Os soldados equatorianos que realizam operações na fronteira norte do país, com a Colômbia, qualificada pelas Forças Armadas como zona de alto risco, têm permissão de capturar ou matar quaisquer pessoas consideradas «suspeitas», informa o jornalista Marcelo Larrea, correspondente da Agência Frei Tito (Adital) no Equador e diretor da revista El Sucre, baseando-se em informações […]
Os soldados equatorianos que realizam operações na fronteira norte do país, com a Colômbia, qualificada pelas Forças Armadas como zona de alto risco, têm permissão de capturar ou matar quaisquer pessoas consideradas «suspeitas», informa o jornalista Marcelo Larrea, correspondente da Agência Frei Tito (Adital) no Equador e diretor da revista El Sucre, baseando-se em informações reveladas pelo diário El Comercio, de Quito (capital equatoriana). Estas determinações, diz Larrea, revelam a plena subordinação do governo do presidente Lucio Gutiérrez aos Comando Sul das Forças Armadas dos Estados Unidos, que integra também o Exército colombiano. Está em pleno curso, portanto, uma etapa superior da intervenção armada estadunidense na região amazônica, iniciada no ano 2000 como Plano Colômbia, promovida em 2003 à categoria de Iniciativa Andina e agora qualificada como Plano Patriota (o nome é uma clara alusão ao Decreto Patriota de outubro de 2001, mediante o qual Baby Bush atribuiu poderes excepcionais aos arapongas e agentes da repressão em seu país).
O Plano Patriota foi lançado em junho, como uma vasta operação de ataque às áreas controladas pelas Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), abrangendo uma área de 260 mil km2. Envolve pelo menos 17 mil soldados colombianos e equatorianos, apoiados por forças móveis, esquadrões especiais de combate na selva e aparato tecnológico fornecido pelos Estados Unidos. A Casa Branca, ao justificar o plano, e pedir mais verbas para o Congresso, afirmou ser necessário «blindar» as fronteiras da Colômbia com o Equador, Peru, Bolívia e Panamá. Em apenas um ano, o general James Hill, chefe do Comando Sul, manteve treze reuniões com chefes militares colombianos e equatorianos, em preparação à ofensiva. Em memorando dirigido ao Congresso dos Estados Unidos, a organização não governamental Escritório sobre a América Latina em Washington (Wola, na sigla em inglês) afirmou que a Operação Patriota marca uma nova etapa do envolvimento militar direto dos Estados Unidos nos conflitos da Amazônia. A Associação Latino-americana de Direitos Humanos, com sede em Quito, alertou sobre o impacto que o plano terá ao longo dos 640 quilômetros de fronteira entre os dois países. Ao contrário de «blindar» fronteiras, a tendência é a de envolver toda a região no conflito.
O Plano Colômbia, inicialmente previsto para terminar em 2005, foi apresentado como uma estratégia de combate ao narcotráfico, e desse pretexto pretendeu extrair a sua legitimidade: a guerra às drogas reúne, potencialmente, as qualidades de uma bandeira universal. Mas o problema real, do ponto de vista da Casa Branca, nunca foram as drogas, e sim a resistência oferecida pela guerrilha aos planos de colonização da Amazônia. No início do ano 2000, mais de 40% do território colombiano estava sob controle das Farc, chefiadas por Manuel «Tirofijo» Marulanda e integradas por 15 mil soldados, e do Exército de Libertação Nacional (ELN). chefiado por Nicolas Rodriguez, com 6 mil soldados. A história oficial, contada pelos governos e pela mídia, tenta mostrar a guerrilha como uma espécie de vertente armada do narcotráfico (a expressão «narcoterrorismo» foi criada por Lewis Tambs, embaixador de Ronald Reagan na Colômbia). Nada mais falso A guerrilha está profundamente arraigada no movimento popular e indígena da Colômbia, e só por isso consegue desafiar um Exército nacional de 150 mil homens.
Com o Plano Patriota, as máscaras caíram de vez. A presença militar estadunidense destina-se, agora clara e explicitamente, a combater a resistência guerrilheira. Em outros termos, Washington mete as patas na guerra civil da Colômbia, envolve no conflito o Equador e instala seus soldados na Amazônia. A presença crescente dos marines combina-se com a multiplicação das bases militares na região. Em Manta, área litorânea do Equador, os Estados Unidos instalaram, a partir de 1999, a maior pista de pouso da América do Sul, com capacidade para receber aviões Galaxy, aqueles que podem transportar até tanques de guerra. A base se situa a 20 minutos de vôo das principais zonas de conflito da Colômbia, e situa-se em uma posição estratégica que permite o controle militar do Pacífico Sul, do Canal do Panamá e da América Central. Na América Latina, as bases e as ocupações militares estadunidenses estão situadas principalmente na Amazônia, na região do Plano Puebla Panamá (sul do México e América Central) e no sul do continente (na região da Tríplice Fronteira e na Terra do Fogo). No Brasil, o objetivo era controlar a base de Alcântara, no Maranhão.
Para desalojar as populações indígenas e camponesas das províncias de Carchi, Sucumbios e Esmeraldas, na fronteira entre Equador e Colômbia, o exército colombiano mantém a prática, várias vezes denunciadas nestas páginas, de lançar bombardeios com o «gás verde» (fusarium oxisporum), um fungo transgênico extremamente tóxico para o ser humano, fornecido pela transnacional estadunidense Monsanto, com o pretexto de destruir as folhas de coca. Os ataques produzem uma tremenda catástrofe humana e ambiental, semelhante a que a humanidade foi obrigada a presenciar nas florestas vietnamitas. Qualquer semelhança com a prática dos Estados Unidos despejarem o napalm ou «agente laranja» no Vietnã não é mera coincidência (aliás, adivinhe quem fabricava o napalm… Acertou: a nossa boa e velha Monsanto dos transgênicos, premiada pelo governo Lula, em 2003, com a medida provisória que legalizou a prática incentivada pela empresa de contrabando de sementes no Brasil, e outra vez premiada, em 2004, por bravos, bravíssimos deputados do PT que, jogando no lixo compromissos históricos e de campanha, agora enxergam virtudes na soja geneticamente modificada; mas cobrar princípios do PT virou a grande piada nacional).
Outro componente da estratégia estadunidense é provocar o envolvimento militar da Venezuela nos conflitos. Tornaram-se freqüentes, nos últimos meses, as incursões de mercenários colombianos treinados pelos «assessores» de Bush em território venezuelano. No início de setembro, o presidente Hugo Chávez visitou pessoalmente as áreas fronteiriças e anunciou a mobilização das Forças Armadas para reforçar a guarda da região. Trata-se de uma situação extremamente perigosa e delicada, pois no caso venezuelano as agressões externas combinam-se com as articulações domésticas – as mesmas que produziram o fracassado golpe de Estado de abril de 2002.
Um dos dados mais impressionantes que emerge desse quadro é a capacidade de resistência oferecida pela guerrilha. Até o momento, a tremenda ofensiva militar foi incapaz de produzir qualquer grande estrago visível nas forças guerrilheiras. A Casa Branca não tem qualquer troféu para exibir. Isso só é possível porque, ao contrário do que dizem Bush, os seus porta-vozes e jornalistas regiamente pagos, a guerrilha conta com o apoio de uma boa parcela da população indígena e camponesa. Mas, até quando a resistência conseguirá se manter? É uma pergunta angustiante para todos os que se preocupam com o futuro da América Latina, da Amazônia e o do Brasil, em particular. Como seria bom se o governo Lula, cumprindo com compromissos históricos do PT, em vez de alegremente legitimar a ocupação estadunidense do Haiti, contribuísse de alguma forma com a resistência ao Império. Ops, que o leitor perdoe o lapso: não se cobra princípios do PT. Ora, os princípios…