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Quebrar a espinha dorsal do Judiciário é uma decisão que vem de longe

Fuentes: Rebelión

A primeira ação de um governo autoritário, ou um processo arbitrário, é quebrar a espinha dorsal do Poder Judiciário. Guardião, em tese, dos direitos do cidadão, observador da vigência plena do Estado de Direito, instância final para que sejam apreciadas demandas tanto no campo do direito público, como do privado, em momentos históricos de grande […]

A primeira ação de um governo autoritário, ou um processo arbitrário, é quebrar a espinha dorsal do Poder Judiciário. Guardião, em tese, dos direitos do cidadão, observador da vigência plena do Estado de Direito, instância final para que sejam apreciadas demandas tanto no campo do direito público, como do privado, em momentos históricos de grande relevância esse Poder se constitui numa espécie de casa do ordenamento jurídico institucional, pressuposto como voltado para o bem público.

As ditaduras, sem exceção, tratam logo de moldar o Judiciário aos seus propósitos. Domesticá-lo. Foi assim no período dos militares. Ministros independentes e que não se subordinavam à violência do Estado ditatorial, foram afastados.

Foi, por outro lado, um momento de grandeza na história do Poder. Quando Ribeiro da Costa, presidente do STF (Supremo Tribunal Federal) comunicou ao marechal Castello Branco que chamaria os correspondentes estrangeiros e entregaria a chave da casa se qualquer intervenção fosse feita ali.

Ou, quando ministros do porte de Evandro Lins, Hermes Lima, Vítor Nunes Leal, concediam hábeas corpus a presos sem culpa formada, vítimas de tortura e processados sem outra razão que não divergirem do governo militar.

O AI 5, um golpe dentro do golpe, afastou três ministros e abriu as portas para novos integrantes da Corte, todos afinados com a ordem e com a ditadura. E mesmo assim esbarrou em figuras decentes como Adauto Lúcio Cardoso.

O próprio STM (Superior Tribunal Militar), num determinado momento, teve dois oficiais generais que não se prestaram a compactuar com a barbárie: Pery Constant Bevilácqua e Rodrigo Otávio.

A Constituição de 1988, Constituição Cidadã, como a chamou Ulisses Guimarães, consagrava um objetivo democrático e voltado para a justiça social. Surgiu na contramão do Consenso de Washington, dos propósitos neoliberais para o mundo. Em especial para países do então denominado Terceiro Mundo, caso do Brasil e dos irmãos da América Latina.

O governo Collor, eleito em 1989 e empossado em 1990, tratou de começar a desmontar a Carta Magna e seu espírito. Dar conseqüência à nova ordem política e econômica, agora travestida de democracia. E começou com um confisco vergonhoso e abusivo de ativos financeiros de cidadãos brasileiros.

Se Collor naufragou, foi por conta da corrupção, de sua sede de poder e dinheiro, de seu despreparo. Era um fantoche criado pela Globo que resolveu levar a sério o papel de parte visível, mas não a mais importante de um novo viés autoritário e prepotente.

Itamar, nos seus dois anos e meio, quando se achava presidente da República, desafiou o STF, logo após a edição do Plano Real, por ter determinado correção em salários de servidores em função de divergências quanto a datas, afirmando que não aceitaria tutela e coisas do gênero, como se todo poderoso fosse. Um fato incrível aconteceu: os servidores que receberam em suas contas bancárias o valor determinado pelo STF tiveram o mesmo estornado. Uma ilegalidade absurda. O STF foi dócil e evitou o choque.

Ribeiro da Costa, um exemplo, teria respondido à altura e jamais engolido o agravo.

FHC foi a seqüência do projeto neoliberal. Autoritário, voltado para interesses das elites, desfechou um processo político e econômico que mutilou a Constituição, provocando toda a sorte de ilegalidades e arbítrios possíveis e impossíveis para cumprir os ditames do FMI.

Quando percebeu que haviam obstáculos no Poder Judiciário, como um todo, tratou de designar, esse é o termo, seu ministro da Justiça, Nelson Jobim, para a Suprema Corte. A primeira afirmação de Jobim, em sua posse, foi a que «serei um líder do governo nesta Casa». Chegou de quatro.

Ao longo dos oito anos do tucanato toda a sorte de arbitrariedades foi cometida. A juíza Salette Macalóes, que tinha o direito do prevento, no caso das privatizações, foi afastado manu militari por Nelson Jobim, pois estava exigindo o cumprimento da lei maior, de todo o arcabouço legal existente.

Ao perceberem que juízes de instâncias inferiores não aceitavam passivamente as arbitrariedades, trataram de retirar-lhes o poder, conferindo-o exclusivamente àqueles que não significariam obstáculos ou dificuldades aos propósitos de privatização do Estado brasileiro.

Lula não é diferente. Arrogante, investido na função de presidente, uma espécie de imperador a tempo certo, convicto que é ungido para levar o Brasil e o mundo à terra prometida, já indicou três ou quatro ministros para o STF. Todos, sem exceção, foram críticos da contribuição de inativos e pensionistas e um deles, Eros Graus, após a aprovação da reforma da previdência, publicou um artigo no qual afirmava ser inconstitucional a dita contribuição. Todos, todos eles, sem exceção, como o presidente, como o seu partido, mudaram de idéia e votaram a favor da ilegalidade. Deram-lhe foro de legalidade. Ao arbítrio.

Essa disposição de quebrar a espinha dorsal do Poder Judiciário vem de fora, vem de longe. Vem dos objetivos de dominação e recolonização do País. A transformação do STF numa casa onde se debate conveniência ou não de aceitar atos ilegais em função de governabilidade, mas na ótica dos donos, do poder real, faz com que o Poder Judiciário deixe de ser uma corte de justiça e passe a ser uma espécie de secretaria judiciária do Poder Executivo.

A tarefa de Jobim é essa: destruir vestígios de resistência ao poder. A lei pouco importa. E tem conseguido.

O voto do ministro Marco Aurélio de Mello foi exemplar. Citou discurso de Jobim, quando deputado, se opondo à contribuição de inativo e pensionistas. Pela correlação de forças existente na Corte, não há dúvidas que o ministro Marco Aurélio quis apenar definir os campos: o da lei e o do arbítrio.

O neoliberalismo é a farsa democrática a que alude José Saramago. A que não muda nada, não importa que partido esteja no poder. Seja governo. PT e PSDB são apenas moedas da mesma cunha, com projetos políticos pessoais, voltados para a implementação de políticas que vêm de longe.

A decisão do STF vai para a parte das páginas lamentáveis da corte que deveria ser suprema guardiã dos direitos fundamentais e da Carta Maior.

E com uma diferença em relação aos ministros designados pela ditadura militar: a exceção de Adauto Lúcio Cardoso, todos eles, todos eles repito, tinham o ponto de vista da ditadura, jamais defenderam idéias diversas das postas em prática pelo regime militar.

Os que lá estão hoje, os nomeados por Lula, todos eles, defendiam o contrário do voto que proferiram.

Isso é grave.

Foi por perceber todo esse processo que o presidente Hugo Chávez, quando eleito, tratou de buscar respaldo popular para uma nova constituição e um novo Judiciário. Livre, independente.

É por essa razão que Lula não vale um dedo sequer de Hugo Chávez.

Falta-lhe dimensão, estatura, coragem. As mesmas virtudes que faltaram à maioria dos ministros do STF no julgamento de quarta-feira.

E um último registro: há tempos atrás, mesmo quando interesses eram contrariados em decisões do STF, o respeito era absoluto. Não se ouvia, não se via, nem se fazia, crítica à Corte. Mesmo com ministros que saíram da antiga Light and Power Corporation.

Hoje, o mais comum, são críticas públicas e contundentes ao Supremo. Está desaparecendo o respeito e aparecendo a convicção que uma nova ordem é necessária. Isso é muito ruim. É péssimo. É sinal de novos tempos de arbítrio, como todo arbítrio, ao arrepio da lei, do direito e da Justiça.

E nada disso passa por Lula, nem por essa gente.