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Pela primeira vez desde agosto de 2003, a linha de declínio da popularidade do governo Lula é invertida

Uma retomada da esperança?

Fuentes: Periscopio

Pela primeira vez desde agosto de 2003, a linha de declínio da popularidade do governo Lula é invertida coincidindo com a ascensão das intenções de voto de candidatos do PT em várias capitais e cidades importantes do país. Qual a origem e quais podem ser as perspectivas deste movimento da opinião pública? De acordo com […]

Pela primeira vez desde agosto de 2003, a linha de declínio da popularidade do governo Lula é invertida coincidindo com a ascensão das intenções de voto de candidatos do PT em várias capitais e cidades importantes do país. Qual a origem e quais podem ser as perspectivas deste movimento da opinião pública?

De acordo com a última pesquisa Sensus/CNT, realizada entre os dias 3 e 5 de agosto, a avaliação positiva do governo Lula subiu de 29,4% em junho para 38,2%, a regular de 44,2% para 40,8% e a negativa caiu de 24,1% para 17,7%. O fato, se confirmado nas próximas pesquisas, é importante porque indica a reversão de uma tendência de desgaste do governo frente à opinião pública que vinha desde agosto de 2003. O desempenho pessoal do presidente, que vinha caindo no mesmo período, também ascendeu: é aprovado por 58,1% (54,1% em junho) e desaprovado por 32,8% (37,6% em junho).

Uma das indicações mais interessantes da última sondagem Sensus/CNT é a revelação de que 91,8% dos consultados têm orgulho de ser brasileiro. Entre os motivos para este orgulho, foram apontados em ordem decrescente: ausência de guerras (25,7%), solidariedade do brasileiro (21,4%), riquezas naturais (15,3%), futebol/esportes (6,4%), praias/belezas naturais (5,9%), hino nacional (4,8%), música/cultura (4,4%). Que o espírito pacífico e solidário do povo brasileiro seja apontado como a razão fundamental para metade dos que têm orgulho não deixa de ser uma expressão de época, destes novos tempos de mudança, auto-estima e reafirmação da identidade.

Em duas sondagens para eleições presidenciais em 2006, os candidatos do PSDB Geraldo Alckmin e Tasso Jereissati aparecem respectivamente com apenas 11,7% e 6,3%. Lula aparece liderando com 34,4% e 33,5% e Ciro Gomes em segundo lugar com 15,3% e 16,4%.

Este fenômeno de recuperação de mais sintonia entre governo e sua base popular tem certamente influência direta na ascensão de candidatos do PT em várias grandes capitais como São Paulo, Porto Alegre, Belo Horizonte, Recife e Belém. Mas seria imprudente tomar esta ascensão como índice de vitória já firmada e consolidada, em contextos eleitorais de disputa acirrada e grande mobilidade dos eleitores. Não deixa de ser, no entanto, um sinal expressivo de uma inversão de tendência a indicar uma nova conjuntura política.

A primeira tentação é explicar a ascensão da popularidade do governo Lula automaticamente pela nova conjuntura econômica marcada pela retomada do crescimento. Certamente esta ascensão é condicionada pelos efeitos sociais da retomada: o IBGE mediu em julho a terceira queda consecutiva do desemprego, que teria recuado para 11,2% nas seis maiores regiões metropolitanas; de acordo com a pesquisa Dieese/Seade, o índice de desemprego na grande São Paulo teria recuado de 19,1% para 18,5%, a menor taxa medida pelo órgão desde que o governo Lula tomou posse em janeiro de 2003. O IBGE também registrou nos dois últimos meses ligeira recuperação do rendimento médio. Segundo artigo de Sérgio Lamuci, no Valor Econômico de 24 de agosto, os principais sindicatos estão obtendo reajustes para além da inflação nos dissídios, iniciando uma recuperação após um ano muito difícil.

Mas seria um erro analítico atribuir à conjuntura política uma imagem replicante do cenário econômico. No ano de 2000, por exemplo, em um contexto de retomada da economia brasileira, que cresceu mais de 4%, o governo FHC, em seu segundo mandato, não foi capaz de se apropriar politicamente desta nova conjuntura tendo resultados negativos nas eleições municipais de 2000. Isto porque já havia se cristalizado em meio à maioria da população uma avaliação negativa de seu governo.  Aliás, foi exatamente nestas eleições que começou o movimento ascensional que levaria a coalizão liderada pelo PT à Presidência da República em 2002.

Ao lado da melhoria, mesmo que muito inicial do emprego e da renda, além da diminuição da inflação, seria importante considerar os efeitos agora mais visíveis das novas políticas sociais do governo Lula: o Fome Zero, que chegou massivamente às grandes metrópoles, as políticas de reforma agrária e de incentivo à agricultura familiar, do Ministério das Cidades com seus investimentos em saneamento e habitação, as novas agendas da saúde e educação.

Há também um fator político chave, que vem a ser o recoesionamento do PT após o período de crise gerada pela denúncia de Waldomiro Diniz em um ambiente de mais nítida polarização com o bloco liberal-conservador, expresso pelo PSDB-PFL. É como se as eleições retomassem um certo padrão da luta democrática e popular, atenuado em 2003 pelo encaminhamento de reformas que dividiram nitidamente o campo progressista e popular.

Mas há ainda um fenômeno muito palpável, evidenciado na pesquisa Sensus/CNT: a reconquista da auto-estima dos brasileiros, em tudo alimentada pela nova política externa do país e por vários processos em curso na órbita da cultura, tende a sintonizar a esperança com a sorte do governo Lula. Como não se trata de algo virtual ou artificialmente manipulado, a esperança tende a ganhar carne e vida nos elementos de identidade do povo brasileiro: «o melhor do Brasil é o brasileiro», já dizia aforisticamente o folclorista Câmara Cascudo.

Reação liberal

Já anotou-se no Periscópio a convergência da mídia de oposição ao governo Lula em momentos chaves, procurando estabelecer sob um ideário liberal-conservador, agendas para o país. A recuperação da popularidade do governo Lula, em um contexto de véspera de eleições, ensejou um novo movimento coordenado da mídia.

No mesmo final de semana, as revistas Veja e Época, os jornais O Estado de S.Paulo, Folha de S.Paulo e O Globo saíram a campo acusando o «governo do PT de implantar mecanismos de coerção da imprensa, da televisão e das atividades culturais do país.» Em sua fúria oposicionista, a revista Veja, com a capa «A tentação autoritária» alcunhou José Dirceu de «liberticida» e Gushiken foi comparado a Goebbels.

A imprensa liberal-conservadora errou de tom. O PT nazista, estalinista? No Jornal Nacional, um Gilberto Gil, entre patético e perplexo, enumerava os adjetivos desqualificadores lançados sem critério ao projeto de criação da Ancinav e convidava democraticamente ao debate.

O sobre-tom era claramente instrumental mas o tema é real. Ressoa críticas que Fernando Henrique vem fazendo ao governo desde o início do ano, como se documentou no Periscópio. A visão de mundo liberal vê como atentado à liberdade qualquer regulação de seu exercício. Antes de se editarem as leis de proteção ao trabalho infantil, os liberais de São Paulo da República Velha a condenavam como arbitrária interferência na lei de mercado.

Em sua obra justamente famosa «Sobre a liberdade», o grande liberal ético ou liberal socialista John Stuart Mill defendia até o direito de um regicida defender publicamente a sua opinião na Inglaterra do século XIX, desde que não praticasse as suas idéias. A «verdade» é sempre compósita, mesmo a opinião tida como absurda é importante, toda opinião tem o direito de vir à luz. Afinal, perguntava o filósofo: Sócrates e Jesus Cristo não foram condenados?

Mas exatamente para garantir o direito livre de expressão, em uma sociedade com a presença de grandes empresas de comunicação de massa, o exercício deste direito deve ser democraticamente regulado. Não é apenas o Estado o «liberticida» potencial. Também o monopólio dos meios de comunicação ou a sua precária democratização podem deixar sem voz opiniões e correntes importantes da sociedade. O grande liberal Tocqueville já alertava contra a opressão das opiniões dominantes.

Trata-se, como opinou lucidamente o cientista político Fábio Wanderley Reis, em entrevista à Folha de S.Paulo, de um exercício complexo de regulação, mas necessário. Mas talvez um período pré-eleitoral não seja o mais oportuno para fazer este debate.

De qualquer modo, prevendo desde o início do ano, que enfrentaria as forças de apoio ao governo Lula em situação de defensiva ou de desgaste crescente, e diante de um quadro diverso, setores da oposição liberal-conservadora agem com gestos e falas sem equilíbrio ou bom senso.

Um forte e inusitado sinal de mudança foi, sem dúvida, a eleição para a presidência da Fiesp. Mesmo sem ter obtido a vitória para a Ciesp, o industrial Paulo Skaf certamente marca uma postura nova à frente da entidade, trazendo para ela um discurso desenvolvimentista mais nítido. Nos anos 1990, a Fiesp orbitou em torno do PSDB, perdendo poder e prestígio frente aos espaços do setor financeiro, entrincheirado na Febraban (ver Periscópio nº 14, de março de 2002, «Eleições na CNI revelam impasses do empresariado»). Na primeira entrevista após sua eleição, Paulo Skaf afirmou que na sua gestão não vai aceitar que «o setor financeiro dite as regras na economia». Reivindicou de saída que a Fiesp «tenha direito a uma vaga no Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central» e quer que a taxa de juros estabelecida pelo governo seja mais baixa do que os 16% ao ano praticados atualmente (Gazeta Mercantil, 26 de agosto).

Nova agenda

Se o PT e as forças que apóiam o governo Lula obtiverem, como parece provável, um resultado razoável ou mesmo bom nas eleições municipais de 2004, ficam fortalecidas as chances de um exercício mais forte das potencialidades transformadoras do país.

Convergem para isto três fatores. Do ponto de vista econômico, a redução do grau das pressões da vulnerabilidade externa e o fim anunciado do acordo com o FMI favorecem agendas desenvolvimentistas conjugadas com maiores gastos sociais. Do ponto de vista político, o eventual enfraquecimento da oposição liberal-conservadora diminui os obstáculos para a superação do paradigma neoliberal. Em um mesmo sentido, o fortalecimento eventual do PT fortalece o peso do partido dentro da coalizão e expõe o governo mais à pressão benéfica de sua base histórica – dos trabalhadores e dos movimentos sociais – à intelectualidade de esquerda.

Avançar na transição do paradigma neoliberal para um paradigma republicano de Estado é o grande desafio de uma agenda para 2005, que se inicia com o Fórum Social Mundial de Porto Alegre.