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Pedro Pomar e as comemorações da independência do Brasil

Fuentes: Rebelión

«Os traços do Brasil como nação se desenvolveram progressivamente, foram criação das massas, fruto de seu trabalho, de sua inteligência, de suas lutas». Pedro Pomar in O povo Conquistará a verdadeira independência. Setores da imprensa brasileira tentaram desmoralizar a iniciativa do governo Lula de fortalecer as comemorações do dia da independência. Tentaram, inclusive, mobilizar alguns […]

«Os traços do Brasil como nação se desenvolveram progressivamente, foram criação das massas, fruto de seu trabalho, de sua inteligência, de suas lutas».
Pedro Pomar in O povo Conquistará a verdadeira independência.

Setores da imprensa brasileira tentaram desmoralizar a iniciativa do governo Lula de fortalecer as comemorações do dia da independência. Tentaram, inclusive, mobilizar alguns intelectuais para que condenassem tal atitude, mas os resultados foram pífios. Buscou-se, fundamentalmente, relacionar as medidas patrióticas com uma possível volta ao autoritarismo. Nesta grande salada ideológica incluiu-se o debate sobre a criação da Agência Nacional do Audiovisual e do Conselho Nacional de Jornalismo.

Esta tentativa de associar nacionalismo e autoritarismo cresceu durante a década de 1990 e esteve vinculado à ofensiva política, econômica e ideológica do neoliberalismo nos países periféricos. Esta tese foi criticada pelo professor Bresser Pereira num interessante artigo publicado na Folha de São Paulo. Escreveu ele: «O nacionalismo é condenado aqui, mas os países ricos, encabeçados pelos Estados Unidos, continuam mais nacionalistas que nunca». E conclui: «os países ricos são nacionalistas porque sabem o que nós esquecemos: que o desenvolvimento é sempre resultado de uma estratégia nacional». Os ideólogos do imperialismo procuram apresentar o nacionalismo como um contraponto negativo ao liberalismo econômico e a democracia política.

Devemos reconhecer que, na América do Sul, existem bases reais para esta associação. Nesta parte do continente americano, nas décadas de 1960 e 1970, implantaram-se ditaduras militares ferozes. Elas, em geral, se vestiam com roupagens nacionalistas e buscavam confundir a necessária defesa da nação e a insustentável defesa dos regimes discricionários de plantão. No Brasil o slogan – símbolo deste período sombrio – era «Brasil, ame-o ou deixe-o!». Todos aqueles cidadãos, e cidadãs, que discordavam do regime eram imediatamente considerados inimigos da nação. A democracia e o socialismo eram apresentados como «plantas exóticas» que deveriam ser extirpadas.

Durante as comemorações do sesquicentenário da Independência, em 1972, no auge da repressão política, o principal homenageado foi o imperador D. Pedro I, que teve seu corpo transladado para o Brasil – um presente da ditadura salazarista. Esta manipulação reacionária dos símbolos nacionais conduziu a um afastamento gradual dos setores democráticos e populares. A rejeição à ditadura virou uma rejeição aos símbolos e as datas nacionais.

Mas nem toda esquerda rompeu com a necessidade de reafirmação do nacionalismo, especialmente de cunho antiimperialista. Os comunistas, por exemplo, afirmavam que o regime militar não representava o conjunto da nação e era preciso tirar das mãos da ditadura a bandeira nacional e tudo aquilo que ela representava de positivo. O documento que melhor traduziu este espírito foi escrito pelo veterano dirigente comunista Pedro Pomar, que viria ser brutalmente assassinado na Chacina da Lapa, ocorrida em dezembro de 1976. O texto se intitulava O povo conquistará a verdadeira independência.

Escreveu Pomar: «Ao comemorar o evento, as forças populares e patrióticas, especialmente os comunistas, compreendem que sua missão principal consiste em desmascarar o pseudo patriotismo das classes dominantes; em salientar as lutas do povo e honrar a memória dos que se sacrificaram pela pátria (…) A proclamação da Independência e a fundação do Estado nacional brasileiro, em 1822, resultaram de um cruento e doloroso processo de lutas e vicissitudes. Seu maior artífice foi o povo. Cabe-lhe o principal mérito pela vitória da causa autonomista». Por isto, continuou ele, «as forças populares e patrióticas comemoram o sesquicentenário da independência política erguendo bem alto a bandeira da luta revolucionária pela liberdade e emancipação nacional (…) Reverenciam a memória dos heróis e dos mártires da luta pela independência, pela abolição e a República, dos patriotas que tombaram pugnando contra o imperialismo e a reação, dos democratas assassinados pelo governo militar».

A Independência, apesar dos seus limites, foi um momento decisivo na constituição daquilo que seria a nação brasileira. Não era possível que o país avançasse na senda do desenvolvimento capitalista sem a conquista da autonomia política e a constituição de um Estado Nacional. Por sua vez, esta era uma das condições essenciais para transição revolucionária ao socialismo, aspiração maior dos trabalhadores.

Os comunistas, duramente reprimidos, em meio ao patriotismo autoritário, viram razões de sobra para comemorar o sesquicentenário. Eles sabiam era preciso resgatar para si a conquista da independência e reafirmar que a nação não se confundia com a ditadura, ela era uma obra do povo e de seus heróis. Atualmente este resgate se faz ainda mais necessário, visto que as elites brasileiras, inspiradas pela ideologia neoliberal, afastaram-se completamente das aspirações nacionais. Elas negaram o nacionalismo e a possibilidade de qualquer projeto efetivamente nacional.

As forças progressistas precisam apoiar decididamente a iniciativa de Lula e exigir que esta retomada do nacionalismo avance ainda mais e passe a predominar na área econômica do governo. As regras draconianas impostas pelo FMI são obstáculos intransponíveis para a construção de um novo projeto de desenvolvimento nacional autônomo e a conquista da nossa «verdadeira independência», com a qual sonhava o comunista Pedro Pomar.

*Augusto César Buonicore é historiador, doutorando em Ciências Sociais pela Unicamp, membro da Comissão editoral da revista Princípios e Debate Sindical, do conselho editorial da revista Crítica Marxista e do Comitê Central do PCdoB.