A julgar por dois artigos recentes na mídia do capital, a elite pensante da burguesia ficou furiosa com a derrota da Portaria 160 do Ministério do Trabalho na Comissão de Constituição e Justiça do Senado e agora quer a revanche na reforma sindical em curso. A citada portaria, decretada atabalhoadamente pelo governo Lula, inviabilizaria de […]
A julgar por dois artigos recentes na mídia do capital, a elite pensante da burguesia ficou furiosa com a derrota da Portaria 160 do Ministério do Trabalho na Comissão de Constituição e Justiça do Senado e agora quer a revanche na reforma sindical em curso. A citada portaria, decretada atabalhoadamente pelo governo Lula, inviabilizaria de vez o desconto das contribuições assistencial e confederativa e levaria ao estrangulamento financeiro de milhares de entidades sindicais. Após intensa chiadeira, que unificou todas as correntes do sindicalismo brasileiro, a medida foi sumariamente enterrada pelo parlamento.
Rancorosa, a mídia oligopolista destilou veneno. Em editorial, o jornal Folha de S.Paulo, pseudo-eclético que tenta ocultar o seu enorme rabo preso, criticou a revogação da portaria e afirmou, de maneira leviana, que esse desconto serve a «uma casta de sindicalistas pelegos e corruptos». Diante da derrota, o jornal deu a sua orientação partidária: «É fundamental que se faça uma reforma ampla para eliminar a unicidade sindical e as taxas descontadas em folha de pagamento. No mundo civilizado, sindicatos sobrevivem das mensalidades pagas voluntariamente por seus associados» [1].
Já o jornalão conservador O Estado de S.Paulo publicou um texto panfletário. Após lamentar a decisão do Senado, que «cava a sepultura da reforma sindical», a furiosa articulista afirmou que o maior culpado pelo revés foi o governo Lula, que criou o Fórum Nacional do Trabalho como instância tripartite de consultas. «O assembleísmo que tomou conta do governo, a mania de tudo discutir em coletivos para tomar decisões não só revelaram insegurança e despreparo para governar, como também atrasou a arrancada do programa de governo… Lula governa um país, não um sindicato que toma decisões em assembléias» [2].
Para o periódico, que não esconde o seu ódio de classe, os trabalhadores deveriam optar «livremente» pelo custeio das entidades sindicais, «em vez de serem surrupiados, enganados, obrigados a sustentar com seus salários sindicatos fracos, inoperantes, em que não se sentem defendidos, nem representados». Assumindo uma clara linha oposicionista, o Estadão insistiu em enquadrar o governo. «Se a reforma sindical foi um fiasco, a trabalhista nem sair vai… Elas interessam ao país inteiro e não apenas a dirigentes sindicais, que têm visão corporativa, limitada e estreita. Lula não deveria confiar seu projeto de reforma a esse grupo».
MANIPULAÇÃO DESCARADA
O ódio midiático contra o sindicalismo não causa surpresas – a não ser para os que ainda se iludem com a chamada «neutralidade» da imprensa burguesa e que são seduzidos por suas falácias. No que se refere ao movimento sindical, as manipulações da mídia são depravadas. A Folha, por exemplo, argumenta que «no mundo civilizado, sindicatos sobrevivem das mensalidades pagas voluntariamente» – e muitos inocentes, sem qualquer espírito crítico, acreditam cegamente. Vários estudos comprovam que na maioria dos países industrializados são cobradas taxas dos não-sócios como forma de custeio das entidades. Seus nomes variam – taxa de solidariedade, contribuição negocial, fundo de fortalecimento sindical, entre outros.
Essa realidade é conhecida até por estudiosos cutistas, apesar de alguns dirigentes da central insistirem em desconhecer a importância vital das contribuições compulsórias. Na Espanha, por exemplo, «em torno de 25% do orçamento das entidades vêm de um fundo público. Existe também a entrada de verbas por ganho jurídico e um fundo de formação profissional». Em outros países, como na Suécia, Dinamarca, Bélgica e Finlândia, «o movimento sindical é administrador de fundos de seguro desemprego» – que possuem fartos recursos financeiros. Estes, entre outros casos, são citados num livro editado pela Escola Sul da CUT [3].
Já o Estadão afirma que as contribuições servem para sustentar «sindicatos fracos e inoperantes». Se isso fosse verdade, o sindicalismo brasileiro não seria um dos mais respeitados no mundo e nem as lideranças projetadas nesse meio chegariam à Presidência da República – para desgosto desse jornalão conservador, que serviu de quartel-geral para o candidato presidencial de FHC. Conforme elucida o instigante estudo de Adalberto Cardoso, os sindicatos nacionais possuem representatividade – levando em conta apenas a População Economicamente Ativa Ocupada, o índice de sindicalização supera 30%, um dos mais altos do planeta -, têm papel relevante nas negociações coletivas e não contam com estruturas inchadas [4].
Para ser coerente, evitando visões «limitadas e estreitas», a furiosa articulista do Estadão deveria recusar os direitos conquistados pelas históricas e heróicas lutas do sindicalismo brasileiro e abdicar dos acordos salariais arrancados a fórceps pela entidade da categoria diante da intransigência da família Mesquita. É certo que o sindicalismo esbarra em enormes dificuldades e possui flagrantes debilidades e vícios. Mas ninguém pode ser iludir com o canto de sereia da mídia burguesa, que exige «o fim da unicidade sindical e das taxas descontadas em folha». No fundo, ela quer destruir e fragilizar o sindicalismo, ciente de que esse é o melhor caminho para flexibilizar os direitos dos trabalhadores e para impor a barbárie neoliberal!
NOTAS
1- «Reforma sindical». Folha de S.Paulo, 20/11/04.
2- Suely Caldas. «O gol contra do PT». O Estado de S.Paulo, 21/11/04.
3- Jorge Lorenzetti e Odilon Faccio. «O sindicalismo na Europa, Mercosul e Nafta». Editora LTr, 2000.
4- Adalberto Moreira Cardoso. «Sindicatos, trabalhadores e coqueluche neoliberal». Editora FGV, 1999.
Altamiro Borges é jornalista, membro do Comitê Central do PCdoB, editor da revista Debate Sindical e organizador do livro «A reforma sindical e trabalhista no governo Lula» (Editora Anita Garibaldi).