O presidente e o secretário de Relações Internacionais do Partido dos Trabalhadores (PT), José Genoíno e Paulo Ferreira, estão participando de encontros regulares com políticos do Haiti para articular a criação de uma agremiação, dita de esquerda, no país. O objetivo é montar uma sigla – cujo nome temporário é Movimento pela Fusão – que […]
O presidente e o secretário de Relações Internacionais do Partido dos Trabalhadores (PT), José Genoíno e Paulo Ferreira, estão participando de encontros regulares com políticos do Haiti para articular a criação de uma agremiação, dita de esquerda, no país. O objetivo é montar uma sigla – cujo nome temporário é Movimento pela Fusão – que tenha chances de vencer as eleições presidenciais, marcadas para 2005. Participam da articulação grupos que estiveram no Fórum de São Paulo *, no ano passado, e fazem oposição ao expresidente haitiano Jean-Bertrand Aristide, deposto em fevereiro.
Em entrevista exclusiva, Ferreira revelou que foi duas vezes ao Haiti e pretende organizar novas viagens. Em fevereiro do próximo ano, políticos haitianos devem vir ao Brasil para encontrar-se com integrantes do PT. De acordo com o secretário, não se trata de exportar um modelo de partido, mas de discutir a experiência petista com os haitianos. Experiência caracterizado por Ferreira como de «uma grande democracia interna».
Procurado pela reportagem do Brasil de Fato, Markus Sokol, do Diretório Nacional do PT, se disse surpreso com a notícia, que considerou uma intervenção indevida na política interna do Haiti. «O governo brasileiro tomou uma decisão que impõe ao Haiti uma administração ilegítima. A criação de um partido forçado caracteriza a coerção à qual está sendo submetido o povo haitiano», afirmou Sokol.
TRADIÇÃO CORROMPIDA
Sokol disse que a iniciativa do PT de participar da articulação de um partido em outro país não tem precedentes e não foi discutida abertamente pelos integrantes do Diretório Nacional. Ele participa de um movimento de oposição à intervenção militar no Haiti, iniciada em maio, e acompanha as discussões no partido sobre a situação do país. Estranhando muito desconhecer a informação, explicou: «A iniciativa teria que ter passado pelo Diretório, mas não passou. Nunca houve uma discussão sobre esse assunto».
Esse tipo de política internacional, para Sokol, não é corrente no PT, que se fundamenta em relações mais abertas, sem definir exatamente os grupos que decide apoiar. «A concepção sempre foi de manter relações com partidos de esquerda que defendam os trabalhadores, deixando à população de cada país as decisões sobre sua política interna», explicou.
Nesse ponto, Sokol diverge de Ferreira. O secretário de Relações Internacionais justifica a iniciativa como um avanço: «Queremos tornar a política internacional mais robusta».
QUAL ESQUERDA?
Valério Arcary, da direção nacional do Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU), agremiação que se opõe à ocupação do Haiti e faz oposição ao governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ironizou o uso do termo «esquerda» para definir o partido que o PT está ajudando a criar no Haiti. «O termo está sendo usado como cobertura para um jogo de camuflagem ideológica. Esquerda e direita são conceitos que remetem a atitudes diante da propriedade privada. A direita é a favor do mercado, da acumulação do capital, enquanto a esquerda se identifica com justiça social e igualitarismo», explica. Para ele, a criação de um partido de esquerda depende de mobilização popular, o que não está ocorrendo no Haiti. O país, onde vivem 8 milhões de pessoas, tem atualmente mais de 60 partidos, e nenhum desses tem apoio da maioria da população.
Segundo Arcary, os grupos que participam do Movimento pela Fusão devem estar alinhados com a ocupação do país. «Um partido que colabora com a intervenção estrangeira em seu território, aceitando tutela, tem pouca autoridade para pensar um projeto igualitarista», comentou. Para ele, o caráter eleitoreiro da manobra está claro: «O governo brasileiro pretende articular um grupo que o apóie para as eleições presidenciais. E quer montar um partido que ganhe». Segundo Sokol, entretanto, o tiro pode sair pela culatra pois as principais organizações sociais do país, como o Mouvement des Paysans Pauvres (em português, Movimento dos Camponeses Pobres), não devem colaborar com políticos que defendam a ocupação do país.
* Colaborou Iolando Lourenço, de Brasília (DF), da Agência Brasil.
* Fórum de São Paulo, Encontro de partidos políticos de esquerda da América Latina e Caribe que ocorre anualmente desde 1990
* Fórum de São Paulo, Encontro de partidos políticos de esquerda da América Latina e Caribe que ocorre anualmente desde 1990