Leonel de Moura Brizola morreu no último dia 21 de junho, aos 82 dois anos, vítima de infarto decorrente de complicações infecciosas. Ex-governador do Rio de Janeiro por dois mandatos (1983-1987 e 1991-1995) e do Rio Grande do Sul (1958-1961), era presidente nacional do Partido Democrata Trabalhista (PDT). Com Brizola encerra-se um dos últimos elos […]
Leonel de Moura Brizola morreu no último dia 21 de junho, aos 82 dois anos, vítima de infarto decorrente de complicações infecciosas. Ex-governador do Rio de Janeiro por dois mandatos (1983-1987 e 1991-1995) e do Rio Grande do Sul (1958-1961), era presidente nacional do Partido Democrata Trabalhista (PDT). Com Brizola encerra-se um dos últimos elos da sociedade brasileira com o populismo.
A ideologia populista e seus políticos contribuíram para impedir o desenvolvimento de uma visão classista e revolucionária no Brasil. Especialmente na perspectiva nacional-desenvolvimentista, o populismo desarmou política e organizativamente a classe operária no período anterior ao golpe civil-militar de 1964.
A evolução ideológica de Leonel Brizola assumiu uma radicalidade nacionalista burguesa especialmente quando foi governador do Rio Grande do Sul entre 1958 e 1961. Tal radicalidade manifestou-se em alguns fatos políticos. A falta de energia elétrica no Rio Grande do Sul, especialmente para setores industrias desse estado , leva-o a nacionalizar a norte-americana Bond and Share. Com a renúncia de Jânio Quadros, em outubro de 1961, Brizola sustenta politicamente a posse do vice-presidente João Goulart, apoiando-se na população. Até 1967 tenta constituir grupos nacionalistas armados, que ficaram conhecidos como Grupos dos 11, para enfrentar o golpe militar.
Brizola sintetiza os descaminhos do projeto nacionalista/trabalhista e, no transcorrer de sua trajetória política, comprovou o seu «colapso». Na década de 1970, aproxima-se da social-democracia européia e, sem êxito, tenta materializar o «socialismo moreno» após voltar ao Brasil, em 1978. Depois do exílio, sua base política esteve sustentada nas mais díspares e controversas forças políticas: de políticos burgueses corruptos e conservadores às ligações com setores do crime organizado, especialmente no Rio de Janeiro, como denunciado pela imprensa em várias ocasiões. A última aparição do político ocorreu em São Paulo, ao lado do burocrata sindical, Paulinho…, presidente da central Força Sindical e candidato à prefeitura da capital do Estado de São Paulo.
O populismo trabalhista
O populismo brasileiro desenvolveu-se no período histórico entre a década de 1930 e 1964. Associa-se ao movimento civil-militar de 1930, quando Getúlio Vargas chega ao poder de Estado, respaldado por burguesias regionais e por setores militares («tenentistas»). A partir daí ocorre uma recomposição política entre as oligarquias locais, reduzindo o poder político do Estados de São Paulo e Minas Gerais. Essa linha getulista será consolidada com o golpe de 1937 e a instalação do Estado Novo.
O Estado Varguista apóia-se nas «massas urbanas» que se desenvolveram com a industrialização. Para alguns sociólogos brasileiros, como Octavio Ianni, Francisco Weffort e Leôncio Rodrigues Martins, a fraca tradição associativa da classe operária em formação no país, de origem camponesa, possibilitou sua fácil incorporação como base de apoio político ao projeto populista. Para isso, a política getulista utilizou-se do atrelamento das associações operárias ao Estado e, também, realizou «concessões» trabalhistas: férias, 13º salário, jornada de trabalho, registro em carteira. Por outro lado, esse Estado teria um papel dinamizador da industrialização no país, favorecida pela Segunda Guerra Mundial.
Especialmente após 1945, o «Estado populista» tornara-se permanentemente instável pois se baseava na disputa de interesses de diversa frações burguesas no aparelho estatal, ocasionando permanentes crises e recomposição política. Nesse quadro, a ideologia populista marcou a atuação política do trabalhismo e dos comunistas. Por um lado, considerando o espaço de disputa política no aparelho estatal; por outro lado, ressaltando uma aliança dos trabalhadores com setores da «burguesia nacional». A proposta era muito nítida: consolidar uma etapa capitalista no país com base no mercado interno.
O golpe militar de 1964 impõe finalmente um projeto capitalista associado ao imperialismo. Esse novo quadro excluiria das decisões estatais diversos setores nacionalistas, políticos populistas e forças políticas de esquerda. Especialmente impõe duros golpes à classe trabalhadora urbana e rural, através das políticas de arrocho salarial e sérios limites à organização sindical. Seria o «colapso do populismo».
O Estado brasileiro e a burguesia no país, integrados plenamente à dinâmica imperialista, impossibilitavam a partir de então qualquer ilusão pequeno burguesa de retomada de espaços de disputa entre frações burguesas e interesses proletários no Estado. Não existe a mínima possibilidade de disputa.
A sobrevida política do brizolismo
O enfraquecimento da ditadura militar manifestou-se através da estratégia da distensão política iniciada em 1974, através da qual ocorreu o fim da censura prévia, a anistia política e a reformulação partidária são apresentadas.
Nesse cenário político, Brizola retorna ao país em 1978 para reconstituir o trabalhismo. No exílio lhe ficou nítido que tal projeto estava marcado historicamente. Do populismo trabalhista «evolui» para a social-democracia. Em suas palavras: «comecei a assimilar o novo contexto político internacional. Verifiquei que era muito diferente do mundo de 20 anos atrás. Na área capitalista, o policentrismo, aquele monopólio a que estivemos submetidos por parte dos norte-americanos, havia sido limitado. Constatei logo que as melhores áreas de relacionamento para os brasileiros que desejávamos reconstruir as instituições democráticas estavam nos setores progressistas da Europa, ligados à social-democracia e nos setores liberais norte-americanos» (Jornal da Vitória, 1982, p.02).
A década de 1970, é bom frisar, constituiu-se internacionalmente como início da Crise Estrutural do Capital, depois de um boom econômico após a Segunda Guerra Mundial. No final dessa década e início dos anos 80 as respostas neoliberais apresentam-se: eleição de Ronald Reagan nos EUA e de Margaret Tatcher na Inglaterra. A social-democracia européia também é chamada a administrar a crise. ores.
Especialmente após sua expulsão do Uruguai, em 1977, Brizola vai para os Estados Unidos e depois para Portugal. Nesse contexto de exílio consolida seus contatos com as principais lideranças social-democratas européias, como Willy Brant, Mário Soares, François Mitterrand, Felipe Gonzáles.
O projeto brizolista inicialmente mira-se no então recente movimento operário, suas lideranças e movimentos sociais que despontavam no final da década de 1970. Mas o «trabalhismo» não tinha organicidade nem influência ideológica e política na nova vanguarda do proletariado. Essa vanguarda negava e denunciava as lideranças caudilhescas, populistas e nacionalistas. Naquele momento compreendiam tais lideranças como responsáveis principais por suas derrotas políticas em 1964. Movimento proletário ascendente e generalizado impôs suas próprias lideranças, formas de organização independentes e partido. Daí duro golpe no «socialismo moreno».
A estratégia brizolista foi surpreendente com sua eleição em 1982 ao governo estadual do Rio de Janeiro. Na realidade, nada mais significou do que o prestígio pessoal e uma campanha eleitoral bem desenvolvida, mas principalmente baseada em contínua e crescente conciliação com personagens e forças políticas as mais díspares e conservadoras no quadro político brasileiro: sua aproximação com o regime militar veio através da proposta de «Constituinte com João» (Figueiredo); do chaguismo vieram políticos como Moreira Franco e Miro Teixeira. No campo sindical, reforçou a pelega Central Geral dos Trabalhadores (CGT), desde sua fundação, ao lado do PCB, PCdoB e MR-8. Neste sentido, combateu a «ferro e fogo» a recém-fundada Central Única dos Trabalhadores (CUT), em 1983, como também as «oposições sindicais» em diversas partes do país. Também desenvolveu uma rede de alianças com forças conservadoras dos grotões nordestinos. Além disso, estreitou laços com o crime organizado no Rio de Janeiro, possibilitando-lhe transformar as favelas cariocas em seu reduto eleitoral.
Fim do populismo, mas a retórica manteve-se
A ideologia populista, em suas variações, evolução e colapso, demonstrou nitidamente que não tinha base social material. Funda-se em uma perspectiva pequeno-burguesa, inteiramente iludida com as «possibilidades» do Estado burguês. Impediu a organização independente dos trabalhadores articulada em uma perspectiva socialista revolucionária. Nos embates político-ideológicos contra o projeto imperialista foi demonstrando, entre a década de 1950 e início de 1960, sua completa debilidade e desestruturação política: suicídio de Getúlio Vargas (1951), a vacilação política e ideológica de João Goulart em resistir aos militares apoiando-se nos trabalhadores, em 1964) e, por fim, o radicalismo brizolista através de grupos nacionalistas foquistas armados, depois do golpe militar.
Para sua sobrevida, Brizola apoiou-se em forças políticas conservadoras, muitas vezes recrutadas para o seu Partido Democrático Trabalhista (PDT), em decorrência das disputas locais por legenda. Dizia na convenção pedetista em 1989, quando se candidata às eleições presidenciais: «Não tenho medo de alianças, de apoios que venham da direita ou da esquerda». Manteve no entanto a retórica populista, potencializada pelos meios de comunicação de massa, tendo como alvo os anseios das «massas» e de setores descontentes das camadas médias assalariadas e proprietárias. Naquelas eleições, um texto do horário eleitoral gratuito dizia o seguinte: «Em Brizola só cabe um rótulo, o de defensor implacável do povo humilde. É o candidato dos injustiçados, dos favelados, da classe média».
* Doutor em Sociologia pela Universidade Estadual Paulista (Unesp- Brasil). Professor do Depto. Ciências Humanas – UNESP- campus da cidade de Bauru.