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Entrevista com professor Luiz Carlos Bresser Pereira

Uma alternativa ao monetarismo

Fuentes: Gazeta Mercantil

A busca do novo sempre foi uma das principais razões na existência de homens que pensam grande e lutam pela democracia, progresso e bem-estar da sociedade onde vivem. No caso do professor e ex-ministro Luiz Carlos Bresser Pereira, procurar o novo é revolucionário. Ele é o decano de um ativo grupo de economistas, reunidos em […]

A busca do novo sempre foi uma das principais razões na existência de homens que pensam grande e lutam pela democracia, progresso e bem-estar da sociedade onde vivem. No caso do professor e ex-ministro Luiz Carlos Bresser Pereira, procurar o novo é revolucionário. Ele é o decano de um ativo grupo de economistas, reunidos em torno da Fundação Getulio Vargas (FGV) em São Paulo, que procura formular um projeto para o Brasil de modo a delinear uma política econômica não subordinada ao sistema financeiro.
Aos 70 anos, completados em junho passado, Bresser Pereira não desiste da sua caminhada e da luta por um Brasil republicano, democrático, desenvolvido e com uma estratégia nacional que garanta a distribuição de renda, vida digna para todos os brasileiros e a construção da nação brasileira sonhada por Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek e Celso Furtado, falecido no domingo passado.

Segundo Bresser Pereira, um governo só será bem-sucedido no Brasil se conseguir restabelecer a aliança da burguesia nacional com os técnicos governamentais e com os trabalhadores.

O pacto desenvolvimentista só existiu, diz Bresser Pereira, nos tempos de Getúlio Vargas e de Juscelino Kubitschek.

Durante a luta pela democratização do País, o pacto foi resgatado, mas depois foi novamente derrotado com o fracasso do Plano Cruzado.

De lá para cá, diz Bresser Pereira, a nação brasileira está sendo afrontada pelo modelo neoliberal, imposto de fora para dentro pelos Estados Unidos e que encontra aliados aqui. Aliados interessados e aliados não interessados, mas medrosos.

Ontem, Luiz Carlos Bresser Pereira foi homenageado pela Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas e pela Editora FGV, que lançaram o livro «Em busca do novo», um obra organizada pelos economistas Yoshiaki Nakano, José Marcio Rego e Liliana Furquim, e que resgata o Brasil e o desenvolvimento na obra de Bresser Pereira.

Influenciado pelas idéias trabalhistas do seu pai, Silvio Pereira, admirador de Getúlio Vargas, o professor Luiz Carlos Bresser Pereira avança no pensamento depois de conhecer as teses do Instituto Superior de Estudos Brasileiros (Iseb) e passou a ter visão integrada do Brasil.

Em 1950, o Iseb era formado por Hélio Jaguaribe, Guerreiro Ramos, Ignácio Rangel, Werneck Sodré, os filósofos Álvaro Vieira Pinto e Roland Corbusier, um grupo de intelectuais que pensou o Brasil de maneira global e formulou a ideologia do nacional desenvolvimentismo.

Em 1955, por conta da sua participação na Ação Católica, ele também era vinculado politicamente ao Partido Democrata Cristão (PDC). Mas, quando o partido resolveu apoiar Juarez Távora, o candidato da UDN contra Juscelino Kubitschek nas eleições presidenciais, Bresser Pereira rompeu com o PDC, e escreveu o seu primeiro artigo político argumentando que as forças desenvolvimentistas estavam comprometidas com Juscelino, que representava a continuidade do pacto político estabelecido por Vargas.

Ele teve influência das idéias que Celso Furtado e Raul Prebisch desenvolveram na Comissão Econômica Para América Latina (Cepal), e que tinham como centro um projeto de industrialização. A idéia da industrialização e associação de empresários, trabalhadores e técnicos do governo é fundamental para a construção e o desenvolvimento da Nação, diz Bresser Pereira.

De lá para cá, o professor Bresser Pereira escreveu livros e artigos que atualizam o pensamento desenvolvimentista, que, segundo ele, precisa estar inserido dentro de uma estratégia nacional e republicana. A seguir, trechos da entrevista.

Gazeta Mercantil – Há condições no Brasil para um projeto de desenvolvimento nacional que resgate a soberania do País?
Luiz Carlos Bresser Pereira – Não tenho dúvida sobre isso, porque existe o empresariado nacional. Nós vivemos num mundo global e a questão que se coloca é até que ponto num mundo globalizado como o nosso é possível haver uma política nacional. Tanto é possível que é só olhar o que acontece com a China, Indonésia, Tailândia, Malásia e a Coréia, países que têm uma política claramente nacional. Tenho inclusive duas definições de globalização. A primeira, que chamo de definição fraca, é que globalização é a competição generalizada entre as empresas, apoiadas pelos seus respectivos Estados nacionais. A segunda, a definição forte, é que globalização é a competição generalizada entre os Estados nacionais por meio das suas empresas. Nas duas definições o Estado nacional continua sendo absolutamente fundamental. Os países ricos, assim como os asiáticos, em desenvolvimento, sabem que a globalização é competição entre os Estados nacionais. E, portanto, sabem que o Estado nacional é estratégico e que é fundamental ter uma burguesia nacional, uma burocracia nacional, com técnicos do governo nacionais e trabalhadores nacionais, todos razoavelmente associados.
Gazeta Mercantil – Ainda existe burguesia nacional no Brasil?
Bresser Pereira – A burguesia nacional são os empresários brasileiros, a exemplo do Abílio Diniz, Antonio Ermírio de Moraes e muitos outros. São todos os empresários brasileiros, mas há variações, porque uns são mais nacionalistas, outros mais dependentes, uns mais liberais, outros mais intervencionistas. E o fato concreto é que o interesse deles está fundamentalmente ligado à economia brasileira. Mesmo quando querem exportar, os empresários sabem que só podem fazer isso se tiverem condições dentro da economia brasileira. Existe uma razoável unidade entre a burguesia nacional, mas também há contradições e a principal delas é entre o capital industrial e o sistema financeiro, porque os empresários brasileiros hoje estão divididos entre os rentistas e os empresários propriamente ditos, produtivos. Um governo só será bem-sucedido no Brasil se conseguir restabelecer a aliança da burguesia nacional com os técnicos do governo e com os trabalhadores. O governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso não conseguiu, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva está tentando, mas está muito confuso ainda, não tem uma idéia clara de como faz isso, exatamente porque a pressão que vem de Washington é muito violenta e encontra aliados aqui. Aliados interessados e aliados não interessados, mas medrosos.
Gazeta Mercantil – O governo Lula faz a política do sistema financeiro?
Bresser Pereira – Faz no Banco Central, mas, no Ministério da Fazenda, já faz pela metade. E, no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), é outra coisa completamente diferente.
Gazeta Mercantil – A demissão de Carlos Lessa da presidência do BNDES não altera isso?
Bresser Pereira – Não creio que altera substancialmente, porque acredito que o Guido Mantega vai manter o BNDES num rumo consistente com o desenvolvimentismo. Mas, o governo Lula tem várias políticas e vive essa contradição entre o grupo de rentistas e o sistema financeiro de um lado e o grupo de industriais e de trabalhadores do setor real do outro. O governo tem dificuldades de opção, porque o grupo de rentistas tem apoio lá de fora. Mas os Estados Unidos são um falso império, porque não há espaço hoje para isso. A guerra do Iraque demonstra como é falso esse império. Claro que os americanos ganharam a guerra, mas hoje são mais fracos do que eram antes de fazer a guerra. No mundo global, que tem a Organização das Nações Unidas (ONU), tratados, opinião pública mundial e imprensa mundial, não se pode mais resolver os problemas do trabalho na guerra, e quando se faz isso paga-se muito caro. No processo político global em que vivemos os Estados Unidos são uma grande potência, mas com poderes limitados, e apenas na nossa cabeça pode ter mais poderes. No fundo, o poder do outro depende da força que pode exercer sobre nós, mas também da nossa submissão a ele.
Gazeta Mercantil – Onde vai chegar a política de juros altos do Banco Central?
Bresser Pereira – Essa política de meta de inflação e de juros altos é antinacional, antidemocrática e já está parando a economia. O que temos a nosso favor é que o crescimento econômico no governo Lula será melhor do que no do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. E será melhor não graças ao Lula, nem ao Antonio Palocci, ministro da Fazenda, nem ao Henrique Meireles, presidente do Banco Central, mas graças as duas crises que nós tivemos e que desvalorizaram a taxa de câmbio. E com a taxa de câmbio se desvalorizando estamos conseguindo realizar superávit em conta corrente. Ou seja, passamos a crescer com despoupança externa, que é correto. Para quem está tão endividado como o Brasil tem de crescer como faz a China, com despoupança, e com superávit em conta corrente.
Gazeta Mercantil – Por que é importante para o Brasil ter um Estado republicano?
Bresser Pereira – Recentemente, publiquei um livro pela Oxford Liberty Press, cujo subtítulo é «Construindo o Estado Republicano», onde defendo que toda nação precisa construir seu próprio Estado e tem que ser republicano, no sentido de um Estado em que os cidadãos participem ativamente em termos democráticos e participem defendendo o Estado contra a captura privada.
Afinal, o Estado está sempre sendo ameaçado de captura pelos capitalistas e burocratas de todos os tipos. Defender o patrimônio público do Estado é fundamental para que se possa ter, em qualquer país, liberdade, bem-estar social e justiça social.
Gazeta Mercantil – Por que o crescimento brasileiro foi interrompido?
Bresser Pereira – O desenvolvimento do Brasil e da América Latina entre 1930 e 1980 pode ser explicado de várias maneiras, mas a explicação mais importante é que os países do centro são sempre imperialistas, estão sempre chutando a escada e querendo evitar que os outros o acompanhem. Mas, no período de 1930 a 1955, esse centro imperialista esteve em crise de depressão e depois em crise de guerra, e isso o enfraqueceu e abriu espaço para nós. O Celso Furtado mostrou com muito brilho como esse enfraquecimento permitiu que os países da periferia crescessem. A partir da Segunda Guerra Mundial, e até meados dos anos de 1970, continuamos a nos desenvolver, também porque a grande potência dos Estados Unidos estava enerosa, e de tal forma vitoriosa no plano econômico, político e militar, que resolveu ajudar a Europa, o Japão, ajudou a reforma agrária na Coréia do Sul, auxiliou Taiwan. E nos ajudou com a missão mista Brasil-Estados Unidos, que vai ser a base para todo planejamento econômico brasileiro no começo dos anos de 1950, no governo de Getúlio Vargas. Depois, com a Aliança para o Progresso, implementada pelo presidente John Kennedy, também houve ajuda ao Brasil.
Mas a partir de meados dos anos de 1970, os Estados Unidos mudam de estratégia e passam a se comportar como normalmente fazem os países ricos e imperiais.
Gazeta Mercantil – Por que a mudança de posição?
Bresser Pereira – Porque a taxa de lucro e em seguida a taxa de crescimento dos Estados Unidos caíram verticalmente nos anos de 1950, a grande prosperidade acabou, e foi preciso restabelecer a taxa de lucro. E isso vai dar origem a ideologia neoliberal do Ronald Reagan e da Margaret Tatcher, que no fundamental é uma ideologia contra o Estado dos trabalhadores nos Estados Unidos e na Inglaterra. Ao mesmo tempo surge nos anos de 1970 os novos países New Industrialized Countries (NICs), o Brasil era um deles, a Coréia do Sul, Taiwan, Hong Kong, Cingapura e México completavam os seis NICs que representavam uma ameaça muito grande e nova aos países ricos.
Afinal, os seis NICs são países com mão-de-obra barata, que exportam manufaturados e artigos sofisticados. Então, era preciso contra atacar, e o centro do império contra-ataca com a ideologia do globalismo, que é a ideologia de desorganizar o Estado nacional, e uma série de argumentos que convenceram muita gente inteligente do Brasil e da América Latina. Está muito claro, hoje, o êxito dos países asiáticos que não adotaram as políticas de Washington e estão crescendo. Existe uma idéia de que só existe um caminho único. Mas, há outros tipos de capitalismo, o modelo de capitalismo dos chineses é diferente do que os indianos estão fazendo, que por sua vez é diferente do adotado pelos coreanos, e os três países estão fazendo uma coisa diferente do que os americanos propõem que façamos, que nem é o que eles fazem. A estratégia que os Estados Unidos e a Europa adotam em relação a nós aparece com muita clareza na negociação comercial, que não é negociação comercial coisa nenhuma. Eles dizem que é uma negociação comercial, fazem concessões muito pequenas e em troca exigem que percamos a capacidade de fazer políticas econômicas interna e de controlar as contas governamentais, não querem que façamos o controle mais claro dos investimentos do Brasil e o controle dos problemas de propriedade intelectual. Eu creio que, sem fazer grandes conflitos, podemos perfeitamente ter uma política nacional de desenvolvimento, porque todo pressuposto é que desenvolvimento econômico só acontece quando há uma estratégia nacional. E a estratégia nacional pode variar muito, mas é sempre uma ação coletiva da sociedade, envolvendo empresários, trabalhadores e técnicos do governo que têm idéias de como se inserir e de como aproveitar as oportunidades e como promover o desenvolvimento, e competindo com os demais países.
Gazeta Mercantil – Que tipo de pensamento econômico e político mais influenciou o senhor?
Bresser Pereira – Sou de uma família bem paulistana, meu pai, Silvio Pereira, era advogado, escritor, deputado estadual na
Constituinte de 1947 a 1950 e foi jornalista muito jovem no Correio Paulistano. Depois, ele se tornou diretor e proprietário do jornal O Tempo, em São Paulo. A primeiro influência que tive foi de meu pai, que era trabalhista, social democrata e admirava muito Getúlio Vargas. Mais tarde, quando estudava no Colégio São Luiz, dos jesuítas, associei-me aos jovens intelectuais progressistas da Ação Católica, que tinham em Jacques Maritain e em Alceu Amoroso Lima suas principais referências teóricas. E quando vou trabalhar no jornal O Tempo, tive a influência marxista do jornalista trotskista Hermínio Sachetta, que era secretário de redação e me fez conhecer as idéias do russo Georgi Plekanov e por meio delas tomei conhecimento da teoria de Karl Marx. Nesse mesmo período faço um curso noturno de cinema no Museu de Arte de São Paulo (Masp), em 1950. Mais tarde, virei jornalista no jornal O Tempo, onde comecei como revisor, fui repórter, redator e crítico de cinema. Em 1955, quando o jornal O Tempo fechou, vou para Última Hora, do Samuel Wainer, onde trabalhei dois anos. Mas como eu ia casar e os salários eram pagos com três meses de atraso, e já tinha resolvido que ia ser economista, um sociólogo do desenvolvimento, fui trabalhar em propaganda. Até que entrei na Fundação Getulio Vargas (FGV), em 1959 e em seguida vou para os Estados Unidos para fazer meu mestrado. Em 1962, de volta ao Brasil, começo a dar aulas nos cursos da FGV. Mas como o salário era muito baixo naquela época, a partir de 1963 vou dar uma assessoria ao supermercado Pão de Açúcar, que naquela época ia inaugurar sua segunda loja. Associo-me ao Abílio Diniz e fazemos uma dupla durante vinte anos. Mas, a minha formação avançou anos antes, em 1955, quando entro em contato com as idéias do Instituto Superior de Estudos Brasileiros (Iseb) e passei a ter uma visão integrada do Brasil. O Iseb era formado pelo Hélio Jaguaribe, Guerreiro Ramos, Inácio Rangel, Werneck Sodré, os filósofos Álvaro Vieira Pinto e do Roland Corbusier, o grande grupo de intelectuais que pensou o Brasil de maneira global e que formulou toda a ideologia do nacional desenvolvimentismo. Também tive muita influência das idéias que Celso Furtado e Raul Prebisch desenvolveram na Comissão Econômica Para América Latina (Cepal), que tinham como centro um projeto de industrialização.
Gazeta Mercantil – Essas idéias permanecem no seu pensamento?
Bresser Pereira – A idéia da industrialização e da grande associação nacional entre empresários, trabalhadores e técnicos do governo foi básica na minha formação e continua até hoje sendo fundamental, que é a idéia da construção e desenvolvimento de uma Nação. Com a grande crise na primeira metade dos anos de 1960 e que desemboca no golpe militar de
1964, desenvolvo toda uma teoria sobre o empresário industrial e a revolução burguesa brasileira, cuja primeira versão foi publicada na Revista de Administração de Empresas. E faço uma reavaliação do modelo do Iseb e que vai afinal aparecer na primeira edição do meu livro «Desenvolvimento e Crise do Brasil», em 1968, onde mostro que o modelo nacional desenvolvimentista do Iseb, que implicava a associação dos empresários com os trabalhadores, tinha entrado em colapso, devido aquela crise, por causa da revolução em Cuba, em 1959 e por vários outros fatores. Uma posição muito diferente da que vai tomar exatamente nessa época a Escola de Sociologia Política de São Paulo e que resulta na teoria da dependência, de Fernando Henrique Cardoso e também de Florestan Fernandes, que fazem uma crítica radical ao Iseb e a idéia de que era possível ter uma burguesia nacional no Brasil.

Segundo eles, a nossa burguesia era necessariamente dependente. Fernando Henrique Cardoso também defende a tese de que o Brasil só pode se desenvolver com capitais estrangeiros e eu não aceitava isso. Na minha visão, a burguesia era algumas vezes dependente, e outras vezes nacional, mas a idéia de um acordo básico entre empresários, trabalhadores e técnicos do governo é fundamental, porque essa é a condição da existência de uma nação e o Brasil é uma nação.
Gazeta Mercantil – Do ponto de vista prático essa idéia não fica descartada durante o regime militar?
Bresser Pereira – Fica descartada, mas não totalmente. Não se percebe isso com clareza, mas os militares refizeram parcialmente o acordo de Vargas, e como são autoritários excluem os trabalhadores. Mas fazem a associação dos técnicos do governo com os empresários e a abordagem deles é relativamente nacionalista e desenvolvimentista. A associação dos militares com os americanos é meramente anticomunista, mais nada, porque eles eram realmente muito anticomunistas, porque achavam o comunismo perigoso. E isso explica, inclusive, porque o Brasil vai continuar se desenvolvendo.
Passada a crise inicial dos anos de 1960, o País retorna ao desenvolvimento e tem um enorme crescimento até os anos de 1980, porque ainda havia um projeto nacional, manco, porque era autoritário e excluía os trabalhadores.
Gazeta Mercantil – Foi nessa época que o senhor montou o departamento econômico do Pão de Açúcar?
Bresser Pereira – No final dos anos de 1970, o Abílio Diniz é convidado para ser membro do Conselho Monetário Nacional (CMN) e nós criamos um boletim de conjuntura dentro do Pão de Açúcar e montamos um pequeno departamento econômico, cujo chefe vai ser o Yoshiaki Nakano e lá nós vamos ter o Geraldo Gardenali, Alkimar Moura, Fernando Dell’aqua, todos economistas da FGV e que vão fazer esse boletim de conjuntura por dez anos. O boletim trabalhava com os números apurados na economia real, já que o Pão de Açúcar era o maior comprador do Brasil de alimentos, carnes, eletrodomésticos, e tinha uma leitura muito próxima dos preços reais e esses economistas pensavam a economia auxiliando o grupo Pão de Açúcar e subsidiando o Abílio Diniz para suas reuniões no CMN. E a nossa análise era de crítica à ditadura. Nos anos de 1980, quando o Brasil está entrando numa grande crise econômica, e está entrando num processo de alta inflação, o Nakano e eu desenvolvemos juntos a teoria da inflação inercial, que depois também vai ser desenvolvida também pelo grupo da PUC do Rio de Janeiro.
Gazeta Mercantil – O senhor concordava com o modelo econômico do regime militar?
Bresser Pereira – Eu era um crítico do modelo econômico da ditadura, escrevi vários trabalhos de crítica ao modelo do regime militar e tenho um livro completo sobre isso que é «Estado e Subdesenvolvimento Industrializado».
Gazeta Mercantil – Como foi sua participação na luta pela redemocratização do Brasil?
Bresser Pereira – Depois do Pacote de Abril de 1977, quando o general Ernesto Geisel fechou o Congresso Nacional, eu começo a escrever uma série de artigos sobre a transição democrática, nos quais vou mostrar que está se restabelecendo a grande aliança entre trabalhadores, empresários nacionais e uma parte dos técnicos do governo que não estavam associados aos militares na burocracia estatal. E essa aliança se dá em torno da luta pela redemocratização. Em 1978 publico o livro «O colapso de uma aliança de classes», no qual mostro o papel fundamental dos empresários nacionais no desenvolvimento brasileiro, que eles mudaram de posição em 1964 com medo do comunismo, com medo da desordem em que a economia e a política brasileira tinha entrado nos governos de Jânio Quadros e de Jango Goulart. Mostro que a burguesia nacional apoiou e se associou ao regime militar.
Mas, a partir de 1977, a burguesia muda de posição, e ao mudar de posição vem para o lado democrático. E esse é o pacto que vai comandar todo o processo da campanha das Diretas Já e que depois, com a eleição de Tancredo Neves pelo Congresso Nacional, vai derrotar a ditadura.
Gazeta Mercantil – Por que esse pacto não foi adiante?
Bresser Pereira – Infelizmente, esse pacto político nacional fracassa com o Plano Cruzado e o desastre do Cruzado foi também o fracasso dessa aliança.
E aí, então, o presidente José Sarney faz uma política bastante populista, que é quando assumo o Ministério da Fazenda, em 1988 e em seguida há o colapsodo Plano Cruzado. Fiquei sete meses no governo, tentando pôr ordem na casa e vi que não tinha condições de combater a inflação, que estava altíssima, porque não havia apoio do presidente e decidi sair. O que estava acontecendonaquele momento era o colapso novamente desse novo pacto, daquele grande pacto nacional e nunca mais tivemos outro igual. Depois disso, se abrem as portas do país para o modelo neoliberal e que está aí até hoje.

São Paulo 23 de novembro de 2004