimento é tudo, o objetivo final não é nada». Sem uma visão totalizante de transformação da sociedade, os movimentos sociais por si só não conduzem às mudanças do sistema de exploração. As ações moleculares e o particularismo dos movimentos estão condenados à esterilidade!

Os chamados «novos» movimentos sociais e as ONGs podem até seduzir e colocar em ação contingentes que antes estavam apartados, sem voz, para denunciar as mazelas do capitalismo e defender os direitos da «cidadania». Mas eles são insuficientes enquanto projeto político transformador da sociedade. Em muitos casos, eles servem como terapia para as consciências atormentadas, com suas atuações filantrópicas que canalizam a generosidade humana no combate aos efeitos, mas não às causas da miséria [4]. O combate às idéias movimentistas, tão em voga na atualidade, exige firmeza de princípios e habilidade no trato.

Numa instigante polêmica com o zapatismo, vedete do movimentismo, o sociólogo Atílio Borón critica a antipolítica de alguns desses «novos movimentos sociais». Para ele, eles incorreriam em dois perigos: «Primeiro, porque se trata de um grave erro, sobretudo para um movimento empenhado em construir um mundo novo; segundo, por sua proximidade semântica com o discurso neoliberal que fulmina a político como ‘ruído’ que altera o sereno funcionamento dos mercados». Conforme argumenta, «propor a tomada do poder pode resultar num assunto complicado e desagradável, mas evitar a discussão não faz avançar um centímetro a marcha da história. Bem ao contrário: o mais provável é que se atrase ainda mais» [5].

FALSA DICOTOMIA

Já no debate sobre luta institucional e luta de massas, primeiro é necessário superar uma falsa dicotomia. Elas não podem ser tratadas como antagônicas, mas sim como frentes que se inter-relacionam e se retro-alimentam. No geral, o avanço das lutas sociais pavimenta o terreno para as vitórias institucionais – como comprovam várias experiências mundiais e inclusive no Brasil. Já a ocupação dos espaços institucionais pode reforçar os movimentos sociais. Na atuação parlamentar, com a denúncia permanente das injustiças e a presença constante nas lutas, a ligação é mais visível. Já na ação dos executivos, às vezes ela é menos palpável. Mas, ao democratizar as relações de poder e ao alterar o destino dos recursos públicos, ela também alavanca as lutas sociais – que o diga a própria origem do Fórum Mundial em Porto Alegre.

Por outro lado, no entanto, é indiscutível que há problemas nessa relação. Muitas vezes, não há uma justa combinação entre estas frentes. Como foi dito acima, acaba-se concentrando esforços físicos e materiais nas disputas institucionais em detrimento de uma ação mais planejada nos movimentos sociais. Para um partido revolucionário, esta distorção é fatal. Ela, inclusive, fragiliza a possibilidade de novos êxitos na frente institucional. Para o partido, não pode haver dúvida: a ação institucional só tem sentido estratégico se levar à acumulação de forças; se ajudar a impulsionar as lutas políticas de massa; se servir à elevação da consciência socialista dos trabalhadores; se ajudar, de fato, na construção e estruturação partidária.

Aqui vale, mais uma vez, o alerta de Vladimir Ilitch Lênin: «O que nos importa não é assegurar um lugar na Duma [no parlamento]. Ao contrário, estes lugares somente são importantes na medida em que possam contribuir para desenvolver a consciência das massas, elevar o seu nível político e organizá-las, não em nome da placidez filistéia, da ‘tranqüilidade’, da ‘ordem’ e da ‘prosperidade pacífica’ (burguesa), mas em nome da luta para conquistar a plena liberdade do trabalho de toda a exploração e opressão. Só nessa medida são importantes para nós os postos na Duma e toda a campanha eleitoral» [6].

* Versão atualizada do texto apresentado no «Ativo dos movimentos sociais» promovido pelo PCdoB de São Paulo em abril de 2001.

NOTAS

1- Vladimir Lênin. «O trabalho do partido entre as massas». Editora Ciências Humanas, SP, 1979.

2- Stephen Kanitz (org.). «Guia da filantropia-2001».

3- James Petras. «Las dos caras de las ONGs». La Jornada, 08/08/2000.

4- Cynara Menezes. «Volunterapia alivia problemas pessoais». Folha de S.Paulo, 01/04/01.

5- Atílio Borón. «Filosofia política marxista». Editora Cortez, SP, 2003.

6- Vladimir Lênin. «Os comunistas e as eleições». Editora Anita Garibaldi.